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sábado, 11 de junho de 2011

Notas soltas 1 (ficção)


Same mistake, disseste-me, com a tua mão pousada delicadamente no meu peito. Como na música do James Blunt que ainda parecia ecoar pelo espaço. O quarto cheirava a sexo. No chão o lençol amarrotado contorcia-se em figuras que me pareceram vales e montes. Vales e montes seguindo a curvatura do teu corpo. Pingos de suor escorriam ainda da minha fronte. Teu peito arfava levemente, os mamilos entumescidos acompanhando o movimento da tua respiração. Same mistake, repetiste num sussurro. E na tua voz quis adivinhar um tremor de pecado que tornava o ambiente ainda mais único. Clandestino. Deliciosamente íntimo.


São 14:28 e no café de um aeroporto algures lembro-me então do teu rosto naquele preciso instante que precede o adeus. Outra vez. O olhar distante que fitava um ponto qualquer na parede, na ressaca de um momento que – agora tenho certeza! – desejaria eterno. Outra vez, porra! A mesma saudade, o mesmo instinto animal de te ligar às onze da noite para te dizer desta saudade, o mesmo quarto de hotel na periferia, o mesmo arrancar de roupas em silêncio para que no chão atapetado se formem ilhas. De vales, de montes e também de pecados. Os mesmos gemidos, os mesmos gritos. E depois, há sempre a mesma angústia e o mesmo olhar num ponto qualquer da parede, na ressaca do tal momento que desejaria eterno.


Não há nenhum mistake, sabes disso. Apenas ficamos presos numa roda do tempo em que a saudade, o orgasmo a culpa e o adeus se repetem indefinidamente. Como se fosse uma maldição. Roteiro de um jogo que ultrapassa, se calhar, a nossa capacidade de compreensão. A vida, caramba!, às vezes tem dessas coisas, sabias?


(Foto de Nana Sousa Dias)

De um tempo em que tudo era mais simples

Tenho, às vezes, saudades do tempo em que tudo me parecia mais simples, Gilson. As horas eram certas – lembras-te? -, o Sol seguia um percurso pré-definido no firmamento, as gargalhadas eram honestas, os abraços eram sem contrapartidas e até as zangas escreviam-se com letras exactas no rosto das comadres da freguesia. Tenho saudades desta simplicidade, confesso. Do cronometrado tic-tac dos relógios no povoado, do silêncio que se repetia entre as moitas de bananeira no quintal de Nhá Júlia d´Ana ou do rumor simples das histórias das roças de São Tomé que nos contava Ti M´guel de Treza ao cair da noite ali em Terreiro…


Naquele tempo não sabíamos o que era esta angústia de casa de banho sem água . Aliás, sequer sabíamos o que era isso de casa de banho – qualquer coisa que nos mostraram depois ser muito mais confortável do que as covas no meio da horta de cana onde fazíamos o nosso pupú de todos os dias. Mas tínhamos os tanques de Fajã – Borrónque, Lima, Chã de Margaridinha, Boca de Fundo – onde de manhã à tardinha escrevíamos com os corpos molhados semi-nús, estórias de panhádas embaixo da água, “lizas”, mortais e saltos-de-anjo exibindo-se prá mocinha que queríamos seduzir. Não tínhamos esta angústia de falta de luz – a lua e as estrelas iluminavam-nos os pés em correria nos caminhos de Fajã, a brincar mã-gatchada, pliça e lodrõn, ó maleão maleão e casamento inglês. E antes de dormir, líamos Chiquinho e Chuva Braba sob a luz do candeeiro de petróleo, antes que do quartinho ao lado nos viesse a ordem de mamãe – êh bsôt, hora de durmi! Eram outras as luzes que enfeitavam nossas noites lá na ilha, lembras-te Gilson?


Até as brigas de comadre tinham um sabor mais simples, contornos quase que poéticos sob a luz parda dos desamparinhos na ilha: Didita versus Dinha Arcângela, Tunkninha versus Didita, Dinha Arcângela versus Tunkninha, Jóna de Rosa versus Mana Iria… E terminavam dias depois entre salamaleques e trocas de tijelinhas de cachupa e encomendinhas de meio quilo de tchuck com um quarto de toucinho de permeio. As coisas eram, deveras, mais simples, Gilson. Hoje as brigas se resolvem com boca bedju, catanas e putos de palmo-e-meio de peito escancarado julgando-se os donos do mundo nas esquinas da minha cidade…


Tenho saudades da simplicidade daqueles anos, confesso.


(Foto de PD)