Ontem foi teu primeiro dia de aula, minha princesinha distante. E nem pude estar lá para te segurar as mãozitas que pressenti acanhadas pelo telefone, no be-a-bá deste primeiro dia...
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Eu poderia te dar mil e uma desculpas: o trabalho, a distância, a greve na TACV, o mar revolto no canal, a falta de tempo... Em vez disso, e para me penitenciar, escrevo-te este post que vou imprimir e guardar carinhosamente até que aprendas a lê-lo por ti mesma. Sabes, ainda tenho fresca na memória o meu primeiro dia de aula: o friozinho daquela manhã também de setembro, os olhos bondosos da professora Bibia de Chiquim esperando-nos lá na velha escola coberta de palha, a ansiedade, um quê de descoberta que nos entranha a alma.
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Sobretudo a descoberta. A escola mostra-nos caminhos novos, minha filha. Outros mundos, outros sentidos das coisas, amplia nossos horizontes para lá das montanhas e do mar que nos cercam. A escola - enquanto espaço de educação e fonte de conhecimento - molda-nos também como seres humanos, porque melhora a nossa capacidade de FAZER ESCOLHAS. Vais aprender, minha filha, que tudo na vida acaba por ser resultado das escolhas que fazes, desde as coisinhas simples do dia-a-dia às grandes decisões que te esperam quando cresceres. E para fazeres boas escolhas, é necessário o conhecimento, a formação humana, os valores e os princípios que procuramos - nós, a família, a professora, os vizinhos - cultivar em ti.
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Não há nada mais belo do que a liberdade, minha filha. Sobretudo a liberdade de pensamento e de raciocínio, que a escola nos estimula. Liberdade de ter as tuas próprias opiniões - respeitando sempre sempre sempre as dos outros -, liberdade de fazer os teus próprios juízos de valor, de ter a tua própria percepção das coisas, de fazer as tuas escolhas, liberdade até de apreender e determinar os nossos próprios limites em função da liberdade do outro. Infelizmente, filha, esta é uma liberdade cada vez mais rara e difícil de cultivar, porque todos os dias somos severamente bombardeados com uma quantidade enorme de informações com o único objectivo de influenciar o sentido das nossas escolhas: a cor da roupa que deves usar, o tipo de pão que deves comer de manhã, se desves ou não gostar do Presidente dos EUA... A informação, que devia educar, é usada assim para cercear o bem mais precioso que nós temos, filha: a liberdade.
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A escola, Patrícia, ajuda-nos a conservar e reforçar esta liberdade, através da promoção do nosso desenvolvimento pessoal e intelectual. O conhecimento liberta. E ao mesmo tempo dá-nos a consciência da nossa verdadeira dimensão no universo a que pertencemos, tornando-nos assim mais humildes, mais tolerantes, mais respeitadores das pessoas e das coisas que nos cercam. A sede de conhecimento, logo que se lhe pega o gosto, nunca mais se esgota, vais ver. A boa notícia é que não cansa e dá imenso prazer!
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Meus parabéns pelo teu primeiro dia de aula, filha. E que nunca nunca deixes de cultivar a tal LIBERDADE DE PENSAMENTO a que eu referi atrás.
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Do teu pai, com saudades,
("Patrícia" - foto de Paulino Dias)