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terça-feira, 3 de junho de 2008

Um post adiado: a estrada de Ribeira da Torre, o asfalto e eu.

Exmo. Sr.
Ministro da Infra-estrutura, Transportes e Mar
Eng. Manuel Inocêncio.

Há mais ou menos coisa de dois anos, escrevia-lhe uma “cartinha”, creio que na Revista A Semana, já não me lembro bem, sobre a precisão que uma estrada como deve ser fazia (e faz ainda) ao meu querido Vale de Ribeira da Torre, lá em Santo Antão. Dvéra dvéra, Sr. Ministro, sai ano entra ano, sai às-secas entra às-águas, e lá ficam as minhas gentes entre a felicidade rural das chuvas de Setembro e o credo-na-boca pela estradinha de terra que mal chega uns borrifos vindo de Rabo Curto vai logo desarvorando-se a caminho do mar de Tarrafal, numa pressa de não sei que diga, Sr. Ministro! E por dias a fio, é um tal de saltar de pedra em pedra naquela ribeira, é um tal de defender-se de poças de água que um cristão já nem pode ir de um lugar a outro do Vale na boquinha da noite para ver uma piquena sem correr o risco de um tchluf de estragar calça de óngri, caramba! Isto sem contar com o azar de um vivente que resolve bater a caçuleta bem no meio desses dias-sem-estrada… Já imaginou um enterro no meio de cascalho e água, Sr. Ministro?


De modo que pode imaginar a minha imensa alegria naquela manhã de Domingo ali em Quebra Canela, quando o Dias me diz que já estava garantido o financiamento para aquela estrada, Sr. Ministro. De tão emocionado que fiquei, pus-me logo ali a telefonar feito um maluco à malta de Fajã Domingas Bentas para dar a boa nova, o Pina (que ainda encontrei deitado), o Zim de Yaiá, o meu irmão Naiss… Fiquei doido de felicidade, Sr. Ministro: finalmente o meu velho Junzim de Pólina vai poder andar em uma estrada de jeito naquela ribeira antes de morrer, um desejo que ele me manifestara numa das minhas rápidas viagens à ilha.


Este lero todo, Sr. Ministro, é no entanto apenas um preâmbulo para desabafar consigo uma angústia que me vai na alma há já algum tempo, desde que ouvi uns rumores – e o Dias confirmou-me – de que a estrada todinha vai ser feita com asfalto. Meu irmão, que me deu a notícia pelo telefone, quase não aguentava de felicidade, e dizia-me em catadupa ainda sem perceber o meu silêncio de espanto, que finalmente nós também vamos ter uma estrada moderna elegante e bonita que nem aquês de tchon d’Holanda, moço!, ou como aquela bonitona que vai da Praia à Assomada que nós vemos aqui na televisão. Asfalto? Cortei-lhe a monólogo indelicadamente. Asfalto, dizes-me tu? Até Xoxô?! Sim, moço, até Xoxô…


Exigências legais, diz-me o Dias quando lhe telefono para confirmar a notícia. Estradas nacionais acima de 3kms devem ser feitas de asfalto. Projectei-me então mentalmente para um futuro não muito longínquo quando a estrada for inaugurada, pousei meu corpo justo ali naquela curva em Marrador debaixo da casa do Armindo de Nóna, só para “sentir” – mais do que ver – o quadro que então se desenhava. E vi, Sr. Ministro. A cobra negra de asfalto a penetrar – como uma violação sexual - a passagem do Canto junto ao pé de borracha onde diz a lenda que as bruxas da ilha se encontram nas noites de Lua minguante. O negro do asfalto + o verde que teimam em não combinar mesmo quando tento forçar um quadro feito arte-moderna. A negritude do asfalto manchando uma das paisagens mais belas – senão a mais bela – de todas essas ilhas, Sr. Ministro: a bacia de Xoxô.

Eu não concordo com a solução asfalto, pelo menos para toda a estrada, Sr. Ministro. Falo por mim, naturalmente, e apenas enquanto cidadão nascido e criado naquelas bocanas. Sou contra o asfalto em toda a estrada, pelo seu impacto na beleza paisagística que caracteriza o Vale como um dos mais emblemáticos de Cabo Verde, sou contra, por a longo prazo poder reduzir a competitividade do Vale na atracção de um tipo específico de turismo assente na preservação ambiental e na diversidade paisagística, sou contra porque acredito que existem outras alternativas. E, digo desde já, não me convencem os argumentos de falta de pedra ou de calceteiros para uma obra daquela dimensão: não fosse o vale o que é em termos de stock de pedras, não tivesse o povo daquela ilha construído verdadeiras obras-primas em forma de estrada – só com pedra de calçada – como sejam as estradas Porto Novo / Ribeira Grande, Ribeira Grande / Paúl, Ribeira Grande / Ponta do Sol, etc.


Não sou técnico na matéria de construção de estradas, Sr. Ministro. Falo, por isso, como um simples cidadão de Ribeira da Torre, como um amante das coisas belas da vida, e, se quiser, como um projecto de poeta, que tantas vezes se inspirou sob a sombra das mangueiras no viradouro ali em Xoxô entre dois dedos de conversa com Nhô Djô d’Afonso que-Deus-tenha.

Acredito que existem outras soluções, Sr. Ministro. Uma, a mais radical e corajosa, seria construir a estrada integralmente de pedra de calçada, desde a Povoação até Xoxô. Que se refaçam as leis, pois. Outra, digamos uma solução mista para contornar o impedimento legal, seria levar a estrada com asfalto até Boca da Ribeira de Patinhas, e após a passagem para o outro lado de Biquim, utilizar a pedra de calçada até o final na Bacia de Xoxô. Esta solução, além de preservar o delicado equilíbrio paisagístico no Canto e em Xoxô, poderia ser utilizada criativamente para resgatar e divulgar a “velha” arte dos famosos calceteiros da ilha, através de equipas mistas compostas por artesãos mais experientes e por jovens que, a partir dali poderiam formar micro e pequenas empresas de aplicação artística da pedra – promovendo uma técnica de construção coerente com a estratégia de ecoturismo que se pretende para Santo Antão.

Por isso, Sr. Ministro, perdoa-me o atrevimento de lhe pedir que pense um pouquinho no assunto outra vez. Enquanto é tempo e enquanto as gerações futuras não esfregam no rosto das nossas lápides a factura de uma infra-estruturação não-sustentável. Não mate em mim – com o negro do asfalto - esta alegria de saber estrada nas curvas de Ribeira da Torre, Sr. Ministro...

Cidade da Praia, sobre uma fotografia verde de Xoxô, 02/06/08

3 comentários:

Ricardo Rayol disse...

homi, deixe de ser bestunto, o sinhô ministro está a trazer o progresso e boa venturança para suas plagas e estás a reclamar de bucho cheio? que seja ela de asfalto, pedra ou mármore, mas que traga a perfeita trilha a ser vencida pelos autos e ônibus. Quisera eu que em minhas plagas tivessem tão belas estradas.

Grande abraço e desculpe pela imaginária resposta de um concidadão, achei teu texto genial.

Anónimo disse...

é um direito de qualquer cidadão! estive em cabo verde em abril estive em alguns instituições e nas caixas de reclamação tinha só papéis de rebucados. A minha namorada que é Portuguesa é que chamou-me atenção deste assunto.

é claro que baixei a crista em assumir que nós somos um povo que comforme e não exerce o direito de cidadania!
A convite de um amigo teu vim visitar o teu blog e gostei muito!
um abraço e como se diz no teatro: MUITA MERDA!

Valdevino Bronze disse...

Devera Paulino - o teu texto tá genial - . Bemdzide!

Jam tinha bo dzide, e m te continuá te dzé k tem uns luz de cima de cabeça de gente moda bo k te fazé ciúmes até Min Transportes e ajudantes.

Kel abraço

Vavá