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terça-feira, 27 de maio de 2008

Caminhada de Maio: um post para a Eury

Neste último domingo, voltamos a caminhar, Eury. Desta vez, um percurso de três horas, na costa entre a “tua” Veneza de Calheta e a (ex!) praia de Porto Coqueiro em Santa Cruz. Três horas de poesia, olhares & odor a mar no lado esquerdo das nossas ilhargas…

Primeiro a urbe “à beira-mar plantada”, o teu Boca Porto que nos espera logo de manhãzinha antes de o Sol lamber-nos a fronte nas ruas de Calheta. O mar ali ao lado, a espuma do mar que nos tenta acariciar os pés no cascalho outrora praia, os recortes da costa, Eury. Pedaços de rochas negras esculpidas pelas ondas na ourela do mar, como que sentinelas dos nossos sonhos de evasão. As mesmas rochas sobranceiras ao pequeno precipício, onde o tal homem e a sua vara de pesca atiram aos peixes sua ambição de garoupa cozida ku malagueta e mandioca de Ribeira Principal. Há, contudo, como nota destoante, a ex-praia negra esventrada até à exaustão com baldes clandestinos de areia para a construção do mundo novo, neste conflito quotidiano entre a panela e a cratera…

Por fim a água tépida no mar de Porto Coqueiro que nos lava a alma, o cansaço, e os pés meio doloridos. O churrasco, a cerveja gelada, o bom humor, as gargalhadas do Zé Pedro e da Rosalina, o sono que nos envolve suavemente no hiace até a Praia. Delicioso, Eury, delicioso! Fique com as fotos – pá bô podê matá sodáde lá na terra longi.


(Fotos de PD)


terça-feira, 20 de maio de 2008

Momento


Entre o azul e o branco, há o olhar. E o sorriso. O cordão que enfeita no peito-menina da Keila o coração de terra batida e páia tinguinha. E por detrás, a casa inacabada onde os blocos acenam ao mundo a metafísica dos discursos. Dá-me ganas de bradar contraste. E, no entanto, fico em silêncio, amarro-me ao poema inútil que agora escrevo à meia dúzia dos meus leitores.


Ecoa-me ainda pelos tímpanos a canção e o hino daquela tarde em Junho. Era Junho, lembro-me bem. “Canta, irmão, canta meu irmão!”. E na curvatura do vale, por momentos a liberdade foi hino e o homem a certeza nas encostas de Coculi, Boca de Coruja e Boca de Ambas as Ribeiras. As vozes infantis bradando às vozes de barba e cabelos crespos, falta de chuva e contas por pagar, para que com dignidade enterrem a semente no pó da ilha nua. “Canta, irmão, canta meeeeeeeu irmão!”.



("Essencia" - foto de Paulino Dias)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Um post curto no dia dos Direitos Humanos

"Se você estiver fazendo planos para um ano, plante arroz...
Programando para uma década, plante árvores...
Projectando para uma vida inteira, eduque uma pessoa."

Provérbio Chinês




(Obrigado ao meu amigo Zé Gomes, que me deu este provérbio a conhecer...)

terça-feira, 13 de maio de 2008

150 anos da Praia: Crónicas da cidade 3

E porque também tu és cidade – alma, riso, olhar, cabelos crespos -, escrevo-te, minha amiga Dadá. Sem o melado dos discursos que nesses dias me entopem os ouvidos nos altifalantes de campanha nas esquinas de todas as ruas. Sem que o calendário marque necessariamente o Dia das Mães, o Natal, ou sequer a data do teu aniversário (que, confesso, nem sei…). Basta-me as tuas rugas, Dadá. As tuas rugas, o tempo, o abraço badiu que me cerca as costelas e o poema inesperado.

És cidade, minha piquena Dadá. Mesmo que hoje ela não seja mais que uma ténue lembrança no horizonte que contemplas da tua casa em Agua Gato, São Domingos, és cidade, minha amiga. A cidade outrora calcorreada, com sacos, balaios, aventais – sacos de fijom, balaios de milho verde, aventais de poemas e do batuque em rebuliço no teu ventre. A cidade que te levou àquela festa na Cidade Velha em que bô pilá funaná ti manche, a cidade que teus olhos abarcavam para lá de Rubom Chiqueiro entre o peso do balaio e os raios de Sol que despontavam já no horizonte.


A cidade, minha amiga Dadá… A tua cidade, o teu ilhéu, as tuas ruas seculares onde respiram ainda as naus de achamento, o teu Platô com o mercado a tiracolo onde deixavas a verdura e pedaços da tua juventude.


Hoje, minha amiga Dadá, trago-te a cidade num abraço longe, e nos versos de um poema…

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(“Dadá de Agua Gato” – foto de Paulino Dias)

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A vingança 2 (conto)

Continuação deste conto

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Bastava um telefonema, Sr. Juiz. Um único telefonema, uma frase de desencanto e pronto. Estaria tudo terminado: a expectativa, o sonho, as noites em claro à espera de ouvir o tal chamado que nunca veio, o mundo maravilhoso que quis seguir quando deixei as ladeiras da minha ilha. Precisava apenas um telefonema para soltar as amarras que a ele me prendiam para que pudesse – depois da queda – seguir o meu caminho. Um telefonema, a verdade e o desengano, Sr. Juíz.


Mas não! Preferiu o silêncio vil, a covardia mesquinha, o impudico esquecimento. Preferiu a minha eterna raiva a uma tristeza que em si seria passageira, depois da lágrima que se soltaria naturalmente após o baque. Preferiu a minha morte lenta – dolorosa! – entre o escoar do tempo nos ponteiros do relógio e o calcorrear as ruas de Sóncent com a tina de cavala fresca na cabeça. Oli caváááááááálaaa! Caváááála frêêêsc! Angústia do telefone ali mudo em cima do parco mobiliário nas tardes em que voltava da labuta. Oli melôôôôn! Melôôôn frisquiiiiim! E o silêncio. Insónia. A lágrima solitária primeiro, a raiva depois. A raiva que vai se alastrando inexoravelmente pelas artérias. Quem crê bediooon? Oli bedioooon!


A raiva, Sr. Juíz. A raiva. O Senhor sabe o que é isso, Sr. Juíz? Hoje ‘m tem sô arenque, nhá Bia, ocê ta comprá um kilim? Sabe sim senhor, todo mundo sabe. Todo mundo já sentiu raiva alguma vez na vida. É uma coisa assim que nos invade, ora lentamente, ora de rompante que nem temos tempo de gemer um ai e o monstro ali já está, alojado entre o nó na garganta que nos impede a fala, e os nervos tensos como que a preparar o bote. O desejo de ferir. A ambição da humilhar. A gana de matar. Matar, Sr. Juíz. Ó Djosa, bsôt pescá algum cosa hoje pam podê bá vendê na Monte Sossego? A raiva é uma coisa fudida, Sr. Juíz. Olha o respeito, menina!, está num tribunal! A raiva…


Mas nunca pensei em matar este fulano, juro! Não o seu corpo, a sua mente, o seu nome, a sua raça. A minha raiva era mais subtil, Sr. Juíz. Mais fria e calculista. Concentrada. A minha raiva – não sei porque cargas d’água – dirigia-se sobretudo contra o seu pirilau. Isso mesmo, Sr. Juíz, o estupor do pirilau. Que me fez cair na tentação ali no quintal de bananeira de Nhá Mari Gregória depois das promessas de visto pá Holanda. Que me levara os três vinténs, a vergonha, e o amor sincero e puro de Piduca de Nhô Ntunzim. Que me jogara nestas ruas da outra ilha com uma tina de peixe na cabeça depois do silêncio doloroso do telefone na mesinha da cabeceira, por meses a fio. Que acalentou depois minhas noites de olhos grilidos em espera, à mistura com desejos insanos de vingança!


Oli cavááááááála! Cavááála frêêêsc! E soube então – por um acaso, Sr. Juíz! - que ele estaria de regresso a Cabo Verde na semana seguinte, junto com a mulher e os filhos, para o Festival da Baía das Gatas. Ainda por cima com a mulher e os filhos! E ele nunca me dissera nada, o estupor. Nunca soube que ele era casado, com família constituído la ná tchon d’Holanda onde prometera me levar só para me roubar os três vinténs…


O que o Senhor queria que eu fizesse, Sr. Juíz? Depois do silêncio do telefone, depois das noites de insónia, depois da angústia, depois da solidão, depois da raiva, o que o Sr. queria que eu fizesse com o seu pirilau, ahn, Sr. Juíz?


quinta-feira, 1 de maio de 2008

Dia do Trabalhador: um post sem palavras

Dêem-me palavras! Dêem-me palavras para estas rugas e este olhar. Palavras, porra!


(“Nhá Mari Ricarda lá de Fajã Domingas Bentas” – foto de Paulino Dias)