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sexta-feira, 28 de março de 2008

Vasculhando o baú 1

Para redimir-me deste silêncio de dias, e enquanto não me folga este relógio acelerado de projecto-de-empreendedor-por-conta-própria (eh eh eh), deixo-vos com velhos pedaços carcomidos do meu baú de memórias...


AZÁGUA


Era verde a cor dos teus olhos ali no sopé da colina naquela manhã de Agosto. Podia senti-lo, enquanto caminhava ainda trôpego de sono a teu lado, na mão direita o balaio com a cachupa guizada em banha de porco, duas batatas assadas, o termo de café, duas canecas e as colheres embrulhadas numa toalha quadriculada, que mamãe nos preparara para o dez-horas de logo mais. Assobiavas uma canção qualquer entre a farfalhar das folhas de bananeira ao redor e o cascalho quebradiço que me feria a sola dos pés. Nunca soube a letra da música mas tenho em mim que era alegre como o chilrear dos pardais que nos espreitavam dos ramos de ervilha.

Levavas ao ombro tua enxada no cabo longuilíneo de pau de goiabeira, e a tiracolo a algibeira de semear que mamãe costurara para ti, com dois litros de milho e uma mão fechada de feijão fava. De vez em quando interrompias o assobio para sorrir, como que para ti mesmo. E olhavas para mim com ternura de verde nos teus olhos de azágua, sim senhor, lembro-me bem, era verde a cor dos teus olhos ali nas veredas de Tapume e Pedregal naquelas manhãs de Agosto prenhes de sementeira.

Os espantalhos viriam depois quando despontassem à vida – e à esperança de boa azágua – as folhas tenras de verde rompendo a crosta da ilha. Milhos. Feijões. Pés de abóbora. Cruzes de caniço feito soldados em prumo, revestidas de trapos e sacos velhos acenando à brisa suave a tal ambição de milho verde. A ameaça silenciosa aos corvos e aos pardais de manhã à tarde, e a ameaça barulhenta do “toca-lata” com o Gilson, o Osvaldo Lis-Cóque e o César por-Déus, mais o xô pardal s´bi nó tópe d’tchê na covada Menél Gonçál manda dzêb s´êl pegób êl te matób, xôôôô pardaaaaal, que os moços do Cordas de Sol acabariam por popularizar mais tarde. (...)

Eram verdes os teus olhos quando te debruçavas sobre as covas de três quatro e cinco grãos de milho dois de feijão para espantar os fantasmas de secura e terra vermelha. Assim simetria na palma das tuas mãos, assobio na curva dos teus lábios e no dorso vergado sobre a terra, persistência no chão crã da ilha, enxada, teimosia, força. E a ternura de chegar a terra aos pés de milho primeiro, a monda e remonda depois, o cortar de flores antes do Sol a pino, a palha ressequida, e as espigas erectas sob nossos olhos de menino na pedra de prentém, camoca com leite de cabra e cachupa de milho de terra com toucinho e couve de Rabo Curto.

Hoje, vinte anos depois, ondê teus olhos verdes de azágua, Junzim d’Polina? Ondê tua enxada de cabo de goiabeira, ondê teu alegre assobio, tua algibeira de dois litros de milho e a mão fechada de feijão fava cruzada a tiracolo? Osvaldo Lis Cóque passeia nas ruas de Sóncente seu poema de juvita e óleo queimado, e eu – merda! – que faço eu aqui debruçado sobre a folha em branco como um moço entristecido? Há um mundo de internet lá fora, feijão enlatado com rolinhos de chouriço de Trás-os-Montes, festas do Fatiota ali no Flampa, cachupa guizada com longuiça di terra aos sábados de manhã lá na casa de pasto de Nhá Antónia no Plateau, cerveja gelada com búzio grelhado no barzinho de Achada de Santo António...

Ondê o verde nos teus olhos de minha azágua, pai?

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3 comentários:

Anónimo disse...

Palavras verdes de saudades da infância. Gostei muito.

Valdevino Bronze disse...

ôh Póline..m te cunfessob kem fka kuns grunzin d'(az)água ne conte d'oi. inda por cima disd temp de knikinha k mine bé espiá nhes tópume e nhes merada (...)

Abraços

Benvindo Rodrigues disse...

Forest...
Ainda bem que nos faz lembrar da nossa infância!! força!
Benvas.