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sábado, 11 de junho de 2011

De um tempo em que tudo era mais simples

Tenho, às vezes, saudades do tempo em que tudo me parecia mais simples, Gilson. As horas eram certas – lembras-te? -, o Sol seguia um percurso pré-definido no firmamento, as gargalhadas eram honestas, os abraços eram sem contrapartidas e até as zangas escreviam-se com letras exactas no rosto das comadres da freguesia. Tenho saudades desta simplicidade, confesso. Do cronometrado tic-tac dos relógios no povoado, do silêncio que se repetia entre as moitas de bananeira no quintal de Nhá Júlia d´Ana ou do rumor simples das histórias das roças de São Tomé que nos contava Ti M´guel de Treza ao cair da noite ali em Terreiro…


Naquele tempo não sabíamos o que era esta angústia de casa de banho sem água . Aliás, sequer sabíamos o que era isso de casa de banho – qualquer coisa que nos mostraram depois ser muito mais confortável do que as covas no meio da horta de cana onde fazíamos o nosso pupú de todos os dias. Mas tínhamos os tanques de Fajã – Borrónque, Lima, Chã de Margaridinha, Boca de Fundo – onde de manhã à tardinha escrevíamos com os corpos molhados semi-nús, estórias de panhádas embaixo da água, “lizas”, mortais e saltos-de-anjo exibindo-se prá mocinha que queríamos seduzir. Não tínhamos esta angústia de falta de luz – a lua e as estrelas iluminavam-nos os pés em correria nos caminhos de Fajã, a brincar mã-gatchada, pliça e lodrõn, ó maleão maleão e casamento inglês. E antes de dormir, líamos Chiquinho e Chuva Braba sob a luz do candeeiro de petróleo, antes que do quartinho ao lado nos viesse a ordem de mamãe – êh bsôt, hora de durmi! Eram outras as luzes que enfeitavam nossas noites lá na ilha, lembras-te Gilson?


Até as brigas de comadre tinham um sabor mais simples, contornos quase que poéticos sob a luz parda dos desamparinhos na ilha: Didita versus Dinha Arcângela, Tunkninha versus Didita, Dinha Arcângela versus Tunkninha, Jóna de Rosa versus Mana Iria… E terminavam dias depois entre salamaleques e trocas de tijelinhas de cachupa e encomendinhas de meio quilo de tchuck com um quarto de toucinho de permeio. As coisas eram, deveras, mais simples, Gilson. Hoje as brigas se resolvem com boca bedju, catanas e putos de palmo-e-meio de peito escancarado julgando-se os donos do mundo nas esquinas da minha cidade…


Tenho saudades da simplicidade daqueles anos, confesso.


(Foto de PD)

5 comentários:

joao pedro morais gomes disse...

Somos muitos que sentem saudades desses tempos, mas enfim.Continue a trazer esses assuntos, sentimos nostalgia, mas conforta-nos.
1 abração.

Álvaro Ludgero Andrade disse...

Foste longe na nossa saudade colectiva. Sou mnino de Soncente, com seis anos na rural São Nicolau, e por isso as minhas referências são ligeiramente diferenes: randsop (hands up), corrida-pau, batalha, casamento inglês, jogo de matas, piks, peão, e outras brincadeiras. Tempos bons de que tenho saudade, ao ver meu o filho confinado a um game, móvel ou tv, sem saborear o prazer de correr arco. Linda pena, Paulino, volta com as crónicas.

Bitim disse...

Tempos bonitos que já lá vão,
mas que nunca se esquecerão...

Dizem que recordar é viver,
Então que recordemos sempre...

Benvindo Chantre Neves disse...

...e kes kórr de lata; e kes caçadura de pardal pe dpôs bé éssés trés de casa; e kes toca de "tambor" nekes biunzin de oleo Made in sueden.... Poxa, até parece que não nasci já em plena década de 80.É que tudo mudou tão depresa, pa!!!! As vezes é angustinate.

Anónimo disse...

...dze kme bo kre!
Brassa..

Val