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quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Verde!


Telefonou-me o meu irmão Naiss esta manhã, a dar-me conta das primeiras chuvas lá na ilha. E a dizer-me da belíssima fotografia que tinha feito lá em Chochô, um dos recantos mais belos deste país. Lembrei-me então de uma antiga crônica que fizera há algum tempo, e que agora partilho convosco. Era fevereiro e estava de visita à ilha...


VERDE!

Às portas deste fevereiro de Nossenhôr que nos guarda, a ilha enche-nos os olhos e a alma de verde, verde, verde. Muito verde. Verde até a espinha dorsal das gargalhadas a perder de vista e a calma invasão das acácias na planta dos meus pés descalços. Verde claro + verde escuro metamorfoseando-se na retina daqueles olhos, que tentam em vão abarcar a imensidão angustiante das trepadeiras na Cinta de Riba abandonada. Verde e branco, flor e cana bourbon, grogue e fretcha e nervos de trapiche subindo co-re-o-gra-fi-ca-men-te em direção ao verdeazul que nos espreita. Verde no assobio alegre de Junzin d’Pólina no terraço da nossa casa lá em Fajã Diante. Verde-esperança nas enxadas desencalhadas e nos pés de feijão-ervilha coentro e batata inglesa galgando as encostas de Pedregal.

Também verde o sorriso aberto de Djô M’léguéta e sua faca cruzada na cintura numa bainha de pele de cabra, às nove da manhã e já subindo a vereda de Lombinho com um pequeno saco de feijão às costas. No Terreiro, gargalhadas solidariamente verdes do Peléla, Jôn Bunita, Pina, Nã, Roseno, construindo mais uma casa-de-banho oferta da Associação dos Moradores da comunidade, desta vez para a Tunkninha de Nhá Mari’Senhorinha. Verde na fotografia da Cláudia de Mari d’Pritim roubada num instante apenas em que ela se descuida, os belos olhos menina & moça angelicamente espantados no lado oposto da objetiva. E o subtil encanto da minha filha Patrícia que corre para os meus braços no portão da nossa casa, o verde estampado infantilmente nas suas mãozinhas estendidas e na pequena borboleta de plástico que lhe prende os cabelos...

No assento dianteiro do hiace do Catchupa que me leva de volta a Porto Novo, mais verde. Na curva de Nhá Jóna David, nas ladeiras de Cruz, nas contracurvas ao largo da casa de Nhô Menél Jôn e nas chãs embriagadas de verde ali em Estraga, nas bordeiras do Delgadinho onde a vertigem dos precipícios nos espreita nos lados direito e esquerdo das nossas ilhargas, nos ramos de macieiras roçando as janelas do carro ao passarmos por Corda e pelas memórias dos sacos de marmelos da minha infância, com meus primos Gilson e Dinora e nevoeiro e boleia na carroçaria de um camião carregado de pedra-de-calçada, e chuva miudinha encharcando-nos de frio até ao desespero... Verde nos pinheiros tresandando a Europa ali mesmo em Água das Caldeiras e na borda do nosso orgulho crioulo. Verde até nos campos entristecidos de Porto Novo e na voz profunda do Ildo Lobo que irrompe de repente dos pequenos altifalantes do carro para nos devolver o silêncio de tantas secas, na alto cutelo cimbrôn já cá tem... Mas aqui neste cutelo, Ildo, vai ter feijão, batata, cebola, abóbora, cana, banana, ânsias renovadas, gargalhadas de todos os tipos, com bisca & grogue ao cair da tarde, o relembrar de tempos d’outrora, e o canhoto saltitando alegremente de um canto a outro da boca desdentada já. As raízes esticadas hão de encontrar água nos braços ilhéus das enxadas de Juquim de Jóna Chica, Djô M´leguéta, Péd Palinha, Ti M´guêl T´reza....

Se Deus assim quiser – diria certamente Ti Jôn d’Bléca....
(Fotografia tirada daqui)

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