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segunda-feira, 23 de julho de 2007

Cidade Velha


Há duas semanas fui participar na cerimônia de colocação de fitas da minha filha Patrícia, finalista do Jardim - como o tempo voa, caramba! No final da tarde, levei-a junto com as coleguinhas para um passeio de carro na estrada do vale de Ribeira Grande, todas vestidas com o mesmo uniforme azul-e-branco e a gargalhada pura (de quem ainda não perdeu a inocência...), enquanto entoavam o Hino Nacional, uma das suas "músicas" preferidas. Lembrei-me de uma crónica que escrevi há alguns meses, quando ela esteve comigo na Praia para uns dias de férias, depois de um passeio à Cidade Velha. Resolvi partilhar convosco, em nome da beleza das coisas e dos momentos simples...

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CIDADE VELHA
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“Canta, irmão, canta meu irmão...” irrompe-me a voz infantil da minha filha no banco traseiro do carro neste entardecer de Maio, enquanto rodamos pela estrada a caminho de Cidade Velha, o mar no nosso lado esquerdo e o sol à nossa frente a descambar pelos lados do vulcão de Fogo no outro lado do canal, num belíssimo quadro que desafia meu daltonismo em paletas vermelho-laranja envolvendo a linha do horizonte. Diz-me a minha filha empolgada que é a música que irão cantar dentro de dias na festa de finalista do seu jardim, e continua, agora com uma entoação que me soube a patriotismo neste meu orgulho de pai, “...que a liberdade é hino, e o homem a certeza...”.
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Aguarda-nos, ao dobrar a última curva, a fortaleza da Cidade Velha com suas paredes de séculos, seus canhões d´El Rei, suas guaritas, seus fantasmas de escravos e soldados do reino espreitando pelas esquinas do tempo. Aguarda-nos o mar lá ao fundo – tonalidades de azul claro e azul escuro beijando em espumas brancas as costas da ilha – o mesmo mar por onde chegaram as naus do achamento e os navios negreiros de velas enfunadas (a alma da minha avó escrava amarrada no fundo dos porões...), raças e navios amalgamados na encruzilhada do tempo e da história, aqui!, onde agora um pequeno bote baloiça suavemente para espantar o tédio das horas mortas.
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Há história e estórias por detrás destes muros da fortaleza. Há história que nos envolve entre as pedras dos miradouros (adivinho espuma de caravelas e bandeira de piratas ao vento no mar ao redor, em direção a outros destinos e outros saques, deixando para trás como testemunho, as ruínas da catedral que vejo agora lá em baixo e a sola dos pés dos meus antepassados em correria louca para o outro lado da ilha). Há história adormecendo nos porões das caravelas naufragadas no mar defronte, em formatos de cerâmica, moedas de cobre e trejeitos de espanto e agonia, e há estórias sob as lápides de mármore do século XVII na igreja remodelada, gentes das ilhas que escreveram outrora na areia negra da praia esta história agora de todos nós.
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“Com dignidade, enterra a semente...”. Continua ainda a minha filha. Da ferrugem dos canhões e do tempo, em simbiose com o azul do mar e os meus cabelos crespos, ergue-se subtilmente a voz de um poema – silencioso, e diria até que triste – vozes de achamento na proa dos navios, vozes dos capitães donatários que aportaram a estas ilhas, vozes de piratas desembarcando na praia defronte sua fome de ouro e almas negras, vozes amordaçadas de chicote no pelourinho da cidade, vozes d´Europa gemendo impudicamente na voz fêmea d´África, nação e povo em construção na voz mulata sobre o pó destas ilhas. Voz agora, na voz-menina que me canta no banco traseiro que a esperança é do tamanho do mar que nos abraça...
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(Vozes que me chegam do pelourinho onde trocaram por moedas de prata e quinquilharias, as mãos, o sangue, o ventre e os músculos da minha avó escrava – mas não a alma!, que esta ficou entranhada nestes cutelos em insubmissos ecos de tabanca e tambor!).
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("Aqui d´El Rei" - fotografia de Paulino Dias)

6 comentários:

pura eu disse...

Parabéns, Paulino, pelo belo texto e principalmente pela sua alma... dizemos quando realmente sentimos.

Um abraço,

Margarida

Anónimo disse...

Na kualidadi di natural di Sidadi Velha, N ta aprizenta nhas parabens! Konven kontinua ta labanta kel ki e Bersu di Nos Tudu, ki nu teni pritenson pa ser patrimoniu non so nasional, mas tanbe di mundu interu!

N ten un puema ki ta inaltesi Sidadi Velha enkuantu furnalha inisial di nos identidadi.

N ta gostaba di manda nho el, i kazu nhu gosta nhu ta spadja-l.

Di favor, nhu manda-m e-mail di nho.
Nha e-mail e: marciano.moreira@gov1.gov.cv

o

marciano_moreira@yahoo.com


Obrigadu

Anónimo disse...

Cidade Velha é a primeira cidade europeia em África e a Praia é a cidade capital de Cabo Verde. Um berço nunca é abandonado por falta de segurança. O berço de Santiago é Santa Catarina. Historicamente a Cidade Velha uma referencia de peso, mas estória do Portão di Nos Ilha é mais poesia que outra coisa. Lá onde os cabo-verdianos de livre vontade povoaram determinados locais, lá nasceu o berço da nacionalidade e o sentimento de pertença. Seja em Santiago ou noutras ilhas.

Anónimo disse...

Paulino!
O tempo vôa mesmo...Em todos os sentidos, vôa qdo estamos com alguém que gostamos, vôa, mas vôa muiiito quando se refere aos nossos filhos. Parece que foi ontem, que miha filha, estava no jardim e veio me dizer que a lição de casa era pedir aos pais a canção de ninar, que cantavamos para ela....E eu cantei um pedacinho : Ouviram do ipiranga, as margens plácidas.... dos filhos desta terra és mãe gentil, pátria amada Brasil... Isso mesmo, a canção de ninar de meu filhos era o hino nacional. E o tempo vôou,Meus filhos já são gente grande para o mundo, mas para mim, ah! para mim são apenas meninos. Sua filha é linda, e a minha filha Gabi, pediu para eu te dizer, que a foto de sua filha e amiguinha dela, está muito linda.
Um abraço verde e amarelo.
Ze!

Eurídice Monteiro disse...

Olá Lino

Gostei deste texto sobretudo por causa da tua sensibilidade em tocar nas palavras.

Força Cidade Velha!

Se for preciso juntaremos tod@s para exigirmos a verdadeira dignificação deste nosso berço (uma palavra, um poema, um hino, uma homenagem, etc.).

Ab

Paulino Dias disse...

Valeu, Eury!

E como caboverdeano dos sete costados e um eterno apaixonado pela Cidade Velha, podes desde já contar comigo!

Abraços,