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quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Um post para a Eury


E por falar em porto, Eury, o teu Porto de Calheta, trazes-me irremediavelmente à memória, neste barulhento entardecer da cidade grande, os rumores dos tanques do meu Fajã distante. Nós não tínhamos o teu mar por perto, Eury. O mar, para nós, resumia-se ao triangulozinho verde-azul invertido que víamos por detrás do Topo de Miranda ali no meio da foto acima, ao barulho das ondas esquebrando violentamente na ourela de Povoação, e que nos seduzia a curiosidade infantil nos domingos de catequese quando íamos à igreja, ao bran-bran de arrastar de botes nos Lajedos de Ponta do Sol, para onde fugia invariavelmente quando acompanhava a minha mãe a esta vila. O cheiro de maresia, Eury, era algo distante e novo, trazido de vez em quando pelos berros da Francisca de Ponta do Sol com a sua tina de cavaaaaaala fréééééééésc, oli cavááááááála! (e nós, moleques, escondidos atrás das moitas de bananeira de Nhô Móne de Quina, a responder quer d´zer ogóóóóóóra!!!!...).
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Mas tínhamos os tanques, Eury. Borrónque, Chã de Henrique, Lima, Marrador, Boca de Patinhas, Pedrene... Sabíamos-lhe de cor a textura, o gosto e a temperatura, quase que lhes sentíamos o cheiro. Sabíamos as veredas, o tempo e a história, sabíamos as horas de "destapá ténque", e os cronogramas de enchimento: já êl tá na primêr férr! Ténq de Marrador tá k 2 pédras d´água! Uabá, ténq de Borrónque tá quase cheio, moço!. Sabíamos também os "mirins d´água", Eury. Seus nomes, suas rotinas, seus estilos. Nhô Djô d´Ingelina, Brito, André de Tunkninha, Roseno, Djô M´leguéta, Nhô Jõn Ntunin, Nhô Mórc... Quem nos deixava nadar nos tanques tranquilos e quem trazia no cinto de três pernas o rigor da proibição (e a adrenalina da fuga quando lá ouvíamos o alerta - oli Nhô Mórc ta beeeem!).
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No verão, a água quasi-morna dos tanques entranhava-nos a alma como uma doce memória, Eury. Vinha gente da Povoação e Ponta do Sol nos passeios de domingo ao interior do vale, vinham caravanas de São Vicente e de outros pontos de Santo Antão, os estudantes em férias na ilha, a manga madura roubada no caminho do tanque que nos lambuzava o rosto, os olhos e a traquinice, as brincadeiras de pánhada dentro de água (o Gilson era o féra nessas panhádas, menos pela sua maestria e mais pelo vigôr como chutava o infeliz que tentasse agarrá-lo ali no fundo do tanque...).
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Porque haverias de me lembrar dos tanques da minha infância justo hoje, ahn Eurídice? Agora ficou a saudade, forte, como uma nota destoante....
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("Tanque de Chã de Henrique" - foto de Paulino Dias)

4 comentários:

Eurídice Monteiro disse...

Olá Lino

Gostei das tuas lembranças de infância!

A minha infância foi marcada pela imensidão do mar. Cresci numa baía prenhe de água salgada, mas sentia saudades das águas cristalinas de recantos que nem conhecia. Da minha varanda, eu via o nevoeiro na Serra de Malagueta. Assomada (a minha herança paterna) foi sempre a pasárgada dos meus sonhos. Por isso, sonho tanto com a chuva de Novembro e o friozinho da manhã em Assomada. Lembro-me com muita emoção de uma visita que fiz à tia-madrinha do meu pai na Boa Entrada. Fui com mais duas primas minhas (Janine e Ivanilde). A tia Zulmira e o tio João deixaram-nos fazer quase tudo o que nos dava na telha. Foi uma maravilha!... A água quentinha do tanque verde, as escorregadelas, as mangas madurinhas, o leite-dormido, etc. Caramba, Lino. Porque é que me trazes essas lembranças!?!

Bjs
Eury

Paulino Dias disse...

Eury,

Já dizia um amigo meu que "a lembrança é um lado da nossa dignidade"...

Bjs,
Paulino

Kamia disse...

Pois é, nada como lembrar das coisas boas da minineza.

Eu tive uma infância nómada onde coube tudo isso: mar na beirinha de casa, tanque e outras coisas mais.

Como nostálgica assumida que sou, gosto muito dos teus textos a lembrar as coisas de diasá.

Paulino Dias disse...

Obrigada pela visita, Chissana!

Abraço,
Paulino