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segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Primeira caminhada do ano...

Depois das férias, do Natal resplandecente de sorrisos e gargalhadas ali no outro cutelo, depois da festa de fim de ano no terraço do Ntone de Nóna lá em Fajã e do rumor das manhãs nas lavadas debruadas de mil-pés e clandestinos “FODÊ’s”, eis-me que de ti me acerco novamente ilha. De ti, da imensidão ocre das tuas achadas nesta manhã de Janeiro, do palmilhar das veredas por onde meu avô escravo fugiu entre ribombos de canhão-piratas e ecos de chicote, e da memória estampada nos muros da Cidade Velha onde um grupo de moços dilui no grogue e na cerveja os restos da madrugada festiva.

Acerco-me de ti, ilha, como o filho pródigo que aos teus pétreos braços retorna. Acerco-me de ti, em Alto Gouveia primeiro, Mosquito d’Horta onde os casebres nos acenam a solidão e a angústia do abandono, na longa achada palmilhada sob o ritmo do Sol a bombordo, com o vulcão do Fogo a insuflar-nos a alma de espanto, na povoação de João Bernardo de seguida, a morabéza que nos aguarda na pequena casa à beira da estrada, o café gostoso que nos servem no corredor mais o cálice de grogue entre guizas de morte pela saudade daquela senhora que morrera dois anos atrás, Libron de Engenhos ao lado, Mato Gegê, na descida empoeirada, Telhal de Engenhos – a cerveja gelada que nos limpa a poeira da garganta e da alma ali à sombra da mangueira, o velho casarão colonial que nos remete às histórias de rendeiros, gritos de revoltas, Rubom Manel nas esquinas das paredes envelhecidas, o tempo novamente que em mim se esvai e me transporta ate a miuda com a crianca bambuda nas costas...

Por mais de cinco horas acerquei-me de ti neste último domingo, ilha. Mais a Célia, o Zé Pedro, o Carlos, o Chico, a Nadége, o Luís, a Sheila, o Afonso, a Déborah, a Irani, e tantos outros. Caminhamos, ilha, à sombra dos teus campos, na ilharga da brisa suave que nos carregava ao dobrar as encostas dos montes, caminhamos bêbados de poesia nesta manhã de Santiago sob o chão do “Assomada Noturna” do JLHA onde trafegam nossos pés em movimento!


(“Caminhada Mosquito d’Horta – Telhal de Engenhos, 27/01/2008”, fotos de PD)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Em jeito de biografia 3

Fale também dos seus projectos. Sobretudo dos projectos, sim senhor. E se te sobrar algum espaço nas folhas em branco do teu caderno, agora sim, fale da sua história. Em jeito de biografia. Poderás dizer que nasceu à beira da ilha numa tarde calma de setembro. Corria o ano 1976, disseram-lhe os seus pais, e por pouco não teve seu destino atrelado ao mar do canal. Pule agora trinta e um anos de estórias e diga apenas que te amou. Inesperadamente. Sem aviso prévio, apenas com um quê de loucura e poesia – ia dizer irreverência - a perpassar-lhe a menina dos seus olhos. Podes até dizer que sentiste medo, num primeiro instante. Mas que depois se diluiu num abraço terno e nos acordes da música “A mim já’m cria ser poeta” que dedilhou no violão – só para ti – ali na varanda do seu apartamento. A lua cheia passeava calmamente no céu destas ilhas naquela noite, lembras-te?

(“Fretcha dzurida ma Tópe de M’randa tá spretá” – foto de PD)

Em jeito de biografia 2

Não te esqueças de dizer também dos seus sonhos: os megalómenos e os simples desejos. A ilha enraizada na sua epiderme feito abraço perdidamente enamorado. Estender-se de costas na lava negra de Chã das Caldeiras no Fogo e ver a lua cheia a perder-se no firmamento. Contigo a seu lado, naturalmente. Um outro discurso para as gentes da ilha, claro está. Não importa se do José ou do Jorge, apenas que seja prenhe de dignidade. O poema por escrever, a última fotografia por fazer, até a música que quis compôr só para que nela reflectisse o teu sorriso de menina-mulher.

(“Fretcha dzurida na tarde de rótcha e céu” – Foto de PD)


quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Em jeito de biografia 1

Dirás um dia no teu diário de intimidades, sobre o moço quase doido que num dia qualquer de dezembro sussurou no teu ouvido “gosto de ti”. Assim inesperado e belo como um poema. Dirás ao mundo que ele talvez nem fosse assim tão louco. Apenas trazia nos olhos um brilho estranhamente sereno, qualquer coisa entre o sonho, a saudade e o desejo insano de viver cada momento como se fosse o último. E no seu epitáfio, quando ele se for numa manhã ensolarada de maio – será certamente numa manhã ensolarada, em maio talvez – escreverás em letras maísculas num quadro de mármore negro: aqui jaz o tal moço da ilha que amou alegremente cada segundo, tendo partido sem aviso prévio com uma overdose de poesia. Para que da vida não perdesse o encanto.

("Fretcha dzurida em note de lua cheia" - Foto de PD)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Resposta ao Kaka Barbosa

Caro Kaká Barbosa,

Só agora, por uma feliz coincidência, dou-me conta da tua presença no universo blogueiro. E dou de caras logo com uma nota que me é endereçada... Muito obrigado pelas palavras, mas sobretudo, muito obrigado por passar a partilhar connosco a tua pena!

Estas ilhas realmente nos tocam bem lá no fundo, Kaká. Sabes disso desde diazá, muito antes de eu mesmo lhes ter botado a vista em cima nos idos de 1976 quando saí do ventre de Silva de Junzim de Pólina. Sabes disso – os teus poemas e a tua música o dizem – aliás, ensinas-nos nisso.

Não as ilhas rocha-mar-azul-céu-verde-praças-árvores-de-natal- avenidas-iluminadas, e que passamos a vender aos gringos nos manuais da CI, mas as ilhas-alma que nos abraçam com ternura em cada manhã ao acordar e de nós se despedem ao bradar a noite as doze badaladas. As ilhas que pressentimos nos olhares, as ilhas nas rugas que dobram os cutelos do rosto do meu teu velho, as ilhas no suor, as ilhas no grogue mais o violão ao cair da noite no bar da Noémia no Paúl (lembras-te?), as ilhas nas histórias que me conta a velha/nova Dadá em Água Gato, as ilhas no tempo que me revisita ali no lombo de Pinhão sobre os braços estendidos de Nhô Mateus ainda gó turdia.

Não as ilhas nos tratados pseudo-intelectualóides- de-mandar-à-merda, Kaká. Nem nos panfletos clandestinos nas esquinas dos jornais. Que deles, confesso-te, estou farto até à exaustão. As ilhas-pessoas-de-carne-e-osso, Kaká. A história por detrás do olhar ali no outro lado da rua, o poema na barafunda do mercado de peixe ali no cais da Praia (sim senhor, poema!), a música meio entristecida no assobio da moça que surpreendo na borda do tanque de Chã de Henrique numa manhã qualquer de dezembro. Assim, sem pressa de enquadrar: sentir apenas, simplesmente.

Estas, as ilhas que me preenchem, Kaká...

Um abração, fico à espera do convite para a música!

(“Nhô Mateus ta mostrám camin” – Foto de Paulino Dias)