Google Translator

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Crónicas adiadas

Desta vez chegam com atraso as crónicas da minha ilha. Era para vos ter falado da ilha neste Agosto de horas intensas e chuvas a jusante que se descobrem na telúrica espera que vejo nos olhos do meu pai.

Era para vos ter descrito esta minha teimosia de procurar horizontes e outras cores na cor da ilha, a cada vez que lhe piso o primeiro solo ali no cais de Porto Novo. Outros tons para além da mesmice do verde dos postais, outros contornos que não apenas os traços salientes das rochas e dos precipícios que emergem dos vales talhados na sua epiderme. Outros sons & outras músicas para lá do gorgolejar da água nas levadas e do crepitar da lenha em combustão entre as três pedras do fogão na pequena cozinha improvisada de Nhá Tunkninha, outras pedras (rock) com que se constroem dia após dia a têmpera do Homem da minha ilha.

Era para vos ter cronicado principalmente o lento escoar das horas ali à sombra do monte de Péd Rétim nas tardes preguiçosas de Fajã Domingas Bentas, os pequenos silêncios entre o farfalhar das folhas de bananeira que parecem nos dizer: vem!, óh filho pródigo!, a paz que nos envolve a alma, nos sossega angústias e nos encurta distâncias. Era para ter partilhado convosco as fotografias da matança de tchuck ali em Xoxô a sete de Agosto, bem sei. Com as gargalhadas do Orlando mais as pirraças do Djack e o o terno abraço da minha Tia Memente e minhas primas Bia e Antoninha que vieram de Holanda.

Sobretudo era para vos ter falado em Agosto das gentes da minha ilha. Melhor, do reencontro com as gentes da minha ilha, com os olhares e abraços que me acarinham a alma e esta minha repetente sensação de regresso do filho pródigo. O canhoto de Dinha Arcângela, os olhos semi-abertos de Tá, as rugas de Tia Ilda, os braços retesados do ferreiro em Lombo de Santa a moldar enxadas, a deliciosa conversa com Palanca em Altomira (e o cheirinho de uma nova mentalidade a emergir nos campos da minha ilha…), o sorriso da Salu, o vôo do miúdo sobre o tanque de Marrador…

Era para vos ter falado também dos irmãos Jõn de Tuda e Modesto. Ou como vão se esvaindo pouco a pouco – nem eles mesmos se dão conta - os heróis meus da minha ilha. Sem que se façam manchetes e se interrompam telejornais com olhos esbugalhados de tragédia em última hora: é assim mais lenta e silenciosa esta, a morte dos meus heróis. Era para ter chorado convosco o suicídio do Manecas. Enforcou-se com uma década e tal de grogue goela abaixo e dois metros de corda ali na subida de Pedrene. Também não veio nos jornais, claro!, e sinto que deveria ter partilhado convosco este quê de angústia e impotência.

Mas, dizia, em Agosto deveria ter relatado também outras cores para além do verde da minha ilha…


(Fotos de Paulino Dias, Agosto/2010)


.

3 comentários:

Unknown disse...

Lindo texto, belas imagens. Abraço sincero.

Paulino Dias disse...

Thanks pela visita e pelas palavras, JB.

Abraço,
Paulino

Anónimo disse...

Delicioso.