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terça-feira, 27 de novembro de 2007

Caminhada do mês: Pico Leão / Assomada

"Lembras-te Digho
das noites longas de Assomada
feitas Far-West
e dos rios de fodjadas
sob os nossos pés ritmando
de crianças
em loucas correrias verdes?

Todos nós éramos índios
negros brancos e mulatos
todos éramos peles-vermelhas
de escalpes crioulos

Lembras-te, Tchikosa
das noites longas de Assomada
das varandas debruçadas sobre Assomada
e dos pardieiros feitos castelos
Riba kontra Baxu Kutelo kontra Somada
nas noites longas de Assomada?

Todos nós éramos
Nhagar de coração
plenos de Natal
plenos de Assomada"

(...)

in Assomada Nocturna, de José Luís Hopfer Almada

O meu primeiro “contacto” com Assomada deu-se através deste poema, que li tinha aí uns 17 anos. Encantou-me logo a então vila, os kutelos e achadas do poema, que me lembravam os montes e ribeiras da minha ilha, as estórias e aventuras de menino que então adivinhava saltando dos versos do JL directamente para as hortas de cana e bananeira de Nhá Júlia d’Ana lá no meu Fajã Domingas Bentas, via-me ali também no poema mais o Gilson, o Cai de Mari d’Joana, o César e o Jon Bunita também nós nos nossos pardieiros feito castelos de Trouxe as Cartas, Cavaleiro Inglês, Papagaio Louro...

Meu segundo contacto, nove anos depois, foi quando fui tansferido para Santiago em 2002. Tive então a felicidade de cruzar o concelho de Santa Catarina de lés a lés, e (re)visitar todos os lugares de que me falava o poema acima citado. Até pareceu-me que tinha ali o JL a mostrar-me cada um dos lugares da sua infância no Assomada Nocturna!

O terceiro “contacto” a registar, foi sem dúvida neste último domingo. Porque de um outro prisma. Num outro poema, que agora se construiu minuto a minuto, metro a metro, enquanto avançávamos de Pico Leão, galgávamos a rocha íngreme até Achada Mula, cruzávamos este planalto absorvendo em golpadas a brisa suave que descia pela encosta de Pico d’Antónia. A agora cidade de Assomada que se estende de repente a nossos pés, acariciando-nos a alma e o olhar ali do miradouro, depois de cerca de 2 horas de caminhada, o ventinho quase frio contornando o cutelo, a água gelada que nos lava o rosto e a alma na descida de uma hora, as canas que se abrem em flôr de novembro como as da minha ribeira lá longe, a gostosa feijoada da Cozinha da Avó na Assomada em festa para nos saciar a fome, o cansaço e a busca pelo Cabo Verde profundo...

Deixo-vos um cheirinho para completar a descrição. Obrigado, Célia, por mais essa descoberta. Obrigado, Jaiminho, pelas informações. Obrigado a todos os colegas do “Caminheiros Sem Fronteiras”! Até a edição de Dezembro para mais um percurso na ilha...

(Fotos de Paulino Dias)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Próxima caminhada

Aí, pessoal, a caminhada deste mês promete. Depois de amanhã, 25/11, os "Caminheiros Sem Fronteira" vão fazer a trilha Pico Leão / Assomada, passando por Achada Mula, sob a "batuta" do Jaime. Aguardem pelas fotos na próxima semana, ok?

Já no Sábado (amanhã), vou aquecer o motor com outro grupo, percorrendo o vale de Cidade Velha.

Inté, bom final de semana a todos!

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Do amor na ilha...

E porque hoje acordei com o teu sorriso na ponta dos meus dedos, deixo-te aqui a crónica que te escrevi há mais de dois anos. Em jeito de catarse, para espantar o frio e a memória...
....................

1. Do amor menino na planta dos meus pés descalços a escrever nas ladeiras do povoado uma canção de gargalhadas e catequese aos domingos. Do amor menino ainda dos meus cinco anos, mais o amor à Dina de Mari d’Jona – vinte anos mais velha e a alvidez do sorriso a esvair-se na retina dos meus olhos como talos de rebuçados. E a infantil angústia de vê-la casar-se com Totone de Nhá Vininha nos idos dos anos oitenta, mais a emigração depois a ciciar-me no ouvido uma canção de despedida...

2. Do amor menino à Gracinda de Ti Djô d’Engrácia, o primeiro beijo que me chega assim na lavada de Borronque sob a cobertura de Trouxe as Cartas, Casamento Inglês e Senhor Barqueiro Deixe-me Passar, que nos envolve o medo e a curiosidade como um rumor lá da Bordeira de Fajã Diante. E o amor adolescente ali na Rua 9 de Ribeira Bote a espreitar da janela um punhado de versos sob os belos olhos de Taty de Nhô Frank no passeio defronte, a angustiante timidez a calar-me na garganta o desespero de tantas madrugadas.

3. Do amor estudante ali na Rua São João Número 34/301 mais a suave brisa do Guanabara a pintar nos nórdicos olhos da Julia Teuber o indício primeiro da minha anunciada loucura, os longos cabelos loiros sobre meu peito d’ilhéu na barca Niterói-Praça XV às três da manhã, e os poemas rasgados de seguida a meio de um gesto enraivecido de dor e distância. E do amor homem depois...

4. Do amor homem da ilha que me atinge assim sem mais nem menos à entrada de Lugar de Guene, às 07h55mn de uma manhã qualquer de fevereiro. E então procurei-te. Nas curvas do vale enlouquecidas de verde-e-branco, na marca de meus passos sobre o tímpano da ilha, num punhado de versos que sepultei logo depois à sombra de uma oração, procurei-te perdidamente na minha loucura como o bálsamo derradeiro da minha inquietação.

5. Bela! Como um poema nas noites calmas de agosto. Bela! O dó-ré-mi de um violão nos meus dedos sobre teu corpo. Bela! Contornos de uma lágrima que te espreita timidamente pelo retrovisor. O tempo em teus olhos, nos teus cabelos feito pássaros em debandada, na minha mão direita sobre teu corpo-ilha, no beijo que pousei em teus lábios como um poema numa manhã de outubro. Construí sobre teu corpo – pedra a pedra gota a gota – um rumor de tantos versos no silêncio das noites incompletas, gos-to-sa-men-te incompletas. E trago ainda na palma da mão o mesmo beijo que te roubei certa vez à porta da minha loucura. Mas mais do que o beijo – caramba! – o olhar.

6. Amo-te. E odeio-te. Perdidamente, como um poema do Neruda. Amo-te. Ou odeio-te. Em mim, esta dúvida na planta dos pés a pisarem pela milésima vez o cascalho da ribeira a teu lado, a Lua a dedilhar nos teus lábios o verso que te fiz ontem de madrugada enquanto o sono não vinha. Entre o amor e o ódio, a raiva e o erotismo em ebulição à flor da pele, a ponta dos dedos no teu rosto sobre meu peito, entre teu olhar de menina e teu beijo de mulher sob meus cabelos crespos enlouquecidos de ternura, amo-te. E odeio-te.

7. Os olhos. O telefone que toca justo a meio de um verso para me dizer ‘m ta gosta d’bô. Os olhos. A menina de uniforme verde-e-branco que vi um dia na estrada poeirenta do vale, verso antecipado dos mil poemas que haveria de escrever – e rasgar de seguida! – na palma da minha mão esquerda. Os olhos. Há qualquer coisa inexplicável e bela por detrás da menina dos teus olhos. Rumores de um mistério, o gesto suspenso na encruzilhada de duas almas, a cidade depois a teus pés no rastro de um navio negreiro, o verso que me entra assim de repente pela janela escancarada...

8. Procuro-te. Também corpo. Também lábios. Sexo arquejante no ranger das horas. Também suor. Também gritos. Gemidos de esperma em noites clandestinas de meus dedos que te buscam! Procuro-te. Desesperadamente procuro-te. Mulher da ilha verso&tambor, sexo louco em madrugadas insones, dor. Dor! Doooor! Procuro-te até à porta da minha loucura (o beijo subtil pousado em teus lábios enquanto dormes, como o vento nas velas caídas de um navio negreiro...). Procuro-te. Agora mulher. Agora pecado. Agora poema. Agora dor!

9. Nas pedras da ilha ficaram para sempre as marcas da nossa loucura, o farfalhar do vento na retina dos teus olhos...


Fajã Domingas Bentas, 2005 - numa noite qualquer de Agosto


("Tentação" - foto de Armanda Com)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Silva de Junzim d´Polina


Não sei, sinceramente, porque te escrevo estas linhas, nesta noite de novembro debruada de estrelas e de silêncios. Não é domingo de manhã, não é Natal nem é Dia das Mães, teu aniversário é apenas a 29 de dezembro... Talvez saudade, talvez solidão, o cálice de grogue no parapeito da varanda desperta o acorde que me invade a noite e o poema. Revejo a tua fotografia na pasta do computador, o timbre da tua voz chega-me inesperadamente como uma velha canção de ninar. Sinto de repente uma falta enorme desta tua voz, do sopro da tua voz no meu ouvido esquerdo contando-me estorias de diazá, enquanto acaricias ternamente os meus cabelos crespos de mundo e de sonhos. Quero voltar a ser criança neste preciso momento. Recostar o meu rosto de ilha no teu regaço ali na bancada à frente da casa e contar as estrelas pela milésima vez à procura da resposta certa, como fazia quando menino, lembras-te? Não pensar. Quero ficar assim perto de ti, nem que seja por um minuto apenas. Não pensar em nada. Sentir tão só o mundo ao teu redor, respirar o mundo, absorver o mundo em matizes de cor e sons pela manhã da ilha, embrenhar-me no mundo como o tal moço doido que fui outrora, à cata de restos de poema e de sonhos nas rugas do teu rosto e nos teus cabelos brancos de ternura.

Deixas, mãezinha? Cheirinho bom de café e cachupa guizada, este que me chega assim de repente numa suave saudade...


(“Silva de Junzim d´Pólina” – foto de Paulino Dias)

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Happy birthday to you...

Ontem este meu cantinho intimista completou o primeiro ano de vida. E nem me dei conta, caramba, tão febril e sonhador que estou nestes dias!

Até parece que foi ontem, quando, sob influência de uma amiga minha, decidi rabiscar as primeiras letras nesta tal blogosfera. Dvéra dvéra, o tempo voa na ponta dos dedos quando escrevo, e o ponteiro de relógio não é mais do que uma nota no rodapé do poema...

Um muito obrigado a todos pela vossa visita, pelos vossos comentários e pelos vossos e-mails, ao longo deste primeiro ano. Depois envio um convite para o bolo acima, ok?

Releiam aqui o primeiro post do blog.

Abraços,

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Um telefonema às 07h32mn


O dia acordou hoje abafado e triste. Apetece-me neste preciso momento dar um grandesíssimo grito, e mandar àquela parte – sem dó nem piedade! - os deuses todos desta minha freguesia…

Porquê, Fáia de Totóna, porquê????????????????

Agora que te foste, o que faço com a foto que eu te fiz ali na borda do tanque de Marrador no ano passado, e que diazá estou para te enviar? O que faço com as nossas memórias da escola primária ali com a Professora Bibia de Chiquim, o que faço com a lembrança das tardes percorridas anos depois a caminho do externato de Povoação, do teu peito aberto de menino-moço de meter respeito?

Ahn, Fáia???

Vou tomar um café. Talvez à noite escreva mais um daqueles poeminhas de merda, assim que a raiva se diluir e passear-me pela fronte um tintinho assim de dor e saudade…


(“Amanhecer entristecido” – foto de Paulino Dias)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Um post para a Eury


E por falar em porto, Eury, o teu Porto de Calheta, trazes-me irremediavelmente à memória, neste barulhento entardecer da cidade grande, os rumores dos tanques do meu Fajã distante. Nós não tínhamos o teu mar por perto, Eury. O mar, para nós, resumia-se ao triangulozinho verde-azul invertido que víamos por detrás do Topo de Miranda ali no meio da foto acima, ao barulho das ondas esquebrando violentamente na ourela de Povoação, e que nos seduzia a curiosidade infantil nos domingos de catequese quando íamos à igreja, ao bran-bran de arrastar de botes nos Lajedos de Ponta do Sol, para onde fugia invariavelmente quando acompanhava a minha mãe a esta vila. O cheiro de maresia, Eury, era algo distante e novo, trazido de vez em quando pelos berros da Francisca de Ponta do Sol com a sua tina de cavaaaaaala fréééééééésc, oli cavááááááála! (e nós, moleques, escondidos atrás das moitas de bananeira de Nhô Móne de Quina, a responder quer d´zer ogóóóóóóra!!!!...).
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Mas tínhamos os tanques, Eury. Borrónque, Chã de Henrique, Lima, Marrador, Boca de Patinhas, Pedrene... Sabíamos-lhe de cor a textura, o gosto e a temperatura, quase que lhes sentíamos o cheiro. Sabíamos as veredas, o tempo e a história, sabíamos as horas de "destapá ténque", e os cronogramas de enchimento: já êl tá na primêr férr! Ténq de Marrador tá k 2 pédras d´água! Uabá, ténq de Borrónque tá quase cheio, moço!. Sabíamos também os "mirins d´água", Eury. Seus nomes, suas rotinas, seus estilos. Nhô Djô d´Ingelina, Brito, André de Tunkninha, Roseno, Djô M´leguéta, Nhô Jõn Ntunin, Nhô Mórc... Quem nos deixava nadar nos tanques tranquilos e quem trazia no cinto de três pernas o rigor da proibição (e a adrenalina da fuga quando lá ouvíamos o alerta - oli Nhô Mórc ta beeeem!).
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No verão, a água quasi-morna dos tanques entranhava-nos a alma como uma doce memória, Eury. Vinha gente da Povoação e Ponta do Sol nos passeios de domingo ao interior do vale, vinham caravanas de São Vicente e de outros pontos de Santo Antão, os estudantes em férias na ilha, a manga madura roubada no caminho do tanque que nos lambuzava o rosto, os olhos e a traquinice, as brincadeiras de pánhada dentro de água (o Gilson era o féra nessas panhádas, menos pela sua maestria e mais pelo vigôr como chutava o infeliz que tentasse agarrá-lo ali no fundo do tanque...).
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Porque haverias de me lembrar dos tanques da minha infância justo hoje, ahn Eurídice? Agora ficou a saudade, forte, como uma nota destoante....
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("Tanque de Chã de Henrique" - foto de Paulino Dias)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

E por falar em caminhadas...

... noutras ilhas também se fazem caminhadas, galera! Especialmente na minha, Santo Antão, marcada por uma orografia que nos permite momentos únicos e vistas de tirar o fôlego. Leiam aqui a caminhada do Benvindo, do www.sinta10.blogspot.com
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Benvindo, uma sugestão de trajecto em SA: de Tarrafal de Monte Trigo a Ponta do Sol, passando por Norte, Ribeira da Cruz, Figueiras, Rª Alta, Cruzinha e Fontaínhas. A região mais montanhosa de todo o arquipélago, sem dúvida, com uns pontos de fotografia ímpares. Grau de dificuldade: média. Podes fazê-lo em 5 dias.
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Outro trajecto interessante (este mais curto): Corda/Xoxô, passando por Losnã. Quando nos encontrarmos em Santo Antão, prepare a mochila e a máquina, vamos combinar algumas caminhadas. Sugestão: fazer o percurso inverso ao que fizeste, iniciando em Vila das Pombas, subindo ao longo do vale do Paúl até Cova, e descer no outro lado, em Rabo Curto (Ribeira da Torre), passando ao lado do local onde o avião embateu. Qui tal?
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Célia, fica aqui também o convite/desafio, de levarmos um dia os "Caminheiros Sem Fronteira" de Santiago para Santo Antão, ok?
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Um abraço,