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quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Do amor na ilha...

E porque hoje acordei com o teu sorriso na ponta dos meus dedos, deixo-te aqui a crónica que te escrevi há mais de dois anos. Em jeito de catarse, para espantar o frio e a memória...
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1. Do amor menino na planta dos meus pés descalços a escrever nas ladeiras do povoado uma canção de gargalhadas e catequese aos domingos. Do amor menino ainda dos meus cinco anos, mais o amor à Dina de Mari d’Jona – vinte anos mais velha e a alvidez do sorriso a esvair-se na retina dos meus olhos como talos de rebuçados. E a infantil angústia de vê-la casar-se com Totone de Nhá Vininha nos idos dos anos oitenta, mais a emigração depois a ciciar-me no ouvido uma canção de despedida...

2. Do amor menino à Gracinda de Ti Djô d’Engrácia, o primeiro beijo que me chega assim na lavada de Borronque sob a cobertura de Trouxe as Cartas, Casamento Inglês e Senhor Barqueiro Deixe-me Passar, que nos envolve o medo e a curiosidade como um rumor lá da Bordeira de Fajã Diante. E o amor adolescente ali na Rua 9 de Ribeira Bote a espreitar da janela um punhado de versos sob os belos olhos de Taty de Nhô Frank no passeio defronte, a angustiante timidez a calar-me na garganta o desespero de tantas madrugadas.

3. Do amor estudante ali na Rua São João Número 34/301 mais a suave brisa do Guanabara a pintar nos nórdicos olhos da Julia Teuber o indício primeiro da minha anunciada loucura, os longos cabelos loiros sobre meu peito d’ilhéu na barca Niterói-Praça XV às três da manhã, e os poemas rasgados de seguida a meio de um gesto enraivecido de dor e distância. E do amor homem depois...

4. Do amor homem da ilha que me atinge assim sem mais nem menos à entrada de Lugar de Guene, às 07h55mn de uma manhã qualquer de fevereiro. E então procurei-te. Nas curvas do vale enlouquecidas de verde-e-branco, na marca de meus passos sobre o tímpano da ilha, num punhado de versos que sepultei logo depois à sombra de uma oração, procurei-te perdidamente na minha loucura como o bálsamo derradeiro da minha inquietação.

5. Bela! Como um poema nas noites calmas de agosto. Bela! O dó-ré-mi de um violão nos meus dedos sobre teu corpo. Bela! Contornos de uma lágrima que te espreita timidamente pelo retrovisor. O tempo em teus olhos, nos teus cabelos feito pássaros em debandada, na minha mão direita sobre teu corpo-ilha, no beijo que pousei em teus lábios como um poema numa manhã de outubro. Construí sobre teu corpo – pedra a pedra gota a gota – um rumor de tantos versos no silêncio das noites incompletas, gos-to-sa-men-te incompletas. E trago ainda na palma da mão o mesmo beijo que te roubei certa vez à porta da minha loucura. Mas mais do que o beijo – caramba! – o olhar.

6. Amo-te. E odeio-te. Perdidamente, como um poema do Neruda. Amo-te. Ou odeio-te. Em mim, esta dúvida na planta dos pés a pisarem pela milésima vez o cascalho da ribeira a teu lado, a Lua a dedilhar nos teus lábios o verso que te fiz ontem de madrugada enquanto o sono não vinha. Entre o amor e o ódio, a raiva e o erotismo em ebulição à flor da pele, a ponta dos dedos no teu rosto sobre meu peito, entre teu olhar de menina e teu beijo de mulher sob meus cabelos crespos enlouquecidos de ternura, amo-te. E odeio-te.

7. Os olhos. O telefone que toca justo a meio de um verso para me dizer ‘m ta gosta d’bô. Os olhos. A menina de uniforme verde-e-branco que vi um dia na estrada poeirenta do vale, verso antecipado dos mil poemas que haveria de escrever – e rasgar de seguida! – na palma da minha mão esquerda. Os olhos. Há qualquer coisa inexplicável e bela por detrás da menina dos teus olhos. Rumores de um mistério, o gesto suspenso na encruzilhada de duas almas, a cidade depois a teus pés no rastro de um navio negreiro, o verso que me entra assim de repente pela janela escancarada...

8. Procuro-te. Também corpo. Também lábios. Sexo arquejante no ranger das horas. Também suor. Também gritos. Gemidos de esperma em noites clandestinas de meus dedos que te buscam! Procuro-te. Desesperadamente procuro-te. Mulher da ilha verso&tambor, sexo louco em madrugadas insones, dor. Dor! Doooor! Procuro-te até à porta da minha loucura (o beijo subtil pousado em teus lábios enquanto dormes, como o vento nas velas caídas de um navio negreiro...). Procuro-te. Agora mulher. Agora pecado. Agora poema. Agora dor!

9. Nas pedras da ilha ficaram para sempre as marcas da nossa loucura, o farfalhar do vento na retina dos teus olhos...


Fajã Domingas Bentas, 2005 - numa noite qualquer de Agosto


("Tentação" - foto de Armanda Com)

4 comentários:

Anónimo disse...

Apenas lindissimo!

Afinal, aonde posso encontrar o teu livro?

Paulino Dias disse...

Obrigado pela visita e pelo coment,Anónimo.

Olha, tenho descurado um pouco a distribuição do livro, mas sei que podes encontrá-lo na biblioteca do Palácio de Cultura e nos PVs da Shell (na Praia).

Abraço,
Paulino

Anónimo disse...

E porque hoje acordei com o teu sorriso na ponta dos meus dedos...

Deviam ser mortos por estarem a escrever estas porcarias,sabe?

Paulino Dias disse...

Alô, francis...

Valeu pela visita e pelo coment. Mas não vale a pena te zangares por isso, vai... basta passar por cima e não ler, pronto.

Sabes, essa é uma liberdade que ninguém te pode tirar: escolher se continua a ler ou não. Exorto-te a fazer uso desta liberdade, quando alguma coisa não te cai bem. Já desejar a morte é meio deprê, não achas? É que da minha parte, vou continuar a fazer uso da liberdade que tenho de escrever aqui o que me der na gana, sorry... Mesmo quando são porcarias. Por isso é que criei este blog "ao sabor da corrente".

Um abraço, volte sempre!

Paulino