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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Uma caminhada. Um gesto.

Foi deliciosa esta caminhada de Junho, caramba! Primeiro, o próprio tempo meio encoberto, que noutras ocasiões diria que triste, mas que neste domingo percebi como que nos protegendo do Sol abrasador doutras latitudes. Depois o trajecto de hiace até Mato Baxu, mais as gargalhadas da São e da Raquel e as relíquias musicais do Tchico no toca-fitas do carro, que nos transportava para a memória de outros tempos.


E a caminhada propriamente dita… O belo vale de Tabugal que se recorta a nossos pés centenas de metros depois do povoado, a pequena descida até o fundo, e a surpresa no meio da terra acastanhada que nos cercava: verde. Verde, verde, verde! Água a escorrer de despenhadeiros que me sabem à outra ilha, plantações de inhame, agriões a perder de vista, mangueiras, canaviais, tanques de água – onde minha alma de menino da ilha não resistiu, obrigando-me a atirar o corpo para o meio da água tépida -, e mais água, e mais inhames, e mais verde, e mangas maduras, e água de coco, e mais bocas aberto de espanto e muda contemplação, e mais poesia, e mais ilha. Ilha de Santiago. Ilhaaaaaa!


Mas sobretudo o gesto, mais adiante. A solidariedade demonstrada pelos membros do grupo, na escola de Charco, quando entregamos às dezenas de crianças humildes os materiais escolares que recolhêramos para lhes oferecer. A magia do momento de dar um pouco de nós. Nestes tempos de individualismos exacerbados e egos que quase explodem sob a luz dos holofotes, crescemos sim senhor como seres humanos, sempre que damos um pouco de nós sem esperar nada em troca. Ali no silêncio do povoado – quebrado apenas pelas vozes infantis entoando-nos “Óh maleão maleão” e “Canta irmão, canta meeeeeu irmão!” – crescemos um pouco neste último domingo, alimentamo-nos de vidas outras que não a nossa pacata rotina de casa-trabalho-cometa-casa, lambuzamo-nos de estórias crãs que nos devolvem irremediavelmente à nossa condição de peças de um conjunto muito maior que a ponta do nosso umbigo, deglutimos silenciosamente a humildade – e a esperança, porra! – que aqueles olhares nos impunham, lá do chão onde se sentaram para nos ouvir as palavras. Ao menos nesse dia, felizmente, não foram apenas palavras o que receberam aqueles putos de Charco…


Deixo-vos com as fotos. Pena que a porcaria da máquina tenha esgotado a memoria sem que eu pudesse captar todos os momentos. Vou esperar pelas outras fotos do Helder Paz para partilhar convosco. O momento, o gesto, e o sentir. Inté.



(Fotos de PD)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Caminhada de Junho: mês das CRIANÇAS

Este mês, também teremos caminhada pela ilha de Santiago. Será no próximo domingo, dia 29, com partida a partir do largo do Centro 1º de Maio na Praia às 06h30mn. Desta vez o percurso será MATU BAXU - RIBEIRA DE TABUGAL - CHARCO/JOÃO GAGO - RIBEIRA DA BARCA. Aproximadamente 3h30mn de muita diversão, gargalhadas e "descobertas".

Porque este mês é o mês das crianças, e porque um dos objectivos do grupo dos "Caminheiros" (além do divertir-se ao mesmo tempo que se exercita, se conversa e se explora a ilha), é precisamente reforçar a consciência social e ambiental dos participantes, decidimos organizar um convívio com as crianças da escola de Charco, uma comunidade com várias carências e que vive sobretudo da agricultura e da apanha da areia.

Durante o convívio serão entregues vários materias escolares, livros, t-shirts, etc., recolhidos entre os participantes. Vamos aproveitar igualmente para organizar uma actividade de sensibilização ambiental, sobre a problemática de apanha de areia nas praias.

Este domingo vai ser "rei di fixe"!!!!! Prometemos trazer fotos para a malta, ok? Quem quiser participar, ainda vai a tempo. Basta enviar-me um e-mail (paulinodias21@yahoo.com), o mais tardar até às 12h00 de Sexta-feira 27/06.

sábado, 14 de junho de 2008

País feliz....

De acordo com o ranking deste site, Cabo Verde é o 46º país mais feliz do mundo, atrás de países como a Colómbia (2º), o Vietnam (12º), Filipinas (17º), e China (31º). Mas estamos à frente da Argentina (47º), Ilhas Maurícias (55º), Áustria (61º) e Suíça (65º). Ah!, e dos Estados Unidos (150º). Na Africa somos o terceiro pais mais feliz, atras apenas de Sao Tome e de Marrocos. Segundo este ranking, o país mais feliz do mundo é Vanuatu.


O “Índice de Felicidade” referido pelo site reflecte a média de anos felizes produzida por uma sociedade, nação ou grupo de nações, por unidade de recursos planetários consumidos. Isto é, representa o grau de eficiência com que os países convertem os recursos finitos do planeta em bem estar para os seus cidadãos.


Vá-se lá entender estes rankings… Mas isso dá que pensar, não dá?


Aposto que os políticos cá do burgo já já vão incorporar isso nos seus discursos, eh eh eh…



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quinta-feira, 12 de junho de 2008

Cidadania é sobretudo ACÇÃO!

Pessoal,

Já está a circular a petição online sobre a medida de suspensão das alunas grávidas das escolas, em reacção ao caso da aluna Ana Rodrigues, do Paúl - Santo Antão - denunciado pela Eury neste post.

Porque SER CIDADÃO deve ser sobretudo AGIR, porque não podemos assobiar para o lado perante uma situação que poderá determinar o rumo da vida da Ana Rodrigues, mas acima de tudo, porque pensamos ser o correcto a fazer, convidámo-los a assinar a petição. Clique aqui.

E aos colegas bloguistas, exorto a fazerem o máximo eco possível desta acção. Vamos nessa onda, malta?

Um abraço cidadão,

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Outras frentes!

Pronto! Passou o momento triste. Porque é preciso, porque há outras frentes, outras lágrimas e outros dramas para combater, outros momentos por que lutar. E estes, diga-se de passagem, ainda mais urgentes porque encerram escolhas entre a vida e a vida: a vida em potência e a vida que se oferece. Como o grito de alerta que nos vem deste post da Eury.

O problema contudo ultrapassa as delimitações deste caso isolado, Eury. Embora este, pela urgência com que se coloca, deve merecer de todos nós uma acção concreta e imediata para que a aluna em referência não veja o sonho a escoar-lhe entre os dedos, a dias apenas da conclusão do ano lectivo. Já lhe basta o drama de uma gravidez precoce, o "fardo" de uma criança não planeada que lhe pesa o ventre também criança ainda...

O problema é mais profundo, minha amiga. Tem a ver com a (re)avaliação da legalidade e da "humanidade" da medida de afastamento das alunas grávidas das escolas, tem a ver com a desconstrução das famílias e dos seus valores que vimos assistindo diariamente, tem a ver com um certo "lavar de mãos" dos pais no que diz respeito à educação sexual dos filhos (sim senhor, isso não é assunto apenas do Ministério da Educação ou das Delegacias de Saúde!), tem a ver com a passividade de todos nós que tranquilamente vamos assistindo a esses "pequenos" dramas e assobiamos para o lado com a consciência limpa de quem pagou já os seus impostos.

Mas por ora, vamos à acção, Eury. Se pudermos reverter a situação desta miúda - apenas esta, por enquanto - já terá valido a pena o alerta. Juntemos todos as mãos, pois!

sábado, 7 de junho de 2008

Um bilhete entristecido

Passaram-se já tantos anos… E no entanto vem a palavra molhar-me esta manhã de sábado em meu rosto, feito um bilhete entristecido na página 15 do jornal. Mesmo quando sobre o momento preciso do telegrama paira já o desbotar do tempo e o sorriso se fez crosta na velha foto a preto e branco que trago comigo ainda.


Não importa que sejam outros os nomes e os rostos no anúncio da missa do sétimo dia. Não importa que sejam outros os ídolos: será sempre tu. Sempre. Sempre. Sempre! Será sempre o jeito peculiar de sorrir, a maneira certa de olhar, e a saudade.


Tenho imensas saudades tuas, mana…


("Foot print in the sands" - foto de Maria Avelino)


terça-feira, 3 de junho de 2008

Um post adiado: a estrada de Ribeira da Torre, o asfalto e eu.

Exmo. Sr.
Ministro da Infra-estrutura, Transportes e Mar
Eng. Manuel Inocêncio.

Há mais ou menos coisa de dois anos, escrevia-lhe uma “cartinha”, creio que na Revista A Semana, já não me lembro bem, sobre a precisão que uma estrada como deve ser fazia (e faz ainda) ao meu querido Vale de Ribeira da Torre, lá em Santo Antão. Dvéra dvéra, Sr. Ministro, sai ano entra ano, sai às-secas entra às-águas, e lá ficam as minhas gentes entre a felicidade rural das chuvas de Setembro e o credo-na-boca pela estradinha de terra que mal chega uns borrifos vindo de Rabo Curto vai logo desarvorando-se a caminho do mar de Tarrafal, numa pressa de não sei que diga, Sr. Ministro! E por dias a fio, é um tal de saltar de pedra em pedra naquela ribeira, é um tal de defender-se de poças de água que um cristão já nem pode ir de um lugar a outro do Vale na boquinha da noite para ver uma piquena sem correr o risco de um tchluf de estragar calça de óngri, caramba! Isto sem contar com o azar de um vivente que resolve bater a caçuleta bem no meio desses dias-sem-estrada… Já imaginou um enterro no meio de cascalho e água, Sr. Ministro?


De modo que pode imaginar a minha imensa alegria naquela manhã de Domingo ali em Quebra Canela, quando o Dias me diz que já estava garantido o financiamento para aquela estrada, Sr. Ministro. De tão emocionado que fiquei, pus-me logo ali a telefonar feito um maluco à malta de Fajã Domingas Bentas para dar a boa nova, o Pina (que ainda encontrei deitado), o Zim de Yaiá, o meu irmão Naiss… Fiquei doido de felicidade, Sr. Ministro: finalmente o meu velho Junzim de Pólina vai poder andar em uma estrada de jeito naquela ribeira antes de morrer, um desejo que ele me manifestara numa das minhas rápidas viagens à ilha.


Este lero todo, Sr. Ministro, é no entanto apenas um preâmbulo para desabafar consigo uma angústia que me vai na alma há já algum tempo, desde que ouvi uns rumores – e o Dias confirmou-me – de que a estrada todinha vai ser feita com asfalto. Meu irmão, que me deu a notícia pelo telefone, quase não aguentava de felicidade, e dizia-me em catadupa ainda sem perceber o meu silêncio de espanto, que finalmente nós também vamos ter uma estrada moderna elegante e bonita que nem aquês de tchon d’Holanda, moço!, ou como aquela bonitona que vai da Praia à Assomada que nós vemos aqui na televisão. Asfalto? Cortei-lhe a monólogo indelicadamente. Asfalto, dizes-me tu? Até Xoxô?! Sim, moço, até Xoxô…


Exigências legais, diz-me o Dias quando lhe telefono para confirmar a notícia. Estradas nacionais acima de 3kms devem ser feitas de asfalto. Projectei-me então mentalmente para um futuro não muito longínquo quando a estrada for inaugurada, pousei meu corpo justo ali naquela curva em Marrador debaixo da casa do Armindo de Nóna, só para “sentir” – mais do que ver – o quadro que então se desenhava. E vi, Sr. Ministro. A cobra negra de asfalto a penetrar – como uma violação sexual - a passagem do Canto junto ao pé de borracha onde diz a lenda que as bruxas da ilha se encontram nas noites de Lua minguante. O negro do asfalto + o verde que teimam em não combinar mesmo quando tento forçar um quadro feito arte-moderna. A negritude do asfalto manchando uma das paisagens mais belas – senão a mais bela – de todas essas ilhas, Sr. Ministro: a bacia de Xoxô.

Eu não concordo com a solução asfalto, pelo menos para toda a estrada, Sr. Ministro. Falo por mim, naturalmente, e apenas enquanto cidadão nascido e criado naquelas bocanas. Sou contra o asfalto em toda a estrada, pelo seu impacto na beleza paisagística que caracteriza o Vale como um dos mais emblemáticos de Cabo Verde, sou contra, por a longo prazo poder reduzir a competitividade do Vale na atracção de um tipo específico de turismo assente na preservação ambiental e na diversidade paisagística, sou contra porque acredito que existem outras alternativas. E, digo desde já, não me convencem os argumentos de falta de pedra ou de calceteiros para uma obra daquela dimensão: não fosse o vale o que é em termos de stock de pedras, não tivesse o povo daquela ilha construído verdadeiras obras-primas em forma de estrada – só com pedra de calçada – como sejam as estradas Porto Novo / Ribeira Grande, Ribeira Grande / Paúl, Ribeira Grande / Ponta do Sol, etc.


Não sou técnico na matéria de construção de estradas, Sr. Ministro. Falo, por isso, como um simples cidadão de Ribeira da Torre, como um amante das coisas belas da vida, e, se quiser, como um projecto de poeta, que tantas vezes se inspirou sob a sombra das mangueiras no viradouro ali em Xoxô entre dois dedos de conversa com Nhô Djô d’Afonso que-Deus-tenha.

Acredito que existem outras soluções, Sr. Ministro. Uma, a mais radical e corajosa, seria construir a estrada integralmente de pedra de calçada, desde a Povoação até Xoxô. Que se refaçam as leis, pois. Outra, digamos uma solução mista para contornar o impedimento legal, seria levar a estrada com asfalto até Boca da Ribeira de Patinhas, e após a passagem para o outro lado de Biquim, utilizar a pedra de calçada até o final na Bacia de Xoxô. Esta solução, além de preservar o delicado equilíbrio paisagístico no Canto e em Xoxô, poderia ser utilizada criativamente para resgatar e divulgar a “velha” arte dos famosos calceteiros da ilha, através de equipas mistas compostas por artesãos mais experientes e por jovens que, a partir dali poderiam formar micro e pequenas empresas de aplicação artística da pedra – promovendo uma técnica de construção coerente com a estratégia de ecoturismo que se pretende para Santo Antão.

Por isso, Sr. Ministro, perdoa-me o atrevimento de lhe pedir que pense um pouquinho no assunto outra vez. Enquanto é tempo e enquanto as gerações futuras não esfregam no rosto das nossas lápides a factura de uma infra-estruturação não-sustentável. Não mate em mim – com o negro do asfalto - esta alegria de saber estrada nas curvas de Ribeira da Torre, Sr. Ministro...

Cidade da Praia, sobre uma fotografia verde de Xoxô, 02/06/08