Dvéra dvéra, Kaká, há momentos que nos entranham a alma sima raíz de poilon tá esgrovetá pólme de subsolo no ventre da ilha. E lá no fundo se alojam para o resto das nossas vidas, assim poema, assim memória, assim grito de espanto solto inesperadamente na vertigem do precipício: obikuelu!!!!
Foi assim a subida ontem ao Pico Ntoni, Kaká. Lambia-nos a pele um friozinho de fevereiro ao descermos dos hiaces no Monte Tchóta. Ponto de partida, contagem dos participantes, foto de família. Diz-me a Célia que desta vez batemos o recorde: 47 caminheiros. Entre crioulos de várias ilhas, americanos, ingleses, espanhóis e brasileiros. Mais fotos. Ansiedades que já se despontam. Há no ar uma alegria genuína, um farfalhar de ani-cidades por entre o cheiro de eucaliptos. Espreita-nos a imponência do pico por entre a folhagem das árvores. Pés
Adiante. A subida foi um tanto puxada. As vistas são deslumbrantes. A ilha que se espraia do Pico Ntoni à borda do oceano que lhe deteve o sonho de evasão. A bacia de São Jorge, as casas que se espalham lá em baixo feito casinhas de bonecas. No outro lado, a ponta do vulcão de Djar Fogo à espreita por entre as nuvens lá longe. O ventinho que nos acaricia suavemente a pele empoeirada já. E o primeiro pico: o precipício, a vista, o silêncio e a música depois. Sim senhor, Kaká, a música: porque não faltou lá em cima um violão, tocador de São Nicolau, grogue de Sintanton pa fazê um brinde, e grogue de Stancha para secar o suor. Carlos deve ter sido o primeiro crioulo a cantar “assassinato d’um tchuck” acompanhado pelo violão do Pedro, ali no telhado de Santiago!
E o precipício na pequena subida até o pico mais alto. Chiça Kaká, que até eu, cabra macho nascido e criado na vertigem das rotchas de Sintanton, tive um cagaço dos diabos! A coisa assusta, brother. O fundo da ilha num lado e noutro das nossas ihargas. O medo que nos aloja nas canelas trêmulas. Vertigens. Mas encanta, mesmo assim. Aliás, talvez até por isso: sentimo-nos arrepiantemente insignificantes. Porra, lá em cima, quase a tocar o céu, era para nos sentirmos mais próximos de Deus, assim uma espécie de parentes próximos na sua grandiosidade cósmica, não é? Mas não: sentimo-nos minúsculos, Kaká. Grãos de poeira, tão só, ao sabor das horas.
Em Covoada de São Jorge, depois de horas de descida, esperava-nos um carneiro sobre as brasas de um grelhador, mais a cerveja gelada e a simpatia do Chico. Ah, Kaká, mesmo com o corpo esbodegóde sima um saco de batata que rolá de rótcha, ainda um pila um funaná bem finkadu, ali no sopé do Pico Ntóni! Bêbado de ilha e de poemas. Bêbado de Cabo Verde profundo. Bêbado de Pico Ntoni, Kaká...