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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Ultimo post

Tinha que terminar com poesia, este meu cantinho intimista, claro...



TESTAMENTO

(Da antologia “Caminho di bai”)


Meu último poema

será um panfleto.


Dou-vos minha palavra!


Depois disso

serei apenas osso

……………..ou fosso

……………………..ao redor

os passos cronometrados

pelo bater louco

do meu coração em frangalhos.



Texto: Paulino Dias
Foto: Helder Paz Monteiro



**THE END **

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quarta-feira, 6 de agosto de 2008

“Crónica de um adeus anunciado…”

Car@s amig@s,


Escrevo estas duas regrinhas para vos dizer que encerrarei as postagens no “Blog do Paulino” a partir da próxima Segunda-feira dia 11/08. Neste dia, escreverei aqui o meu último post, em jeito de despedida deste meu cantinho intimista. O blog continuará no entanto activado, pelo menos até descobrir uma forma de gravar todos os textos (salvo poucas excepções, quase todos foram escritos directamente no blog, sem que eu tivesse tido o cuidado de ao menos salvar um registo no meu computador… alguém aqui dá uma dica, por favor?).


Alguns irão certamente perguntar porquê. O que é que terá dado na telha daquele moço de Santo Antão, hein? Encerro o blog porque sem dramas assumo que para mim é chegado o fim de um ciclo, no que diz respeito ao exercício da escrita. A vida é feita de ciclos, de etapas que se substituem e às quais nós naturalmente devemos ajustar os nossos passos, com um sentido crítico que nos permite reinventarmo-nos continuamente para não perder a humildade e a poesia da descoberta de outros rumos. Encerro este ciclo com tranquilidade, à semelhança do que fizera antes no fim de outras etapas, como quando decidi deixar de participar no belíssimo programa “Música & Poesia” da RCV ainda no início dos anos 90 do século passado, ou quando terminei a minha coluna “Gentes das Ilhas” no ASemana Online.


Desde que escrevi aqui o primeiro post, ainda meio a medo, nos idos de Novembro de 2006 (caramba!, como o tempo voa…), e ao longo de mais de 130 posts, o “Blog do Paulino” tem sido para mim um espaço de escape e de partilha. Sobretudo partilha. Partilhei convosco na intimidade deste cantinho pequenas alegrias, coisas boas da vida, imagens que me marcaram, sons e cheiros de caminhadas pela ilha de Santiago, alguns momentos menos bons de saudade, tristeza e angústia – às vezes até, melancolia -, insonias, desabafos desaforados, chorei por vezes ao escrever o texto (está bem, confesso!, rs), dei também algumas gargalhadas, senti raiva, que outras vezes manifestei através de uma subtil ironia, tivemos também alguns debates muito ricos e interessantes, e outros devidamente abortados por absoluta falta de respeito ao outro e nobreza intelectual. Ah!, também amei - claro! – e mandei recados de ternura e de saudade. E entre a cidade e os recantos mais intimos da alma, fui de permeio fazendo publicidade da minha ilha Santo Antao e das gentes do meu cutelo Faja Domingas Bentas...


Muitas vezes, esta partilha se revestiu de alguma delicadeza, por navegar numa linha ténue entre o íntimo/privado e o público. Desde o início sempre tive a noção clara deste risco e assumi-o com tranquilidade, com a plena consciência do que representava em termos de exposição pública do que me ia no mais fundo da alma.


Mas o que foi para mim muito gratificante foram as relações que se foram construindo por causa ou através deste blog. Tive a felicidade de me “cruzar” virtualmente com pessoas extraordinárias e com quem aprendi muito (e vou continuar a aprender, claro!, porque continuarei a visitar os meus blogs de referência). E ainda tive o enorme prazer de conhecer pessoalmente vários destes “amigos virtuais”, como o Abraão, o Filinto, a Guida, o Tide, a Soraia, a Eury, o Val, o Benvindo, o João Branco, o Kaká Barbosa, o César, a Velu, o Djinho… O Olavo, o Djoy, a Vivianne, o Afonso e a Guida Mascarenhas já os conhecia, mas estabeleceram-se outras dimensões de relacionamento aqui na “blogosfera”.


Por último, porquê encerrar o blog numa Segunda-feira? Sei lá! Se calhar porque – ao contrário de M’nininha de Soncent (rsss) – sempre tive uma certa predilecção pela Segunda-feira depois do fastio dos Domingos à tarde. Se calhar porque no meu íntimo sempre esteve esta coisa masoquista de “matar o blog” numa Segunda-feira de Agosto. Se calhar porque o número 11 tem algum significado místico que ainda não descortinei, para além do “Léla” como o bradávamos nos jogos de loto lá em Fajã…


A todos, um muito obrigado sincero pelas visitas e pelos momentos de partilha. Um abração amigo,


Paulino

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Pressa...


Às vezes acordo com uma profunda sensação de pressa. Como se, do nascer do dia ao bater das doze badaladas da meia-noite, tudo fosse uma espécie de dança cósmica sob a batuta de um ponteiro de relógio. E nem posso dizer – como o Vinicius – que “minha existência sem ti, é como olhar para um relógio apenas com o ponteiro dos minutos”.


Tenho pressa, confesso. Tenho pressa de amar – antes que morra em mim a poesia. Tenho pressa de me lambuzar na lua cheia – antes que sucumba o adolescente eternamente apaixonado pelas coisas belas da vida. Tenho pressa de apreciar o quadro do Olavo na parede da sala – antes que me desapareça a ternura pelo azul. Tenho até pressa – caramba! – de escrever meu último poema (o tal que será um panfleto, para que depois possa seguir em paz com os deuses todos cá da freguesia), de rabiscar meu último discurso, de assobiar minha última canção aqui na varanda com o velho violão a tiracolo.


Já me dizia em tempos o Aristides, que em mim tudo foi precoce, tudo é precoce: o primeiro choro, as primeiras letras, o primeiro canudo, a primeira aliança, o primeiro adeus, e até o primeiro silêncio entre quatro paredes sós. No meio de duas gargalhadas, ficou o arrepio pela espinha. Será também precoce – chiça! – a partida e o tal desejo de fugir?


Talvez por isso, este relógio a martelar-me incessantemente o ombro esquerdo. Compreendes agora, minha amiga, esta pressa de amar os teus olhos caboverdeanamente verdes?


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Com este calor dos diabos aqui na cidade grande, o que eu queria agora era...

… como diria o vizinho Café Margoso – e bô?

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segunda-feira, 4 de agosto de 2008

sábado, 2 de agosto de 2008

Hoje apetece-me poesia...


Hoje, com este Sol de Sábado a lavar-me o rosto pela fresta da cortina, apetece-me poesia. Lambuzar-me todo de poesia, barbear-me em poesia, escovar os dentes com poesia enquanto me espreita o moço do outro lado do espelho com uma inexplicável alegria na retina dos olhos. Hoje – não há pilha de corpos esqueléticos em pós-agonia nem Deus nenhum que me impeçam! – vou embebedar-me de poesia…


Abro ao acaso A cabeça calva de Deus só para saber pelo Corsino que


“Mulher! Quando o céu da tua boca

Arrasta o corpo da terra

.................Até a goela da água longínqua

A febre conta no arco-íris

..............................Da carne que sangra

..................A montanha roída dos dentes…


E da cicatriz da mão

.................................brotam raízes

Que vicejam a memória dos séculos…”


Convence-me o Valentinous logo depois que também eu – sem o saber, caramba! - tenho o infinito trancado em casa. Segreda-me devagar ao ouvido (quase num sopro),


“Sabemos o que Deus no céu achou.

Não sabemos é do que na terra anda à procura”


Poesia, Velhinho, poesia. Ele por cá, anda à procura é de poesia, moço! Depois que Adão fez cagada lá no Paraíso e o soldado romano trespassou Seu filho com a lança, só a poesia é capaz de lhe curar a dor, digo-te.


Ah!, podem vir agora as deusas todas de navalha em punho para me dilacerarem a carne. Podem vir as hordas de bruxas e feiticeiras com suas poções, suas maçãs envenenadas! Podem vir!


“Eu estarei de mãos postas

à espera do tesouro que me venha na onda do mar,

E minha principal certeza

é o chão em que se amachucam os meus joelhos doloridos…”



("Ilha encalhada" - Foto de PD)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Para que nao volte a acontecer!

"Isso" aconteceu na Europa "civilizada", apenas sete decadas atras:


E "isso" foi obra de soldados da nacao mais "democratica" do mundo, ha quatro decadas:

Sem palavras!! Oh Casimiro?

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País de curto prazo (1)

Há dias, ao ouvir na rádio a intervenção de um deputado na Assembleia Nacional sobre a necessidade de uma estrada para o cutelo do seu eleitorado, quase fui às lágrimas outra vez, de tanta emoção. Digo, de tanta tristeza! Dizia ele mais ou menos por essas palavras, que a população do seu concelho já conhecia o asfalto, já sabia o que era o asfalto, e que por isso EXIGIA uma estrada moderna, uma estrada asfaltada!


Não pude deixar de pensar no conceito do “moderno” que está a invadir estas ilhas, influenciando a tomada de decisões que mais cedo ou mais tarde acabarão por afectar a todos nós: se não directamente como utentes, então como contribuintes, pois que como dizia o outro, “em economia não existem almoços grátis”…


Bolas!, às vezes penso que por cá, não obstante os alertas do Sr. Presidente e do Sr. Primeiro Ministro, ainda não nos demos conta da profunda transformação que o mundo está a atravessar ou em vias de encarar. Ainda não estamos suficientemente mentalizados que as bases desta “civilização do petróleo” em que vivemos estão a tremer até à medula. Ainda não assimilamos que a confluência de i) aumento acelerado da procura, puxado pelo crescimento das economias de uma mão cheia de “gigantes emergentes” (China, Índia, Brasil, Rússia…); ii) estimativas de redução drástica das reservas de petróleo num horizonte de 50 anos, conjugado com custos crescentes de produção; iii) corrida dos especuladores financeiros ao petróleo como alternativa de investimento – irão afectar cada vez mais o nosso estilo de vida e as fórmulas de tomada de decisões que temos vindo a adoptar até agora. Desde a camisinha aos transportes, desde o creme de barbear às sacolas de plástico, desde a electricidade aos t-shirts de tecido sintético, todos os derivados do petróleo – sim senhor, incluindo o asfalto betuminoso! – estarão sujeitos a crescentes pressões inflacionárias.


Mas parece que nós por cá continuamos a assobiar para o lado entre dois arrotos de cerveja com asinhas de frango grelhado, que isso é coisa dos gringos lá fora… Continuamos a bradar loas ao asfalto como sinónimo de modernidade, mesmo quando sabemos que o custo do metro quadrado de pavimento com asfalto betuminoso já ultrapassou o seu correspondente em calçada (precisamente por causa do aumento do preço do petróleo), e que as estradas asfaltadas requerem o recarregamento periódico da camada de asfalto, fazendo com que a sua manutenção seja muito mais cara - e complexa pois que exige empresas e equipamentos especializados.


E assim vamos “modernizando” estas ilhas. Já “modernizamos” as ruas do Plateau, um verdadeiro crime historico-paisagístico, “modernizamos” as ruas de Mindelo, enterrando sob o asfalto a poesia de que nos falava B.Léza, Frusoni, António Aurélio Gonçalves e os outros, estamos a “modernizar” a Praínha, e até vamos “modernizar” o belíssimo vale de Ribeira da Torre, em Santo Antão. Enquanto isso, de olhos postos na evolução do preço do petróleo, alguns países na Europa estão a arrancar o asfalto em algumas das suas cidades historicas com interesse turístico, substituindo por calçada artística, a Índia esta a pensar utilizar pavimentos de betão nas novas estradas em vez do asfalto, e nós – vejam só! – começamos a exportar pedras…


É caso para se dizer, somos mesmo um PAÍS DE CURTO PRAZO, ou nao?



("Abre o olho meu povo" - foto de Roberta Jardim)


terça-feira, 29 de julho de 2008

Uma não-crónica sobre a última caminhada

Desta vez não vou escrever nenhuma crónica, vou logo avisando. Bastam as imagens abaixo, belissimamente captadas pelo Hélder Paz.


Não direi nada sobre o verde que já desponta nas encostas da Serra, calo-me extasiado no meio da neblina onde nos transformamos em vultos caminhando trôpegos de verde e de Santiago, não vou sequer escrever uma palavra sobre Nhá Joana, a minha patrícia de Lajedos em Santo Antão que fui descobrir lá em Figueira das Naus, para onde trouxe-lhe o destino e um cretchêu badiu lá das roças de São Tomé nos anos 60 do século passado. Nunca mais pôs os pés na ilha – diz-me entre um abraço e um suspiro silencioso…


Também não vou falar da chuva miudinha quase à chegada do povoado, que nos refrescou a pele suada e a nossa caboverdeana ambição de boas às-águas. Nem tampouco da bela praia de Ribeira Prata para cuja água morna nos atiramos feito meninos perdidamente felizes entre a chuva que agora caía a píncaros e as gargalhadas. Sobre o pontche da Maria Antónia e a cachupa temperada com carne de porco, nem um pio.


Mas poderei falar sim senhor – se me ajudar “o engenho e a arte” - do batuque improvisado ali no bar da Vika, onde a moça prende nas ancas o panu di terra quadriculado de vozes ancestrais, que nos reconstrói a síntese e o espírito da caminhada. Ali desembocamos todos, mais as nossas matrizes e as nossas almas de Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Santiago, Fogo, Guiné-bissau, Portugal, Escócia e EUA, convergimos todos si-len-cio-sa-men-te para o batuque, o rodopiar de ancas corpo & nervos, a alma em transe e o olhar parado a fitar qualquer coisa indistinta para lá da orla desta ilha, para lá da linha do horizonte…


Hoje, caros leitores, não direi uma palavra. Bastam as imagens abaixo, do Helder Paz Monteiro, escritor de imagens e nosso colega de caminhada…






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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Telefonema

Hoje não queria ouvir este telefonema, mãe. Não desta forma, com a brutalidade que por vezes a notícia se reveste.


Pela segunda vez o tanque de Boca de Fundo cobra o seu tributo. Duas vezes, o mesmo grito, quase à mesma hora, caramba! Nesta Segunda-feira, mãe, com este sol de Julho a entrar-me varanda adentro na capital, eram outras as palavras que eu queria ouvir…


Descanse em paz, Menél de Berrnalda. Fica-nos, todavia, o teu sorriso tímido como um verso inacabado, em todas as esquinas de Fajã e Chã de Henrique…

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domingo, 27 de julho de 2008

Notas avulsas

1.

Queria a minha mente apenas dois minutos e trinta segundos de paz nesta tarde de Julho. Fugir de ti desarvorado como se das pragas que sobre o Egipto se abateram entre duas gargalhadas de Deus Nossenhor. Fugir, fugir, fugir, e quando me alcançasse o tédio – ou a desesperança, talvezrecostar meu ombro esquerdo no chão empoeirado de uma rua qualquer da cidade e ficar ali quieto como um poeta em lá menor, vendo o mundo a desfilar-se horizontalmente no lado de lá da tal ponte.


2.

Obriguei-me a ver o basalto negro da estrada entre Ribeira Prata e a capital nesta tarde de domingo. Segurei a fronte com as duas mãos em concha para que pudesse perceber a chuvinha miúda que caía no outro lado do pára-brisas. Cerrei depois as pálpebras para que me invadissem os acordes da música na rádio do carro. Pude até ouvir a voz e a relíquia. Ku furmiga ku tudo gosta. Ku furmiga ku tudo gosta


3.

Mas a minha mente estava em ti. Inexoravelmente. Melhor: tu estavas em mim. Nos meus nervos dormentes sob a pele molhada ainda de chuva & sal. Na ponta de meus dedos a tamborilar qualquer coisa no recosto da cadeira em frente onde adormece o Hermano. No descerrar lento dos meus olhos que te procuram para lá do nevoeiro que nos nega a vista sobre o planalto de Achada Lém. Até no besame / besame mucho / como se fuera esta noche la ultima vez que comecei a assobiar baixinho para espantar a angústia de te saber distante.


4.

Estavas em mim. Todavia, distante como a palavra que nunca veio…



(Foto daqui)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Convite: caminhada de Julho


Agora que a "chuva amiga ja falou mantenha", nada como uma caminhada pelos cutelos e achadas de Santiago para beber do verde & da vista. O relax e as gargalhadas sao por conta do grupo...rs.

A caminhada deste mes dos "Caminheiros Sem Fronteira" sera no proximo domingo dia 27, entre Serra Malagueta, Curral de Asno, Figueira das Naus, e Ribeira da Barca. Aproximadamente 3hs. A partida da Praia sera as 06h30mn, com concentracao no PV da Shell de Cha de Areia.

Estao todos desafiados, erh, quer dizer, convidados...rs. Quem quiser participar, basta enviar-me um e-mail (paulinodias21@yahoo.com) ate as 12h00 de Sexta-feira 25/07 (por causa da organizacao logistica).


Abracos,

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Eu ja fui piloto na Segunda Guerra Mundial...

Igualzinho... eh eh eh.

Vejam a historia aqui. A Carla tambem ja tinha esgrovetod este assunto. Depois dessa, vou dar uma olhada na minha arvore genealogica a ver se nao terei algumas costelas la pras bandas de Sao Nicolau, caramba!

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terça-feira, 22 de julho de 2008

Um post de má-criação

Hoje, assim sem mais nem menos, dá-me ganas de rasgar o poema e a memória. Atirar aos porcos todas as consoantes desta madrugada insone, desfazer em mil pedaços o verso e o acorde que me apoquentam o sonho. Dá-me ganas de mandar à merda esta monotonia toda, este não-ser que me encosta à parede do quarto manchado com o sangue da meia dúzia de mosquitos que aqui vieram se suicidar – outra vez, porra! – entre a tinta branca e a palma da minha mão direita.


Faz um calor dos diabos aqui dentro. Não adianta acelerar o ventilador, escancarar as janelas e o sopro, há sempre este bafo que me esmaga entre o lençol e as gotas de suor que me percorrem a pele. Um outro mosquito passeia o zum-zum na borda do meu ouvido esquerdo. Que no direito, caraças!, tenho o Brother in arms a acariciar minhas memórias de rebelde-sem-causa a partir do radiinho de pilhas made in China. (…) There’s so many different worlds / so many different suns / and we have just one world / but we live in different one’s…


Yá, meu caro Knopfler, vivemos em mundos diferentes, brother. Não devia ser assim – ponho-me a matutar nesta madrugada de mosquitos, calor, insónia e nervos em rebuliço – não devia ser assim…


E agora que "o Sol está a descer para o inferno e a Lua está cada vez mais alta no firmamento", abro o computador e escrevo – impotente, enquanto o relógio marca o compasso do tempo – mais um poeminha de merda!


Tcham ba durmi que ja ta tarde... Porquê eu – chiça! – não consigo ter um tintinho assim de fé, ahn???


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(Foto de Armando Cardoso)

segunda-feira, 21 de julho de 2008

150 anos da Praia: Crónicas da cidade 4


Podem,

sim senhor!,

a morte e a sandália made in China partilhar o mesmo tecto

nem que seja na esquina da outra rua.


Ora bolas!, que mal há nisso?!


Afinal,

dá sempre jeito um pouco de glamour

quando se entra no Reino dos Céus…



("Partilha" - foto de PD)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

"Afronamim" do Hernani: em jeito de desculpas

Alô, Dulcineia,


Com um indisfarçável rubor nas faces, devo confessar-te que tens razão. Não estive na apresentação do CD do Hernâni aqui na Praia…


Poderia te dar mil e uma razões: o trabalho, os afazeres, o cansaço depois de um dia cheio de pequenas azáfamas, o sono que me prendeu à porra da cama entre uma notícia e outra do telejornal, e até o béééééé inquilino do 3º andar do meu prédio que não me deixa dormir direito e que me obriga a ficar com o relógio biologico todo escangalhado.


Mas assumo apenas que de certeza perdi um grande espectáculo. Resta-me correr amanhã logo cedo à loja de CDs no Plateau para comprar o meu Afronamim, fechar os olhos na varanda à tardinha com um gruguim de Sintanton na mão direita, os pés estendidos preguiçosamente, e deixar que os acordes do Hernâni & Companhia acariciem esta minha pele ao de leve…


Sem a tua permissão, publico aqui o comentário que me deixaste sobre a noite mágica.

Um abraço,

……………….

“ Bom dia Paulino,
Procurei-te pelos rostos de ontem, mas não te vi.
No meio daquela multidão, tal como apaixonada adolescente procurei-te.
Não creditei que não estivesses presente…
Pensava eu, “quem vai descrever amanhã a noite de hoje?”. Ai se o Paulino estivesse aqui, com certeza amanhã ao abrir um desses inúmeros sites de consulta obrigatória, encontraria algo publicado por ti, sobre o assunto. Rever-me-ia nas tuas palavras e poderia re-assistir o show do Hernâni de ontem.
Ele merece uma crónica, mas uma crónica escrita com amor.
Era ver os rostos maravilhados, os homens que normalmente se embriagam com as curvas das mulheres cabo-verdianas, e se deixam encantar pelo seu doce perfume, ali atónicos, parvos, despudorados apaixonados pelos sons que saíam das mãos dos quatro.
Sim, o Hernâni não poderia estar só, não é da sua natureza… estava acompanhado e muito bem acompanhado, dedos mágicos…
Paulino, perdeste o momento em que as conversas se calavam, seguidos de gritos/uivos de prazer… em que amigos se entreolhavam e continuavam balançando o corpo, pés, mãos ao ritmo daquele manjar musical, sem nada dizer…
Só eles reinaram ontem…
Paulino, se me disseres que lá estiveste… não me assustará, poucos poderão dizer quem esteve ontem no lançamento do Afronamim
O som ofuscou nossos olhos, calou nossas línguas, removeu nossos sentidos…saí encantada, estou assim, recuperando-me!
Obrigada Hernâni.”

..............

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Debate interessante e pertinente

O post sobre "A cultura, (...)" esta a gerar um debate interessantissimo entre um Anonimo e o Tide do Pedra Bika sobre a Economia da Cultura e outros pontos. Confiram nos coments.

E voce, o que pensa disso?

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Béééééé!

Acreditem-me, há um cabrito no meu prédio. Algures entre o 3º e o 4º andar, em pleno coração de Palmarejo… Béééééé!


O berro entrou-me assim quarto adentro hoje logo de manhãzinha por volta das 06h05, um pouquinho depois de o despertador acordar-me para o meu banho no Quebra Canela. Bééééééé. Entre a modorra do sono ainda, primeiro imaginei estar lá no planalto de Fajã Domingas Bentas em Santo Antão. Mas não, dei por mim a pensar, faz duas semanas que regressei da ilha e além do mais meu velho deixou de criar cabras diazá. Se calhar é o rádio que deixei ligado em cima da mesinha de cabeceira e devem ser os moços do Backstreet Boys a berrarem com os olhinhos melados de ternura olha o bódeeeeeeee, bééééééééé! Também não, não são os Backstreet Boys. A realidade veio entrando assim crã: é deveras um cabrito. Justo aqui no prédio, caramba…


Bééééééé! Béééééé!


quarta-feira, 9 de julho de 2008

A cultura, os loirinhos de olhos azuis, e nós...

Ao ler esta afirmação do Sr. Primeiro Ministro (que sublinho inteiramente), não pude deixar de ir cavar no meu cacifo de “documentos-pendentes-para-tratamento-posterior”, este bilhete de entrada nos monumentos da Cidade Velha – sem dúvida um dos marcos mais relevantes que moldaram a nossa Cultura e Identidade e que todos os caboverdeanos, sem excepção, deviam ter o direito (e o prazer, bolas!) de conhecer. 500 paus paguei por este bilhete há algumas semanas atrás, Sr. Primeiro Ministro…

Claro está, veio logo esta minha mente perversa de economista com as suas continhas, para perturbar-me o que devia ser a magia do momento e a poesia. Com uma elevada percentagem da população do país considerada “pobre”, quantas famílias podem, neste momento, “dar-se ao luxo” de gastar 500$00 por pessoa para desfrutar de umas horas entre os monumentos da Cidade Velha? E se a família tiver, digamos, quatro membros? Parafraseando o meu amigo João Branco, à melhor resposta ofereço um café e uma banana “Prestige”!


Sou um defensor da economia da cultura, Sr. Primeiro Ministro. Que a cultura também pode (e deve!) ser utilizada como factor de desenvolvimento – material, social, mas sobretudo pessoal e intelectual. Mas, na minha modesta opinião, não é transformando a cultura em produto de luxo que vamos poder atingir este desiderato, pois que corremos o risco de promover a dissociação entre o povo e a “sua” cultura, transformando-a apenas em algo artificial e sem “alma”, ou produto mercantil “para os outros” (isto é, meramente para os turistas loirinhos de olhos azuis com as suas câmeras Cannon a tiracolo - ou para os que podem pagar).


E eu que vivia exortando os meus alunos a visitarem os nossos lugares históricos e de relevância cultural como parte da sua formacao como gestores…


Já agora – e porque cidadania não é apenas criticar mas também participar na busca de soluções – permita-me sugerir que se adopte o que já vem sendo feito noutras latitudes: os cidadãos nacionais passarem a ter direito ao acesso gratuito aos seus monumentos históricos. Assim, quem sabe não retome um velho hábito meu de sentar à tardinha num dos extremos da Fortaleza da Cidade Velha ta oiá Sol ta cambá trás de vulcão de Djar Fogo

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Um poeminha antigo...



23:46

Beijos dados
mãos dadas
sexos dados
desacordados


cartas ao vento
relíquias do tempo
entendo
teu gemido erótico
no quarto penumbrento da periferia


o telefone mudo
imundo
o silêncio no outro lado
mundo
triste
vozes em riste
acusando
meu polegar de milho estendido
gatilho entre os dedos
medos intermináveis
cataclismos
pesadelos
sonhos inacabados


pum!


Na mesinha de cabeceira
o despertador marca 23:46

Acendi a luz
e rabisquei mais um poeminha de merda


Paulino Dias


(Foto: "Praia Azul" - de Nana Sousa Dias)


segunda-feira, 30 de junho de 2008

Uma caminhada. Um gesto.

Foi deliciosa esta caminhada de Junho, caramba! Primeiro, o próprio tempo meio encoberto, que noutras ocasiões diria que triste, mas que neste domingo percebi como que nos protegendo do Sol abrasador doutras latitudes. Depois o trajecto de hiace até Mato Baxu, mais as gargalhadas da São e da Raquel e as relíquias musicais do Tchico no toca-fitas do carro, que nos transportava para a memória de outros tempos.


E a caminhada propriamente dita… O belo vale de Tabugal que se recorta a nossos pés centenas de metros depois do povoado, a pequena descida até o fundo, e a surpresa no meio da terra acastanhada que nos cercava: verde. Verde, verde, verde! Água a escorrer de despenhadeiros que me sabem à outra ilha, plantações de inhame, agriões a perder de vista, mangueiras, canaviais, tanques de água – onde minha alma de menino da ilha não resistiu, obrigando-me a atirar o corpo para o meio da água tépida -, e mais água, e mais inhames, e mais verde, e mangas maduras, e água de coco, e mais bocas aberto de espanto e muda contemplação, e mais poesia, e mais ilha. Ilha de Santiago. Ilhaaaaaa!


Mas sobretudo o gesto, mais adiante. A solidariedade demonstrada pelos membros do grupo, na escola de Charco, quando entregamos às dezenas de crianças humildes os materiais escolares que recolhêramos para lhes oferecer. A magia do momento de dar um pouco de nós. Nestes tempos de individualismos exacerbados e egos que quase explodem sob a luz dos holofotes, crescemos sim senhor como seres humanos, sempre que damos um pouco de nós sem esperar nada em troca. Ali no silêncio do povoado – quebrado apenas pelas vozes infantis entoando-nos “Óh maleão maleão” e “Canta irmão, canta meeeeeu irmão!” – crescemos um pouco neste último domingo, alimentamo-nos de vidas outras que não a nossa pacata rotina de casa-trabalho-cometa-casa, lambuzamo-nos de estórias crãs que nos devolvem irremediavelmente à nossa condição de peças de um conjunto muito maior que a ponta do nosso umbigo, deglutimos silenciosamente a humildade – e a esperança, porra! – que aqueles olhares nos impunham, lá do chão onde se sentaram para nos ouvir as palavras. Ao menos nesse dia, felizmente, não foram apenas palavras o que receberam aqueles putos de Charco…


Deixo-vos com as fotos. Pena que a porcaria da máquina tenha esgotado a memoria sem que eu pudesse captar todos os momentos. Vou esperar pelas outras fotos do Helder Paz para partilhar convosco. O momento, o gesto, e o sentir. Inté.



(Fotos de PD)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Caminhada de Junho: mês das CRIANÇAS

Este mês, também teremos caminhada pela ilha de Santiago. Será no próximo domingo, dia 29, com partida a partir do largo do Centro 1º de Maio na Praia às 06h30mn. Desta vez o percurso será MATU BAXU - RIBEIRA DE TABUGAL - CHARCO/JOÃO GAGO - RIBEIRA DA BARCA. Aproximadamente 3h30mn de muita diversão, gargalhadas e "descobertas".

Porque este mês é o mês das crianças, e porque um dos objectivos do grupo dos "Caminheiros" (além do divertir-se ao mesmo tempo que se exercita, se conversa e se explora a ilha), é precisamente reforçar a consciência social e ambiental dos participantes, decidimos organizar um convívio com as crianças da escola de Charco, uma comunidade com várias carências e que vive sobretudo da agricultura e da apanha da areia.

Durante o convívio serão entregues vários materias escolares, livros, t-shirts, etc., recolhidos entre os participantes. Vamos aproveitar igualmente para organizar uma actividade de sensibilização ambiental, sobre a problemática de apanha de areia nas praias.

Este domingo vai ser "rei di fixe"!!!!! Prometemos trazer fotos para a malta, ok? Quem quiser participar, ainda vai a tempo. Basta enviar-me um e-mail (paulinodias21@yahoo.com), o mais tardar até às 12h00 de Sexta-feira 27/06.

sábado, 14 de junho de 2008

País feliz....

De acordo com o ranking deste site, Cabo Verde é o 46º país mais feliz do mundo, atrás de países como a Colómbia (2º), o Vietnam (12º), Filipinas (17º), e China (31º). Mas estamos à frente da Argentina (47º), Ilhas Maurícias (55º), Áustria (61º) e Suíça (65º). Ah!, e dos Estados Unidos (150º). Na Africa somos o terceiro pais mais feliz, atras apenas de Sao Tome e de Marrocos. Segundo este ranking, o país mais feliz do mundo é Vanuatu.


O “Índice de Felicidade” referido pelo site reflecte a média de anos felizes produzida por uma sociedade, nação ou grupo de nações, por unidade de recursos planetários consumidos. Isto é, representa o grau de eficiência com que os países convertem os recursos finitos do planeta em bem estar para os seus cidadãos.


Vá-se lá entender estes rankings… Mas isso dá que pensar, não dá?


Aposto que os políticos cá do burgo já já vão incorporar isso nos seus discursos, eh eh eh…



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quinta-feira, 12 de junho de 2008

Cidadania é sobretudo ACÇÃO!

Pessoal,

Já está a circular a petição online sobre a medida de suspensão das alunas grávidas das escolas, em reacção ao caso da aluna Ana Rodrigues, do Paúl - Santo Antão - denunciado pela Eury neste post.

Porque SER CIDADÃO deve ser sobretudo AGIR, porque não podemos assobiar para o lado perante uma situação que poderá determinar o rumo da vida da Ana Rodrigues, mas acima de tudo, porque pensamos ser o correcto a fazer, convidámo-los a assinar a petição. Clique aqui.

E aos colegas bloguistas, exorto a fazerem o máximo eco possível desta acção. Vamos nessa onda, malta?

Um abraço cidadão,

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Outras frentes!

Pronto! Passou o momento triste. Porque é preciso, porque há outras frentes, outras lágrimas e outros dramas para combater, outros momentos por que lutar. E estes, diga-se de passagem, ainda mais urgentes porque encerram escolhas entre a vida e a vida: a vida em potência e a vida que se oferece. Como o grito de alerta que nos vem deste post da Eury.

O problema contudo ultrapassa as delimitações deste caso isolado, Eury. Embora este, pela urgência com que se coloca, deve merecer de todos nós uma acção concreta e imediata para que a aluna em referência não veja o sonho a escoar-lhe entre os dedos, a dias apenas da conclusão do ano lectivo. Já lhe basta o drama de uma gravidez precoce, o "fardo" de uma criança não planeada que lhe pesa o ventre também criança ainda...

O problema é mais profundo, minha amiga. Tem a ver com a (re)avaliação da legalidade e da "humanidade" da medida de afastamento das alunas grávidas das escolas, tem a ver com a desconstrução das famílias e dos seus valores que vimos assistindo diariamente, tem a ver com um certo "lavar de mãos" dos pais no que diz respeito à educação sexual dos filhos (sim senhor, isso não é assunto apenas do Ministério da Educação ou das Delegacias de Saúde!), tem a ver com a passividade de todos nós que tranquilamente vamos assistindo a esses "pequenos" dramas e assobiamos para o lado com a consciência limpa de quem pagou já os seus impostos.

Mas por ora, vamos à acção, Eury. Se pudermos reverter a situação desta miúda - apenas esta, por enquanto - já terá valido a pena o alerta. Juntemos todos as mãos, pois!

sábado, 7 de junho de 2008

Um bilhete entristecido

Passaram-se já tantos anos… E no entanto vem a palavra molhar-me esta manhã de sábado em meu rosto, feito um bilhete entristecido na página 15 do jornal. Mesmo quando sobre o momento preciso do telegrama paira já o desbotar do tempo e o sorriso se fez crosta na velha foto a preto e branco que trago comigo ainda.


Não importa que sejam outros os nomes e os rostos no anúncio da missa do sétimo dia. Não importa que sejam outros os ídolos: será sempre tu. Sempre. Sempre. Sempre! Será sempre o jeito peculiar de sorrir, a maneira certa de olhar, e a saudade.


Tenho imensas saudades tuas, mana…


("Foot print in the sands" - foto de Maria Avelino)


terça-feira, 3 de junho de 2008

Um post adiado: a estrada de Ribeira da Torre, o asfalto e eu.

Exmo. Sr.
Ministro da Infra-estrutura, Transportes e Mar
Eng. Manuel Inocêncio.

Há mais ou menos coisa de dois anos, escrevia-lhe uma “cartinha”, creio que na Revista A Semana, já não me lembro bem, sobre a precisão que uma estrada como deve ser fazia (e faz ainda) ao meu querido Vale de Ribeira da Torre, lá em Santo Antão. Dvéra dvéra, Sr. Ministro, sai ano entra ano, sai às-secas entra às-águas, e lá ficam as minhas gentes entre a felicidade rural das chuvas de Setembro e o credo-na-boca pela estradinha de terra que mal chega uns borrifos vindo de Rabo Curto vai logo desarvorando-se a caminho do mar de Tarrafal, numa pressa de não sei que diga, Sr. Ministro! E por dias a fio, é um tal de saltar de pedra em pedra naquela ribeira, é um tal de defender-se de poças de água que um cristão já nem pode ir de um lugar a outro do Vale na boquinha da noite para ver uma piquena sem correr o risco de um tchluf de estragar calça de óngri, caramba! Isto sem contar com o azar de um vivente que resolve bater a caçuleta bem no meio desses dias-sem-estrada… Já imaginou um enterro no meio de cascalho e água, Sr. Ministro?


De modo que pode imaginar a minha imensa alegria naquela manhã de Domingo ali em Quebra Canela, quando o Dias me diz que já estava garantido o financiamento para aquela estrada, Sr. Ministro. De tão emocionado que fiquei, pus-me logo ali a telefonar feito um maluco à malta de Fajã Domingas Bentas para dar a boa nova, o Pina (que ainda encontrei deitado), o Zim de Yaiá, o meu irmão Naiss… Fiquei doido de felicidade, Sr. Ministro: finalmente o meu velho Junzim de Pólina vai poder andar em uma estrada de jeito naquela ribeira antes de morrer, um desejo que ele me manifestara numa das minhas rápidas viagens à ilha.


Este lero todo, Sr. Ministro, é no entanto apenas um preâmbulo para desabafar consigo uma angústia que me vai na alma há já algum tempo, desde que ouvi uns rumores – e o Dias confirmou-me – de que a estrada todinha vai ser feita com asfalto. Meu irmão, que me deu a notícia pelo telefone, quase não aguentava de felicidade, e dizia-me em catadupa ainda sem perceber o meu silêncio de espanto, que finalmente nós também vamos ter uma estrada moderna elegante e bonita que nem aquês de tchon d’Holanda, moço!, ou como aquela bonitona que vai da Praia à Assomada que nós vemos aqui na televisão. Asfalto? Cortei-lhe a monólogo indelicadamente. Asfalto, dizes-me tu? Até Xoxô?! Sim, moço, até Xoxô…


Exigências legais, diz-me o Dias quando lhe telefono para confirmar a notícia. Estradas nacionais acima de 3kms devem ser feitas de asfalto. Projectei-me então mentalmente para um futuro não muito longínquo quando a estrada for inaugurada, pousei meu corpo justo ali naquela curva em Marrador debaixo da casa do Armindo de Nóna, só para “sentir” – mais do que ver – o quadro que então se desenhava. E vi, Sr. Ministro. A cobra negra de asfalto a penetrar – como uma violação sexual - a passagem do Canto junto ao pé de borracha onde diz a lenda que as bruxas da ilha se encontram nas noites de Lua minguante. O negro do asfalto + o verde que teimam em não combinar mesmo quando tento forçar um quadro feito arte-moderna. A negritude do asfalto manchando uma das paisagens mais belas – senão a mais bela – de todas essas ilhas, Sr. Ministro: a bacia de Xoxô.

Eu não concordo com a solução asfalto, pelo menos para toda a estrada, Sr. Ministro. Falo por mim, naturalmente, e apenas enquanto cidadão nascido e criado naquelas bocanas. Sou contra o asfalto em toda a estrada, pelo seu impacto na beleza paisagística que caracteriza o Vale como um dos mais emblemáticos de Cabo Verde, sou contra, por a longo prazo poder reduzir a competitividade do Vale na atracção de um tipo específico de turismo assente na preservação ambiental e na diversidade paisagística, sou contra porque acredito que existem outras alternativas. E, digo desde já, não me convencem os argumentos de falta de pedra ou de calceteiros para uma obra daquela dimensão: não fosse o vale o que é em termos de stock de pedras, não tivesse o povo daquela ilha construído verdadeiras obras-primas em forma de estrada – só com pedra de calçada – como sejam as estradas Porto Novo / Ribeira Grande, Ribeira Grande / Paúl, Ribeira Grande / Ponta do Sol, etc.


Não sou técnico na matéria de construção de estradas, Sr. Ministro. Falo, por isso, como um simples cidadão de Ribeira da Torre, como um amante das coisas belas da vida, e, se quiser, como um projecto de poeta, que tantas vezes se inspirou sob a sombra das mangueiras no viradouro ali em Xoxô entre dois dedos de conversa com Nhô Djô d’Afonso que-Deus-tenha.

Acredito que existem outras soluções, Sr. Ministro. Uma, a mais radical e corajosa, seria construir a estrada integralmente de pedra de calçada, desde a Povoação até Xoxô. Que se refaçam as leis, pois. Outra, digamos uma solução mista para contornar o impedimento legal, seria levar a estrada com asfalto até Boca da Ribeira de Patinhas, e após a passagem para o outro lado de Biquim, utilizar a pedra de calçada até o final na Bacia de Xoxô. Esta solução, além de preservar o delicado equilíbrio paisagístico no Canto e em Xoxô, poderia ser utilizada criativamente para resgatar e divulgar a “velha” arte dos famosos calceteiros da ilha, através de equipas mistas compostas por artesãos mais experientes e por jovens que, a partir dali poderiam formar micro e pequenas empresas de aplicação artística da pedra – promovendo uma técnica de construção coerente com a estratégia de ecoturismo que se pretende para Santo Antão.

Por isso, Sr. Ministro, perdoa-me o atrevimento de lhe pedir que pense um pouquinho no assunto outra vez. Enquanto é tempo e enquanto as gerações futuras não esfregam no rosto das nossas lápides a factura de uma infra-estruturação não-sustentável. Não mate em mim – com o negro do asfalto - esta alegria de saber estrada nas curvas de Ribeira da Torre, Sr. Ministro...

Cidade da Praia, sobre uma fotografia verde de Xoxô, 02/06/08

terça-feira, 27 de maio de 2008

Caminhada de Maio: um post para a Eury

Neste último domingo, voltamos a caminhar, Eury. Desta vez, um percurso de três horas, na costa entre a “tua” Veneza de Calheta e a (ex!) praia de Porto Coqueiro em Santa Cruz. Três horas de poesia, olhares & odor a mar no lado esquerdo das nossas ilhargas…

Primeiro a urbe “à beira-mar plantada”, o teu Boca Porto que nos espera logo de manhãzinha antes de o Sol lamber-nos a fronte nas ruas de Calheta. O mar ali ao lado, a espuma do mar que nos tenta acariciar os pés no cascalho outrora praia, os recortes da costa, Eury. Pedaços de rochas negras esculpidas pelas ondas na ourela do mar, como que sentinelas dos nossos sonhos de evasão. As mesmas rochas sobranceiras ao pequeno precipício, onde o tal homem e a sua vara de pesca atiram aos peixes sua ambição de garoupa cozida ku malagueta e mandioca de Ribeira Principal. Há, contudo, como nota destoante, a ex-praia negra esventrada até à exaustão com baldes clandestinos de areia para a construção do mundo novo, neste conflito quotidiano entre a panela e a cratera…

Por fim a água tépida no mar de Porto Coqueiro que nos lava a alma, o cansaço, e os pés meio doloridos. O churrasco, a cerveja gelada, o bom humor, as gargalhadas do Zé Pedro e da Rosalina, o sono que nos envolve suavemente no hiace até a Praia. Delicioso, Eury, delicioso! Fique com as fotos – pá bô podê matá sodáde lá na terra longi.


(Fotos de PD)


terça-feira, 20 de maio de 2008

Momento


Entre o azul e o branco, há o olhar. E o sorriso. O cordão que enfeita no peito-menina da Keila o coração de terra batida e páia tinguinha. E por detrás, a casa inacabada onde os blocos acenam ao mundo a metafísica dos discursos. Dá-me ganas de bradar contraste. E, no entanto, fico em silêncio, amarro-me ao poema inútil que agora escrevo à meia dúzia dos meus leitores.


Ecoa-me ainda pelos tímpanos a canção e o hino daquela tarde em Junho. Era Junho, lembro-me bem. “Canta, irmão, canta meu irmão!”. E na curvatura do vale, por momentos a liberdade foi hino e o homem a certeza nas encostas de Coculi, Boca de Coruja e Boca de Ambas as Ribeiras. As vozes infantis bradando às vozes de barba e cabelos crespos, falta de chuva e contas por pagar, para que com dignidade enterrem a semente no pó da ilha nua. “Canta, irmão, canta meeeeeeeu irmão!”.



("Essencia" - foto de Paulino Dias)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Um post curto no dia dos Direitos Humanos

"Se você estiver fazendo planos para um ano, plante arroz...
Programando para uma década, plante árvores...
Projectando para uma vida inteira, eduque uma pessoa."

Provérbio Chinês




(Obrigado ao meu amigo Zé Gomes, que me deu este provérbio a conhecer...)

terça-feira, 13 de maio de 2008

150 anos da Praia: Crónicas da cidade 3

E porque também tu és cidade – alma, riso, olhar, cabelos crespos -, escrevo-te, minha amiga Dadá. Sem o melado dos discursos que nesses dias me entopem os ouvidos nos altifalantes de campanha nas esquinas de todas as ruas. Sem que o calendário marque necessariamente o Dia das Mães, o Natal, ou sequer a data do teu aniversário (que, confesso, nem sei…). Basta-me as tuas rugas, Dadá. As tuas rugas, o tempo, o abraço badiu que me cerca as costelas e o poema inesperado.

És cidade, minha piquena Dadá. Mesmo que hoje ela não seja mais que uma ténue lembrança no horizonte que contemplas da tua casa em Agua Gato, São Domingos, és cidade, minha amiga. A cidade outrora calcorreada, com sacos, balaios, aventais – sacos de fijom, balaios de milho verde, aventais de poemas e do batuque em rebuliço no teu ventre. A cidade que te levou àquela festa na Cidade Velha em que bô pilá funaná ti manche, a cidade que teus olhos abarcavam para lá de Rubom Chiqueiro entre o peso do balaio e os raios de Sol que despontavam já no horizonte.


A cidade, minha amiga Dadá… A tua cidade, o teu ilhéu, as tuas ruas seculares onde respiram ainda as naus de achamento, o teu Platô com o mercado a tiracolo onde deixavas a verdura e pedaços da tua juventude.


Hoje, minha amiga Dadá, trago-te a cidade num abraço longe, e nos versos de um poema…

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(“Dadá de Agua Gato” – foto de Paulino Dias)

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A vingança 2 (conto)

Continuação deste conto

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Bastava um telefonema, Sr. Juiz. Um único telefonema, uma frase de desencanto e pronto. Estaria tudo terminado: a expectativa, o sonho, as noites em claro à espera de ouvir o tal chamado que nunca veio, o mundo maravilhoso que quis seguir quando deixei as ladeiras da minha ilha. Precisava apenas um telefonema para soltar as amarras que a ele me prendiam para que pudesse – depois da queda – seguir o meu caminho. Um telefonema, a verdade e o desengano, Sr. Juíz.


Mas não! Preferiu o silêncio vil, a covardia mesquinha, o impudico esquecimento. Preferiu a minha eterna raiva a uma tristeza que em si seria passageira, depois da lágrima que se soltaria naturalmente após o baque. Preferiu a minha morte lenta – dolorosa! – entre o escoar do tempo nos ponteiros do relógio e o calcorrear as ruas de Sóncent com a tina de cavala fresca na cabeça. Oli caváááááááálaaa! Caváááála frêêêsc! Angústia do telefone ali mudo em cima do parco mobiliário nas tardes em que voltava da labuta. Oli melôôôôn! Melôôôn frisquiiiiim! E o silêncio. Insónia. A lágrima solitária primeiro, a raiva depois. A raiva que vai se alastrando inexoravelmente pelas artérias. Quem crê bediooon? Oli bedioooon!


A raiva, Sr. Juíz. A raiva. O Senhor sabe o que é isso, Sr. Juíz? Hoje ‘m tem sô arenque, nhá Bia, ocê ta comprá um kilim? Sabe sim senhor, todo mundo sabe. Todo mundo já sentiu raiva alguma vez na vida. É uma coisa assim que nos invade, ora lentamente, ora de rompante que nem temos tempo de gemer um ai e o monstro ali já está, alojado entre o nó na garganta que nos impede a fala, e os nervos tensos como que a preparar o bote. O desejo de ferir. A ambição da humilhar. A gana de matar. Matar, Sr. Juíz. Ó Djosa, bsôt pescá algum cosa hoje pam podê bá vendê na Monte Sossego? A raiva é uma coisa fudida, Sr. Juíz. Olha o respeito, menina!, está num tribunal! A raiva…


Mas nunca pensei em matar este fulano, juro! Não o seu corpo, a sua mente, o seu nome, a sua raça. A minha raiva era mais subtil, Sr. Juíz. Mais fria e calculista. Concentrada. A minha raiva – não sei porque cargas d’água – dirigia-se sobretudo contra o seu pirilau. Isso mesmo, Sr. Juíz, o estupor do pirilau. Que me fez cair na tentação ali no quintal de bananeira de Nhá Mari Gregória depois das promessas de visto pá Holanda. Que me levara os três vinténs, a vergonha, e o amor sincero e puro de Piduca de Nhô Ntunzim. Que me jogara nestas ruas da outra ilha com uma tina de peixe na cabeça depois do silêncio doloroso do telefone na mesinha da cabeceira, por meses a fio. Que acalentou depois minhas noites de olhos grilidos em espera, à mistura com desejos insanos de vingança!


Oli cavááááááála! Cavááála frêêêsc! E soube então – por um acaso, Sr. Juíz! - que ele estaria de regresso a Cabo Verde na semana seguinte, junto com a mulher e os filhos, para o Festival da Baía das Gatas. Ainda por cima com a mulher e os filhos! E ele nunca me dissera nada, o estupor. Nunca soube que ele era casado, com família constituído la ná tchon d’Holanda onde prometera me levar só para me roubar os três vinténs…


O que o Senhor queria que eu fizesse, Sr. Juíz? Depois do silêncio do telefone, depois das noites de insónia, depois da angústia, depois da solidão, depois da raiva, o que o Sr. queria que eu fizesse com o seu pirilau, ahn, Sr. Juíz?


quinta-feira, 1 de maio de 2008

Dia do Trabalhador: um post sem palavras

Dêem-me palavras! Dêem-me palavras para estas rugas e este olhar. Palavras, porra!


(“Nhá Mari Ricarda lá de Fajã Domingas Bentas” – foto de Paulino Dias)

terça-feira, 22 de abril de 2008

150 anos da Praia: crónicas da cidade 2


Sábado de manhã de um Fevereiro quase como os outros aqui na cidade grande. Acordo com uma fresta de sol que me rasga a cortina do quarto e lembro-me de repente do compromisso com o Olavo e o Paulão: ir comprar peixe fresco ali no cais de pesca. Na rádio do carro tocam porton di nôs ilha enquanto rodamos pela marginal. Impõe-se o silêncio, para a poesia do momento. O cheiro é de mar. E ferro velho ao dobrar a curva da Praia Negra. Quando o mundo novo surgi...

Há barafunda sobre o betão do atracadouro. Há cheiro intenso de peixe fresco. Escamas e visceras. Há gritos e rebuliços nesta manhã de Sábado sobre o porto. O colorido das tinas, o quadriculado dos panos de terra ao redor da cintura, a boca escancarada do chicharro como que a exalar ainda o seu último suspiro. Os barcos de pesca balouçam suavemente no dorso do oceano minha memória de bote, bróce & linha...

Mocinhos, nhôs cumpra atum! Ali garoupa!!! O moço dobra seu tronco sobre o atum para a divisão por tres em troca de 200 merés. A faca afiada desliza ágil sobre a carne e num gesto rápido como um ditongo solta-lhe as guelras e as barbatanas. Os pedaços são cortados com uma precisão cirúrgica, de quem conhece o ofício.

Não, não trabalho aqui - afirma-nos o moço. Sou segurança, moro ali em Lém Ferreira. Mas venho aqui todos os Sábados antes de ir ao trabalho pa cata um kusa, às vezes antes das nove já tenho feito até dois contos. Nhôs ka ta atcha ma ´n stá drêtu? Si tudo kusa agora ê PDM nû tem qui ser PDM tambê na cabeça, ou não?? Fogem-me as palavras e entre nós volta a cair um silêncio de espanto. Depois de tantos discursos sobre o assunto, este, sem dúvida, a melhor abordagem de PDM que já ouvira. No cais de pesca num Sábado de manhã.

Fico ali com o olhar perdido entre as mãos grossas do moço, a multidão ao redor, as tinas de peixe fresco e o edifício da Assembléia que se recorta lá longe no outro lado da baía, num cenário quase surrealista...

Nhôs ka ta atcha ma ´n stá drêtu?


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("Praia" - Foto de PD)