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terça-feira, 27 de março de 2007

Sobre fotografia de Nana Sousa Dias


Absorvo cada gole da tua ausência,
como se absinto nas minhas artérias.
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E quero-te nesta distância
- Deusa ou Moça ou Musa ou Poema! -
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A minha pele se contorce...

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(Fotografia de Nana Sousa Dias)


quinta-feira, 22 de março de 2007

Adeus, Zé!


Acaba de me telefonar o meu colega Calu Monteiro de São Vicente a dar-me a notícia da tua morte esta manhã, Zé. Ouviu na rádio ainda há pouco. Ligo ao Vieira para confirmar, sim senhor, és tu mesmo. Zé Rocha, lá de Santa Catarina.
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A voz ainda paira-me no ouvido como que flutuando entre imagens que agora vão-se desfilando enquanto escrevo. Teu corpo miúdo e doente já, entrando-me pela porta do gabinete alguns meses atrás, quando nos encontramos pela primeira vez. A firmeza na tua voz, a força de vontade na tua voz, para partilhar com os outros a tua história e a tua luta, a clareza na tua voz e a acutilância do teu raciocínio nas críticas que me apontavas sobre os tais programas de prevenção e combate à Sida. Não havia mágoa na tua voz, Zé. Nem raiva. Nem amargura.
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Havia coragem na tua voz, Zé. Sobretudo coragem. Coragem de dizer ao mundo, do alto do planalto de Assomada, de que tu eras portador do vírus de HIV-SIDA. E de exortar os outros, com o teu exemplo e a tua "estória", a não cometer o mesmo erro, mesmo quando ante ti se levantaram tantas barreiras. O preconceito, a solidão, o medo, a hipocrisia, a debilidade física, ia escrever que até a fome às vezes - sim senhor, a fome! -, como me confessaste a última vez em que nos vimos lá naquela lanchonete em Assomada, em Novembro. Naquela tarde pude perceber nos teus olhos a dimensão da tua tristeza e da tua solidão, Zé...
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Hoje não vou ver o telejornal, Zé. E nem vou acessar nenhum site de notícias. Se nos jornais desta semana se escrever alguma linha que seja sobre a tua morte, vou pular a página sem ler. Acabo de fechar meu radiinho sobre a secretária, para não ouvir notícia nenhuma sobre ti. E nem vou ao teu funeral. Em jeito de protesto, Zé. Nego-me a ver os semblantes entristecidos sob os óculos RayBan, daqueles que inda ontem fechavam-te todas as portas. Recuso-me terminantemente a ouvir os discursos inflamados de comoção à ultima hora, lembrando-nos (e lembrando-se!) de que foste o primeiro nessas ilhas a assumir publicamente a tua condição de seropositivo, abrindo caminho para uma outra abordagem nas formas de sensibilização sobre o Sida. A história um dia há-de te fazer justiça, Zé! Não em placas prateadas nas esquinas de uma ruela algures com o teu nome, não em bustos de bronze num canto qualquer da cidade, mas na memória das pessoas, no coração das pessoas, na gratidão das pessoas, a quem ajudaste com a tua mensagem, o teu exemplo, a tua força de vontade.
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Não há tristeza no meu semblante, confesso-te. Meio que envergonhado, dou por mim a procurar abafar o fatalismo crã entre meus pensamentos, de que estava para acontecer. Tinha que acontecer, estava escrito. Maktub. Era uma questão de dias, afinal.
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Mas não devia ser assim, Zé...
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("Maresia" - fotografia de Nana Sousa Dias)

quinta-feira, 15 de março de 2007

Sem comentários!




Há espaços e cores que não precisam de quaisquer comentários. Nem de poesia. Apenas o silêncio, e a fruição...
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(Xoxô, Ribeira da Torre - fotos de Paulino Dias)

sábado, 3 de março de 2007

Momentos 1


No princípio era o toque
dos meus olhos sobre tua pele
feito carícia orvalhada nesta manhã de fevereiro
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No princípio era o mar
& o mar assobiando no rasto do meu poema
uma canção de Sol e salitre
e saliva pelos lábios entreabertos
(ó pegadas na areia de Quebra Canela
ó mulher em meu corpo enlouquecido de espuma e cabelos soltos!)
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No princípio era o ritmo
a melodia sob meu tímpano de macho
sob meu crânio de poeta
sob o poema ciciado ao ouvido esquerdo
entre rumores de cerveja e gin tonic
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(E esperei cinco estações mais cinco meses e cinco noites
os olhos detrás dos óculos escuros espreitando-te timidamente...)
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No princípio era a gargalhada
a música entre os dentes e
o contorno do teu corpo em meus olhos
o silêncio
e a palavra fugindo teimosamente
no tal poema desta manhã de fevereiro
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(E Nhô Léla Cracunda que já nos dizia
- entre bocados de cancan nas narinas enegrecidas
e Génesis no céu da boca -
que no princípio era o Verbo...)
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(Nascer do Sol em Quebra Canela - foto de P. Dias)