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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Subida ao Pico d’Antónia: Um bilhete para Kaka Barbosa

Dvéra dvéra, Kaká, há momentos que nos entranham a alma sima raíz de poilon tá esgrovetá pólme de subsolo no ventre da ilha. E lá no fundo se alojam para o resto das nossas vidas, assim poema, assim memória, assim grito de espanto solto inesperadamente na vertigem do precipício: obikuelu!!!!

Foi assim a subida ontem ao Pico Ntoni, Kaká. Lambia-nos a pele um friozinho de fevereiro ao descermos dos hiaces no Monte Tchóta. Ponto de partida, contagem dos participantes, foto de família. Diz-me a Célia que desta vez batemos o recorde: 47 caminheiros. Entre crioulos de várias ilhas, americanos, ingleses, espanhóis e brasileiros. Mais fotos. Ansiedades que já se despontam. Há no ar uma alegria genuína, um farfalhar de ani-cidades por entre o cheiro de eucaliptos. Espreita-nos a imponência do pico por entre a folhagem das árvores. Pés em movimento. Fila indiana. 47 sonhadores ta dscobri e ta namorá geometria destas ilhas, Kaká.

Adiante. A subida foi um tanto puxada. As vistas são deslumbrantes. A ilha que se espraia do Pico Ntoni à borda do oceano que lhe deteve o sonho de evasão. A bacia de São Jorge, as casas que se espalham lá em baixo feito casinhas de bonecas. No outro lado, a ponta do vulcão de Djar Fogo à espreita por entre as nuvens lá longe. O ventinho que nos acaricia suavemente a pele empoeirada já. E o primeiro pico: o precipício, a vista, o silêncio e a música depois. Sim senhor, Kaká, a música: porque não faltou lá em cima um violão, tocador de São Nicolau, grogue de Sintanton pa fazê um brinde, e grogue de Stancha para secar o suor. Carlos deve ter sido o primeiro crioulo a cantar “assassinato d’um tchuck” acompanhado pelo violão do Pedro, ali no telhado de Santiago!

E o precipício na pequena subida até o pico mais alto. Chiça Kaká, que até eu, cabra macho nascido e criado na vertigem das rotchas de Sintanton, tive um cagaço dos diabos! A coisa assusta, brother. O fundo da ilha num lado e noutro das nossas ihargas. O medo que nos aloja nas canelas trêmulas. Vertigens. Mas encanta, mesmo assim. Aliás, talvez até por isso: sentimo-nos arrepiantemente insignificantes. Porra, lá em cima, quase a tocar o céu, era para nos sentirmos mais próximos de Deus, assim uma espécie de parentes próximos na sua grandiosidade cósmica, não é? Mas não: sentimo-nos minúsculos, Kaká. Grãos de poeira, tão só, ao sabor das horas.

Em Covoada de São Jorge, depois de horas de descida, esperava-nos um carneiro sobre as brasas de um grelhador, mais a cerveja gelada e a simpatia do Chico. Ah, Kaká, mesmo com o corpo esbodegóde sima um saco de batata que rolá de rótcha, ainda um pila um funaná bem finkadu, ali no sopé do Pico Ntóni! Bêbado de ilha e de poemas. Bêbado de Cabo Verde profundo. Bêbado de Pico Ntoni, Kaká...




sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Caminhada deste Domingo: Piku Ntoni!!! (Duas notas para José Luís Hopfer Almada)

Caro JLHA, não nos conhecemos pessoalmente, mas não resisto: tenho que te fazer mánha. Este Domingo 24/02, vou subir finalmente o Piku Ntoni do teu Assomada Noturna.

Já quase que sinto as rugas da ilha sob nossos pés de "caminheiros sem fronteiras", levo na mochila - junto com a garrafa de água e a máquina fotográfica - o verso deste teu poema que semeou na minha epiderme esta fome insaciável de Santiago...

(...)
Todos nós éramos
solilóquios de pedras nuas
velando a geometria encarcerada da vida
sob a ténue sombra dos ciprestes
e a miraculada grandeza dos poilões

diálogos verbos pétreos
reverberando
nas noites longas da Assomada
(...)
JLHA

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Resposta ao João Branco

Caro JB,
Respondendo ao teu desafio, eis abaixo 12 palavras que de imediato me vêm à mente ao ler o teu post: mas o significado, sorry, só a minhalmadequasepoeta o pode dizer...

Fajã
Lua
Mánha
Poema
Cimbron
Dignidade
Psú
Lavada
Esquina
Cutelo
Min-gó!
Respeito

Candêr de pitrôl

Lendo a indignação do Abrão (e aproveitando para lhe "roubar" a fotografia do candêr de pitrol abaixo), veio-me a memória uma pequena cronica que escrevi no ano passado, em plena agonia dos cortes generalizados de luz eléctrica...

CANDÊR DE PITROL


A Electra tem nos deixado a todos no meio de uma escuridão dos diab... nãããã, não vou falar da Electra. Que sobre isso muita tinta já correu, muito já se disse, não há muita novidade por aí a não ser as 101 Dicas Para Viver Sem Luz que me vejo forçado a pôr em prática dia sim dia sim (por exemplo, estou a pensar seriamente em adoptar um look rasta ou black power: morro de medo de ir a uma barbearia nesses dias e ...puf!, a maldita electricidade escanelar-se bem a meio do corte de cabelo!).

Mas neste último mês não pára de me assediar os miolos aquela imagem do candêr de pitrôl que mamãe colocava todos os dias à noite no quarto que nos servia de sala de jantar. Quase que o vejo – alucinado que fico, à procura de luz luz luz!, quando chego em casa à noite – assim no seu formato cônico de lata reciclada, a “cabeça” de tampa de cerveja feito coroa de rainha, encimada com uma pequena forma cilíndrica por onde passa a torcida. E a chamazita – Deus, a chama! – que nos alumiava as horas, o mundo ao redor, as histórias de Ti M´guêl de Treza ali à porta da casa antes que invadissem o povoado os gongons e as bruxas de meia-noite a caminho de Esponjeiro.

O candêr de pitrôl fazia parte definitivamente do nosso mundo e do nosso imaginário. Antes dos cabos elétricos rasgarem os vales da ilha até os recôndidos de Fajã a Rabo Curto, não havia casa em que não se encontrasse esta imprescindível ferramenta, em todas as lojas era obrigatório ter lá o bidon de pitrôl que Nhô Chico d´Helena ia reabastecer de tempos em tempos com aquele enorme camião de combustível da Shell, e todo menino de mandado que se preze teria que saber comprar meio quarto de pitrôl ali na loja de Jóna Lima. Detestava comprar pitrôl, pessoal. Assim como levantar a torcida do candeeiro para aumentar a chama. O cheiro que nos ficava entranhado debaixo das unhas – imagina então se justo naquela hora nos resolve aparecer a tchutchinha, bolas!, quase que o beijinho saía com gosto de... pitrôl!

A utilidade do candêr de pitrôl não se resumia apenas à iluminação, claro. Devido aos supostos poderes curativos do pitrôl, o candeeiro era assim também uma espécie de mini-farmácia ou armazém de remédio: alguém estava com dor de barriga? Traga o candeeiro! Umbigo inflamado? Candeeeeeeiro! Comichão nos testículos? Toma lá torcida de pitrôl!! Mordida de cempê? Pitrôl era remédio santo...

Tínhamos também lá em casa o candeeiro de vidro, comprado lá na loja de Nhô Zeferino em Povoação. Mas este, credo!, só para ocasiões especiais tipo visita em casa, ou quando escrevia cartas pa Nununa em Holanda. Colocado ostensivamente no centro da mesa da sala sobre uma rendinha, o seu clarão alaranjado impunha-se rei e senhor sobre os rostos ansiosos e os rostos de saudade, enquanto mamãe ditava-me as mantenhas e abenças para o filho na terra-longe. O pior azar que nos podia acontecer era quebrar o vidro do candeeiro. Então o cinto de três pernas comia solto, como numa desgraçada tarde em que acidentalmente dei um encontrão na mesa, fazendo derrubar candeeiro, vidro, renda, a fotografia a preto e branco da minha prima Paulina na moldura dourada... meu pai ficou uma fera!

Mas não havia candeeiro que nos deixasse com os olhos tão grilidos de espanto como o petromax de Ti Jôn d´Bléca. Para nós aquela era uma novidade de outro mundo, era ver a potente luz a espalhar-se desde o corredor da sua casa até os pilares de cana ao redor e o trecho do caminho que passa em frente ao portão, alumiando-nos as mã-gatchádas, os pés e as vozes de menino nas noites estreladas de Fajã, os pés as vozes e a LUZ na tal comunhão sobre as horas noturnas em movimento.

Não sei porque me vêm tudo isso aos miolos justo agora, caramba!


("Lamparina" - foto tirada daqui)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ilhas na Cidade

Fazendo por minha vez eco de um post do Benvindo (do www.sinta10.blogspot.com). Porque não, Benvindo? Acrescentaria apenas Nhô Jõn d´Angela e os moços de Porto Novo ta tocá tambor pelas artérias da Cidade...

Vamos pensar nisso? Talvez por altura do 150º aniversário da Praia.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

"Eurásia"

Do meu amigo “Peter Silva” - companheiro das caminhadas de domingo, das achadas grávidas de pó e gargalhadas, dos cutelos deste Santiago profundo -, recebi este belíssimo poema na língua di tera. Obrigado pela participação, óh poeta!


N’gadanha na témpu

N’futi-futi na nety…

N’kônxi Eurásia!

Dagúma,

Frondôza, mimôza,

Prendada!

É dân ku stângu!

N’skúda na si voz

Meludióza!

N’lâbilâbi na krizta di sê pensamentu,

Ki luminâ’m nh’alma,

Sêndem xintitu,

S’kankarân mimória!

Bai di li, bem di lâ,

Nu marra friôlu, kômpassádu,

N’trokôla xintidu!


Xih!


Djôgu di mórti,

Atáka li, difêndi la,

Pa s’tibôrdu pa bômbordu,

Lumi sêndi, sukúru fitchâ,

Núbri labánta!

É môstra’n sê vergonha!

Strubáda rabenta, krân!

N’mânela tékla,

N’fukufuki’l nhâs krêris na són di letra,

Pan dismiôla’l butunku di bêz!

É lambuza inda si mê!...

Pa máz kin kunsa,

Pan dôlma’l xinditu,

S’pêransa, stribinka!

Fumu bránku, nem sinal!

Nha dizêju lagônguido,

Frutchi na missênha, sem bildjêti, nem passapórti,

Na s’pássu, é sêndi moda strêla,

N’bârka na nety…

Lebâ’l kêbrantu nh’alma,

Sôtádu, rabentádu!

Kâda bêz kin prâma na nety,

Dâ di dâ, kin’ôdja Eurásia,

N’ta xinti kâ sâbi ta entranha’n,

Ta levitâ’n, ta lêbia’n k’un sabura!

Ki ta disfâniká’n, ta n’tchôtchá’n Kâkú!

Kôrda môz!

Lembra ma bu recebi águ’l baptismu,

Kâ’u da lâstru, pa satanáz inferna’u!

Na kâxa PC,

Ôdju d’Eurásia n’fitissádu,

Ta garbáta, ta baskúdja, ta rabôlbe’m ti tutánu

É ta frútchi ki nem cendêru,

Ta barganha ki nem galápu!

Ta n’kuralâ’n nês prizôn d’ildjêu – prendêudu!

Mô kâbra na kúral.

N’ta kúda gô!

Sê dismamânta, é bâza na mar!

N’ta frantchi’l anzol, Kâ ta kâpri, nau!!!

Ku fôrsa’l s’kônxu, n’fazi bandôba, kôraçon – abruninci!

Nem ki bem térramóti, pa kába – úpu!

N’na, gô kê lâpi!...

Kôraçon ta sangra, n’pêga boba d’Eurásia,

É um krêris,

Ki ta marlôtá’n,

Mô ratádju!

É luminári na nha kôrpu,

Ki ta kírsi, é finadu ki tôma’n,

Piku d’inférnu, nem kê lebâ’n!

Kâ tem missa, nem ága-bénta

Ki ta s’kônjura sê kêbrantu!

Eurásia, Eurásia, Eurásia!

Di trâbéssu n’ka ta bai,

Nh’âlma, nha sprítu, stá na bum ô!

Si nês planeta nu kâ djôndju,

Nu ta djuguta’l ti lâ+i, na Kelôtu!

N’ta spêra’u, píamm!

Kê pa nu djunta, pa nu brinka, brinka ku litôn!

........................

Tcháda Santantóni, 10 di Janêru di 2004

Peter Silva

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Crónicas de Fajã 9

Revejo da janela o azul claro do céu de Pinhão. O verde nas canas ao redor da casa – teus olhos. Sinto novamente o teu cheiro no parapeito, o cheiro do pecado com teus cabelos soltos sob minhas mãos de dezembro. Tudo me lembra este teu cheiro: o lençol alegremente estampado (que ficou ali jogado no chão - desprogramadamente), a toalha de banho que partilhamos de seguida, até o abraço terno da minha mãe que me espera na soleira do portão enquanto me pergunta como ficaste. Tudo me lembra você.

Estou de regresso a Fajã – mais uma visita de dia e meio. Bia Tchabéta pergunta-me ali na segunda curva da subida pelas fotos da festa de fim de ano. Sissi d’Arcângela conta-me do sambrás do dia 20. Lena de Roberto de Nóna manda-te mantenhas. Tudo me lembra você. Como um doce castigo nesta tarde de fevereiro. Tudo me lembra você...

Junzim d’Pólina sacode a última gota de grogue do copo e conta-me dos tempos idos. Nhô Gustim de Pinhão, com quem fazia parelha nas paredes das FAIMO. Frank, o moço de coração bom, também daquelas bandas, ma de “linga rum” como o diabo. Jinja, filho de Nhô Mateus lá de Pinhão (o mesmo que noutro dia mostrám camin”). Que gaiatamente lhe surrupiava pedras e calços na levada de Pedrene. A namorada que lhe devolveu as cartas numa tarde má-criada de outubro (esta uma outra “estória”...!).

Mamãe acaba de entrar com uma tijelinha de cachupa guizada e duas bananas para o seu codê. Tudo me lembra você. Nem sei porque deste meu espanto...