Google Translator

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A vingança 2 (conto)

Continuação deste conto

..................

Bastava um telefonema, Sr. Juiz. Um único telefonema, uma frase de desencanto e pronto. Estaria tudo terminado: a expectativa, o sonho, as noites em claro à espera de ouvir o tal chamado que nunca veio, o mundo maravilhoso que quis seguir quando deixei as ladeiras da minha ilha. Precisava apenas um telefonema para soltar as amarras que a ele me prendiam para que pudesse – depois da queda – seguir o meu caminho. Um telefonema, a verdade e o desengano, Sr. Juíz.


Mas não! Preferiu o silêncio vil, a covardia mesquinha, o impudico esquecimento. Preferiu a minha eterna raiva a uma tristeza que em si seria passageira, depois da lágrima que se soltaria naturalmente após o baque. Preferiu a minha morte lenta – dolorosa! – entre o escoar do tempo nos ponteiros do relógio e o calcorrear as ruas de Sóncent com a tina de cavala fresca na cabeça. Oli caváááááááálaaa! Caváááála frêêêsc! Angústia do telefone ali mudo em cima do parco mobiliário nas tardes em que voltava da labuta. Oli melôôôôn! Melôôôn frisquiiiiim! E o silêncio. Insónia. A lágrima solitária primeiro, a raiva depois. A raiva que vai se alastrando inexoravelmente pelas artérias. Quem crê bediooon? Oli bedioooon!


A raiva, Sr. Juíz. A raiva. O Senhor sabe o que é isso, Sr. Juíz? Hoje ‘m tem sô arenque, nhá Bia, ocê ta comprá um kilim? Sabe sim senhor, todo mundo sabe. Todo mundo já sentiu raiva alguma vez na vida. É uma coisa assim que nos invade, ora lentamente, ora de rompante que nem temos tempo de gemer um ai e o monstro ali já está, alojado entre o nó na garganta que nos impede a fala, e os nervos tensos como que a preparar o bote. O desejo de ferir. A ambição da humilhar. A gana de matar. Matar, Sr. Juíz. Ó Djosa, bsôt pescá algum cosa hoje pam podê bá vendê na Monte Sossego? A raiva é uma coisa fudida, Sr. Juíz. Olha o respeito, menina!, está num tribunal! A raiva…


Mas nunca pensei em matar este fulano, juro! Não o seu corpo, a sua mente, o seu nome, a sua raça. A minha raiva era mais subtil, Sr. Juíz. Mais fria e calculista. Concentrada. A minha raiva – não sei porque cargas d’água – dirigia-se sobretudo contra o seu pirilau. Isso mesmo, Sr. Juíz, o estupor do pirilau. Que me fez cair na tentação ali no quintal de bananeira de Nhá Mari Gregória depois das promessas de visto pá Holanda. Que me levara os três vinténs, a vergonha, e o amor sincero e puro de Piduca de Nhô Ntunzim. Que me jogara nestas ruas da outra ilha com uma tina de peixe na cabeça depois do silêncio doloroso do telefone na mesinha da cabeceira, por meses a fio. Que acalentou depois minhas noites de olhos grilidos em espera, à mistura com desejos insanos de vingança!


Oli cavááááááála! Cavááála frêêêsc! E soube então – por um acaso, Sr. Juíz! - que ele estaria de regresso a Cabo Verde na semana seguinte, junto com a mulher e os filhos, para o Festival da Baía das Gatas. Ainda por cima com a mulher e os filhos! E ele nunca me dissera nada, o estupor. Nunca soube que ele era casado, com família constituído la ná tchon d’Holanda onde prometera me levar só para me roubar os três vinténs…


O que o Senhor queria que eu fizesse, Sr. Juíz? Depois do silêncio do telefone, depois das noites de insónia, depois da angústia, depois da solidão, depois da raiva, o que o Sr. queria que eu fizesse com o seu pirilau, ahn, Sr. Juíz?


Sem comentários: