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domingo, 24 de outubro de 2010

Já estou a ficar cansado...

... e ainda as datas das eleições nem foram marcadas!

Sério, pá!, estou a ficar cansado dos discursos, das palavras ocas, dos mundos que ou são pretos ou são côr-de-rosa (como se não tivéssemos o discernimento de confirmar por nós próprios). Irrita-me já os outdoors espalhados pelas ilhas e que me limitam a vista para a poesia do azul do mar, sabe-me a alguma hipocrisia os sorrisos de ocasião e os braços que se abrem para nos alojar como se tivéssemos sido a vida inteira cómpas de copo & bafa, caramba...

A minha mente não é campo de batalha, meus senhores. Muito menos espaço vazio onde (acham que) podem jogar toda a casta de porcaria em busca do meu alinhamento. A minha mente pensa, bolas! Escusam-se portanto de me enfiarem slogans elegantes goela abaixo, agradeço me pouparem dos e-mails ora verdes ora amarelos que me vêm enchendo a caixa de correio (já agora, apago-os sem os ler...), não tentem sequer me manipular com os vossos números e as vossas estatísticas, digo-vos!

Compreendo que estão a cumprir o vosso papel. Afinal, é a política, e há que catar votos para as próximas eleições... Para que fique claro que eu não sou contra a política nem os políticos: são elementos cruciais para a nossa vivência enquanto seres sociais. E, quando praticada com seriedade e elevação de espírito, a política é sem dúvida uma actividade nobre e útil. E o meu voto é - mais do que obrigação - direito sagrado: faça Sol ou faça chuva, lá estarei no dias das eleições para escolher quem irá governar este país em meu nome. A quem vou delegar o poder de tomar decisões que vão afectar a minha vida enquanto cidadão. Ah!, disso não abro mão!!!!

Por isso, para vos facilitar a vida na (dura) tarefa que têm pela frente para conquistar o meu voto, permitam-me deixar aqui algumas informações básicas, à laia de "termos de referência" para as eleições que se aproximam:

1. Eu não voto em partidos: voto em VALORES e ATITUDES. Isso é condição sine qua non para merecer a minha confiança e o meu voto. Valores correctos. Atitudes certas. Não me venham, pois, com rostos duplos: o rosto do político empedernido e discursos inflamados na Assembleia e o rosto que bate na mulher entre quatro paredes ou que "surrupia" electricidade no posto da esquina. O rosto que aprova leis de segurança na estrada e o rosto que passa por mim na avenida sem cinto de segurança e a falar no telemóvel. O rosto exalando seriedade sobre a gravata hermés no atelier-de-validação-de-qualquer-coisa e o rosto que na quietude da noite violenta a ingenuidade de menininhas de 15 e 16 anos em troca de patacos. Não me venham, portanto, com essas tretas, meus senhores e minhas senhoras! Para mim há apenas UM rosto no político que há-de conquistar o meu voto. A isso chamo ÉTICA e COERÊNCIA!

2. Eu não voto em bandeiras: voto em PESSOAS. Em competências técnicas reconhecidas, capazes de identificar e hierarquizar os problemas de Cabo Verde, construir soluções sustentáveis a longo prazo, mobilizar os recursos necessários e implementar acções concretas para melhorar a vida dos caboverdeanos.

3. Eu não voto em passados: voto no FUTURO. Que saibamos reconhecer o trabalho feito, sem dúvida. Mas por si só não conquistarão o meu voto, vou logo avisando. Quero, antes, saber o que pretendem fazer com o futuro deste país, com o MEU futuro. Por isso, escusam-se de perder o vosso tempo comigo alardeando o que cada um fez ou deixou de fazer... Falem-me, sim senhor, das vossas ideias para o meu futuro. As vossas propostas. As vossas soluções. O que VÃO FAZER nos próximos 5 anos.

4. Eu não voto em problemas: voto em propostas de SOLUÇÕES. Concretas, objectivas, estruturadas, com recursos devidamente alocados. Assim, não me façam perder tempo com retóricas vazias e dedos apontados. Quero antes soluções. O que propõe de concreto para o crescimento económico e distribuição de renda. A saúde, segurança e educação (a todos os níveis). As infraestruturas. O que pretendem fazer com a nossa cultura. A nossa memória colectiva. A juventude. O desporto. A agricultura e a pesca. Quais as soluções para que não me morram mais Eduardos e Bóias e Manecas nas ribeiras da minha ilha... Soluções, portanto. O resto passar-me-á ao lado, devidamente ignorado, aviso.

Já estou a ficar cansado destes discursos, dizia...

sábado, 23 de outubro de 2010

Recantos da minha ilha (3)

Teu rosto também é um recanto da minha ilha, meu velho Jota. Oásis da tal tranquilidade que só as vicissitudes de uma vida intensa podem conceder, e, muitas vezes - confesso! - porto de abrigo às minhas angústias de quase-poeta a vaguearem pelas ruas da cidade. Haverá sempre um verso escondido nas rugas do teu rosto. Haverá sempre uma paz para se colher na quietude de uma tarde a pairar sobre o povoado, enquanto no terraço me contas aventuras d´Angola ou a dor de ver homens-esqueletos a chegarem dos campos do Norte na fome de 47. Sem poder fazer nada, dizias-me.

É, sim senhor, um recanto da minha ilha, as rugas do teu rosto, Junzim d´Polina - meu pai...

("Rostos da minha ilha" - foto de PD)

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domingo, 17 de outubro de 2010

Remexendo velharias - I

Hoje, arrumo velharias na estante. Pedaços de antigos poemas encardidos de pó e de esquecimento. Pequenos nadas. Hora de sacudir a poeira, portanto. Espantar o tédio desta manhã de domingo que queria ensolarada e de banho de mar na Quebra Canela. Em vez disso - poeminhas antigos. Do tempo em que ainda te escrevia versos na última folha do meu caderno de macroeconomia. E era Julho, lembras-te? Naquele tempo os poemas não tinham nomes. Nem as palavras rumos pré-determinados...


POESIA SEM NOME

Niterói, numa aula qualquer em 22 de Julho de 1999...


Agora não adianta
esta algazarra de sonhos à minha volta...

É inútil este fervilhar de ilusões
que em menino
embriagavam-me

(e ao Gilson. E ao Jôn Bunita. E ao César. E à Isa de Nhá Mari d’Jóna. E à Gracinda)

- nas canções de roda.

“Papagaio loiro,
de bico doirado,
toma esta carta
prá levar ao namorado”

Já não tenho. Já não sonho.
Sinto. Sou.
Carne & osso. E nervos.

“Ó maleão maleão ai que vida é tua...”

Homem-ser na penumbra das horas,
um poema vagabundo à espreita
de novas rotas de fuga na linha do horizonte

(tragaram-me nas ruas do mundo
a alegre inocência dos meus 12 anos...)


("Miúdo contemplando o horizonte" - foto de PD)

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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Recantos da minha ilha (2)

Aqui, neste recanto, é indescritível o silêncio que nos envolve. A sensação de sermos apenas uma partícula minúscula em algo muito, mas muito grande, que ultrapassa a nossa compreensão. Uma profunda paz que nos entra alma dentro e nos devolve à contemplação das coisas simples ao nosso redor. Vale a pena subir o Tope de Coroa em Santo Antão, digo-vos...

("Subida de Tope de Coroa" - foto de PD)

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Início de semana devia ser assim:

Obá!!!! Hoje é Segunda-feira!!!!
(Piadinha para Mnininha de Soncent eheheh...). Boa semana a tod@s!!!


("Ana" - Foto de PD)

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sábado, 9 de outubro de 2010

Crónica de uma visita ao campo de concentração de Tarrafal

Se calhar nem deveria chamar "crónica" a este amontoado de palavras. Ou que ao menos lhe acrescentasse "desaforada", como o meu vizinho margoso. Por esta gana que tenho neste momento de desbragar umas quantas porras, confesso...

Pede-me a minha prima e o marido dela angolano que lhes mostre o campo de concentração de Tarrafal. Conhecem gente que ali esteve e não saem de Santiago sem lhe ver as grades, o campo. Ala para Tarrafal via Pedra-Badejo, numa Quinta-feira solarenga de verde a bombordo pelas encostas e azul do mar a estibordo, para lhe beber um pouco a história. Mas em vez disso, esta crónica que deveria ser desaforada...

Logo à entrada um silêncio - que quereria normal num museu - e um vazio que, esta sim, faz-me um friozinho na barriga. Não tem ninguém?!, penso cá com os meus inseparáveis botões. Mas logo aparece uma senhora da sala à direita com um ar de enfado onde se pode ler "chiça!, lá me vêm uns paspalhos estragar-me a sesta...". Tem dois miúdos ranhosos agarrados às pernas. Silêncio. "Bom dia, senhora". Silêncio. Quanto é a entrada? "Cém merrés". Silêncio. Entrego o dinheiro e faço questão de receber os bilhetes. Para recordação, digo à minha prima. Por desaforo, digo aos tais botões meus.

No corredor principal ainda, revejo "Tarrafal, o pântano da morte", de Cândido Oliveira, que lera aos quinze anos com lágrimas nos olhos. O vento sopra suavemente por entre as casernas, o poço e as grades da história. Levo comigo a minha máquina, naturalmente. Por isso escuto apenas o vento desta vez: abstenho-me da contemplação, até para me proteger do desencanto. Em vez disso, enquadramento, quantidade de luz, posição do Sol, velocidade de disparo. Em vez disso grades retorcidas, nesgas de céu para lá do portão entreaberto, a pequena capela ao fundo na imensidão do corredor embasaltado. Quereria rostos, como é evidente. Corpos decrépitos a caminharem trôpegos pelos espaços agora vazios do campo. Olhares que adivinho mortiços na angústia de quem já não espera. Olhares do Algarve ao Alentejo para aqui transpostos pela bestialidade dos homens. Olhares de Luanda, olhares de Bissau, olhares de São Tomé, olhares de Lourenço Marques. Olhares dessas ilhas de que nos fala Pedro Martins e os outros.

Quereria também história, com certeza. Alguém para me contar - e à minha prima e o marido - as coisas que estas paredes assistiram, impunes, sem ao menos poderem dizer ao mundo. Alguém para nos contar estórias do campo, pois. Em multilingue para que ressoasse aos quatro cantos do universo. (Deito um olhar angustiado à senhora agora esparramada numa velha cadeira numa sombra à entrada. Com os miúdos à perna ainda...).

Desviámos à direita e depois de atravessar um portão entreaberto "descobrimos" duas alas com fotos de antigos prisioneiros angolanos e guineenses. O silêncio ali clama à contemplação. Pede-nos humildade e respeito. Reflexão. Por enquanto, desbrago-me a fazer fotografias tão só. Luz e contra-luz. Nesgas de Sol que entram pelas grades e iluminam o outro lado da parede. As fotos são enormes, imponentes. Prometo a mim mesmo regressar com calma - sem a máquina! - para lhes consumir os rostos. Destrinçar os olhares. Desbravar as rugas como quem entra em território desconhecido. Embrenhar-me pelas suas angústias, se calhar até escrever um poema qualquer em sua memória. Hei-de voltar, sim senhor.

Ao redor dos edifícios e nos corredores, a vivacidade das ervas brada-me abandono. Triste, muito triste. E eu que quereria museu... Ah!, mas agora compreendo a razão das cabras que vi outro dia na Fortaleza de Cidade Velha: não são cabras, pois. São funcionárias de limpeza. Devem ter até contrato assinado, cartão do INPS, direito a férias e subsídio de Natal. Pena que não falem o meu crioulo para me contarem as tais estórias. E muito menos inglês ou francês, naturalmente. Transfiram, portanto, parte das cabr...digo, das funcionárias de limpeza, ao campo de concentração de Tarrafal. Imediatamente! Se houver resistências e ameaças de greve, que venham então as vacas das ruas de Palmarejo! Mas agora com este verde todo que cobre a ilha eram capazes até de ficarem snobs e recusar o convite, essas atrevidas. E eu que quereria museu...

À saída, cerca-nos um grupo de cinco ou seis miúdos. Entre eles, os dois que inda agora colavam-se às pernas da senhora dos bilhetes. Nhôs dan um kusa. Digo-lhes que não, e em jeito de filósofo maluco digo-lhes que mininu ka ta pidi dinhêro, nhôs devia sta era na skola! Olham-me assim mesmo - como um filósofo maluco - apenas por uma fracção de segundo antes de zarparem à minha prima e marido. Digo a estes que não lhes dêm dinheiro e os miúdos agora crucificam-me com o olhar. Sou eu, agora, o carrasco, a crueldade em pessoa, o abusador de crianças. Na porta, a senhora continua esparramada na cadeira, agora observando a cena com o queixo pousado numa das mãos. Silêncio. Coisa tão banal, afinal... Depois falamos de thugs, abandono escolar, criminalidade juvenil, São Martinho a abarrotar pelas costuras, minha esposa angustiada pelos dramas que lhe vão desfilando pela sala. Quase que mando à bardamerda a senhora no portão com as mãos no queixo, mas lembro-me a tempo dos miúdos ao redor e dos tais valores meus. Seria uma contradição, pois. Eu que iria assim exigir valores aos miúdos. E um museu ali ao lado, dizia...

Assim vamos caminhando, nesta Quinta-feira solarenga de verdeazul. (Des)construindo história. (Des)construindo respeito e memórias. (Des)construindo valores. (Des)construindo o pouco que nos resta já de registos do nosso percurso colectivo. E eu que - porra! (não resisti) - queria apenas um museu ali no campo de concentração de Tarrafal...



(Campo de concentração de Tarrafal - Fotos de PD)

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