Caro Francisco,
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Para te dizer que a noite de ontem foi mágica, ali no Kasa Bela. Bebia-se sôfregamente poesia pura nas palavras suspensas no silêncio, em taças de cristal feito voz & música, e até na lua cheia que - descarada! - teimava em espreitar por entre os telhados e as parabólicas do Plateau, mesmo quando a noite dobrava já as doze badaladas. Eu, por cá, fico à espera de mais. Muito mais. Empaturrar-me de poesia até arrebentarem-se os botões do meu paletó de burocrata. Não pensar, como nos pediu o William. Sentir apenas. Não medir as rimas, estar-se nas favas para a métrica e os versos decassílabos, mandar à merda os pseudo-críticos de plantão. Sentir apenas. Sentir, Francisco! Sentir as coisas ao redor, sentir o olhar do puto ali na esquina, sentir o silêncio e a voz... Sentir, como ontem à noite ali no Kasa Bela.
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E ontem, antes de me enfiar na cama, ainda fui vasculhar um velho poema (sem nome) que aqui te deixo:
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. À tardinha
quando acena-me o Sol – diria até que triste – ali da bordeira da Cidadela
.......sento-me à soleira da minha porta
...............à sombra da minha angústia de ontem e de hoje
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e calmamente
com ternura quase
com magestade
quando acena-me o Sol – diria até que triste – ali da bordeira da Cidadela
.......sento-me à soleira da minha porta
...............à sombra da minha angústia de ontem e de hoje
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e calmamente
com ternura quase
com magestade
...........- como um Rei, dá-me ganas de dizer! –
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mando à merda a monotonia do relógio
no edifício da Câmara Municipal...
no edifício da Câmara Municipal...
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E nem ouse o Sacristão da minha freguesia
E nem ouse o Sacristão da minha freguesia
vir dar-me lições de moral, caramba!
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(Luzes sobre a cidade - foto de Paulino Dias)