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segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Crónicas de Fajã

Crónicas de Fajã 6

Volto a dar de caras com a manhã fria neste planalto de Fajã, quando abro a janela do quarto. Tenho as pernas doridas depois das cinco horas de caminhada de ontem, entre Xoxô e Corda, com os meus amigos americanos Jim e Deborah. Mas valeu a pena, caramba!, penso cá com os meus botões. A bacia de Xoxô que se abre como uma flôr após contornarmos a curva do Canto, o famoso erotismo pétreo de Lombo de Pico com a sua torre que mais parece um pénis erecto. Não faltam as bolas, as mangueiras no sopé parecendo pentelhos eriçados, as gentes ao redor nas suas casinhas de telha e palha tinguinha... A vista do vale de Ribeira da Torre a partir das ladeiras de Losnã tem o sabor de um poema que nos enleva assim de repente. Assim como a cerveja gelada e o sorriso da Milú que nos espera no bar do Sr. Domingos de Bia em Corda, enquanto aguardo o carro para Povoação...

Há dias fui igualmente até Pinhão, com o Maica de Nhá Joana, que vive em França. Subimos pelo caminho de Tope, passando por Selada de Ribeirinha de Jorge, com o precipício da Ribeira de Pedréne no nosso lado direito, descendo depois até a Vila de Povoação. Sempre com Fajã lá ao fundo acenando-nos em belíssimas vistas lá do alto. Como é belo estoutro lado da ilha, pessoal! Fica o convite, Célia. E Zé Pedro. E os outros - colegas de caminhada em Santiago...

Doem-me as pernas, entretanto, quando volta a minha mente ao quarto nesta manhã quase fria. Minha filha Patrícia dorme ainda. Paro por alguns instantes para lhe rever os contornos da face. Afasto-lhe uma mecha de cabelo dos olhos e sorrio inesperadamente...



Crónicas de Fajã 7

No dia 27, Nhô Jõn Miguel e Nhá Titina completaram sessenta anos de casados. Houve festa rija aqui no Planalto de Fajã, como não podia deixar de ser. Com missa do Padre Ima, choros de emoção dos filhos que vieram de propósito, discursos do Miguilim, o filho mais velho, música & danças, o abraço apertado em jeito de parabéns, o pedido discreto a Nhô Jõn para que me ensine o truque. Preciso.

No mesmo dia foi o 98º aniversário da Didita, lá em Chã de Margaridinha. Nesta noite não brigou com Nhá Ilda, como de costume. Sorria, sorria sempre, enquanto o neto Pulitcha lhe rodava num mazurca pelo terraço da casa do filho Corsino. Quase que não lhe sinto mais o corpo quando lhe abraço por entre as lembranças de diazá que me assaltam no preciso momento.

A 29 deste mês teve mais aniversário. Desta vez foi a minha mãe Silva quem fechou a conta dos 74 anos. Dançou com o meu velho ali no corredor (alguns dos filhos e netos ao redor a bater palmas...). Até roubou-lhe um beijo, assim de repente, entre a gargalhada da assistência. Antes do apagar das velas e da primeira fatia de bolo. Antes do contar de estórias ali no corredor defronte. Antes do verso que deixo logo depois no bloco de notas sobre a mesinha de cabeceira, enquanto o sono não vinha...


Crónicas de Fajã 8

Logo à noite será a festa, ali no terraço do Ntone Santos. Enfeitaram a casa toda com ramos de pinheiros e fitas multicolores para a festa do final de ano, e tascaram-lhe poeticamente o nome de “Astro do Amor”, numa placa improvisada pelo Ney de Treza. Vou até fingir arrogantemente que foi tudo preparado por tua causa. Para nós dois: a música, os apitos, as gargalhadas, os foguetes que certamente ecoarão pelo vale à meia noite em ponto, os brados de Boas Festas que ouviremos do Pina, da Bia Tchabéta, do Octávio de Trezinha, do Roberto, do André de Tunkninha, da Nonóia...

Será tudo por tua causa - vou pensar cá com os meus botões. Até o poema que me chegará sem aviso prévio, e que sussurarei devagar no teu ouvido enquanto dançamos com os olhos fechados aqui na noite de Fajã Domingas Bentas...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Crónicas de Fajã 5

Foi delicioso o Natal. Como há muito não tinha vivido. Não recebi presentes embrulhados em papel multicolorido. Nem me lembrei que deveria haver peru recheado, ceia à meia-noite, musiquinhas de gingle bells gingle bells a passearem pelos altifalantes da rádio. Não teve sequer árvore de Natal com profusão de luzes e bonecos da Virgem Maria com o menino Jesus ao colo numa manjedoura. Mas foi delicioso o Natal aqui na ilha.

Havia sobretudo um sorrir genuino, uma vivacidade nos olhares, uma certa poesia no abraço apertado do meu velho Junzim d’Pólina à meia-noite em ponto, um reviver antigos momentos cúmplices no beijo que mamãe deixou-me na face entre um Deus te abençoa e um Virgem Maria ta companhób na bôs passada.

E havia inesperadamente o teu sorriso a meu lado. A lua cheia que endoidecia no contorno das rochas do vale. Teu corpo encostado ao meu em comunhão & pecado. Assim, desprogramadamente. “Tempér de nhá catchupa, corda de nhá violon” – sussurrei-te baixinho só para te ouvir a gargalhada. O passeio de manhã à frescura de Xoxô, a cerveja gelada ali da loja do Calú de Adelaide à uma da tarde. O banho depois no tanque de Marrador e o guizado de cabrito na casa de Nhá Maria d’Antóna. O caminhar logo à noite abraçado a ti a ouvir a gostosa sinfonia dos grilos na ourela da estrada do vale. O poema que te declamei como o tal moço doido, ali na curva de Ribeirinha de Jorge às 19h50mn – lembro-me agora que a lua já despontava novamente...

Não teve gingle bells nem ho ho ho’s do velhinho de barba branca no planalto de Fajã. Mas foi naturalmente delicioso o Natal aqui na ilha, caramba!



("Fajã Domingas Bentas" - foto de Paulino Dias)

domingo, 23 de dezembro de 2007

Cronicas de Fajã Domingas Bentas

Crónicas de Fajã 1

Eram precisamente 11h12mn quando cheguei ao planalto de Fajã, neste sábado 22/12/2007 . Lembro-me de ter olhado o relógio instintivamente (o maldito tempo a cronometrar-me a alma mais uma vez, porra!). Meu pai Junzim d’Polina aguarda-me ali no portão com um terno abraço que já me sabe a Natal na ilha, mamãe também vem chegando da cozinha e escancara os seus braços para que eu neles me aloje como o filho pródigo. O aperto dura largos segundos, enquanto me pergunta pela vida, a Praia como ficou, estás bem disposto graças a Deus, nhá codê!, já estávamos com saudades tuas. Papai ressurge outra vez vindo da sala de jantar com a garrafinha nas mãos e dois copos. Pa secá suor, diz-me... eh eh eh.
Minha princesinha Patrícia está comigo, naturalmente. Fui buscá-la antes de rumar para o vale, vai passar estes dias comigo. Linda. E meiga como sempre. Mas vai logo perguntando-me pelos presentes, depois do abraço apertado e do longo beijo que me sabe a poema nesta manhã de dezembro. Fala-me entusiasmada da escola, da última prova em que tirou mais um 20, do número seis que estiveram a aprender nas últimas aulas, das brincadeiras de roda no intervalo...
A vida é bela, parece dizer-me o Benigni aqui no planalto de Fajã Domingas Bentas, entre rumores de verde, o silêncio da ilha e o cheirinho bom de cachupa guizada que me chega lá da cozinha neste preciso instante em que vos escrevo.



Crónicas de Fajã 2

A tarde foi de festa no planalto. O tradicional encontro dos “menos jovens” da comunidade, no Natal organizado pela malta das associações Amafajã, João Paulo II e Pedras Vivas. Estavam quase todos lá: Nhá Júlia d’Antone, Nóna e Nhô Marta, Nhá Treza, Dinha Arcângela, Tia Tuda, Nhô Jõn d’Guigui, Nhô Lela e sua esposa Nhá Engrácia, lá de Ribeirinha Curta, Nhá Guida de Marcelino que veio de Varzinha com Nhá Lina de Vicente, Ti Pipi mais Nhá Carlota, Nhô Jon Ntunin e Nhô Zéc de Marrador, meus velhos Junzim d’Pólina e Silva, e tantos outros...
Primeiro foi a missa rezada pelo Padre Ima, que veio de Povoação propositadamente. O pátio da escola feito capela ao ar livre, a fé a sair das soturnas igrejas para galgar os vales, montes e cutelos até à casa das gentes da ilha. A fé estampada no rosto de Nhá Nizinha, o olhar fixo no altar improvisado de onde Padre Ima fala à plateia do amor de Cristo. Nhô Jôn M’guel e Nhá Titina recebem do Padre um presente pelos 60 anos de casados (esta uma próxima crónica...). Nhá Joana Carlota recebe igualmente um presente, por ser a mais idosa da comunidade, ostentando uns rijos quase cem anos.
Depois a música, os comes e bebes, a dança. Papai abraça a minha mãe numa morna enternecida. Os olhos estão fechados, deve estar a recordar os velhos tempos de conquista, nos bailes das salas de terra batida alumiados a candeeiros a petróleo. Depois é Maria Berrnalda quem lhe arranca os pés do chão num coladera arrebatado que lhe deixa exausto mas feliz da vida. Nhá Treza de M’guel Jõn tira-me da cadeira para um gostoso "pê-de-bói" bem mexido. Música. Dança. Sorrisos satisfeitos nas faces enrugadas de tempo, sol e estórias. Alegria nesta tarde de sábado que vai cobrindo o planalto. Vida...

Palmas, pessoal, palmas!


Crónicas de Fajã 3

Acordo com o quarto anormalmente frio, até para um final de dezembro na ilha. São 6h00 da manhã. Abro a janela, o povoado ainda adormece no meio à penumbra e ao silêncio. Depois da festa de ontem, a ressaca de hoje. É domingo. Ergue-se o contorno do monte de Péd Rétim por detrás do coqueiro de Nhá Júlia d’Ana. Volto a enfiar-me na cama, debaixo da pesada colcha que mamãe deixou-me na cabeceira.

Tive dificuldades em dormir esta noite. A ansiedade talvez. O poema que me deixou inquieto, provavelmente. A saudade, com certeza. Tive saudades tuas. Várias vezes durante a noite vieste visitar-me ali no silêncio do quarto. Entravas sem bater, sem pedir licença, deseducadamente. Primeiro chegava-me o teu sorriso meigo. A gargalhada pura depois. Os teus olhos de menina vinham espreitar-me mesmo no escurinho cúmplice que nos envolvia. Tive saudades tuas, bruxinha...


Crónicas de Fajã 4


Por mais que tente, não consigo dormir novamente. O relógio mostra agora 6h23mn. Levanto-me, enfio uma camisa qualquer, pego a máquina fotográfica e saio à cata dos meus tesouros. Subo ao terraço primeiro, em busca de imagens do povoado no amanhecer por detrás da objectiva. Sigo depois para a lavada de Borrónque, bebendo a manhã que desponta lentamente. As canas estão floridas. O vale mostra-se numa roupagem espectacular que me extasia. Topo de M´randa exibe-se num outro ângulo. Ao longe, escuto o barulhinho típico de água a descer por algum “entorrnodor”. No bordo da lavada, dou de caras com um FODÊ escrito a giz branco em letras maiúsculas.
Fico ali algum tempo a rir sozinho perante a cena. Imagino um adolescente qualquer à descoberta do pecado enquanto traça as letras no bordo da lavada. A linha ténue entre a curiosidade, um tintinho assim de rebeldia, e o pecado que lhe atrai. Hormonas, naturalmente. E talvez o primeiro amor. Dos muitos que virão de certeza. Espreita de um lado e de outro a ver se vem vindo alguém. Vai-lhe subindo a adrenalina. Primeiro o F. Enorme e em negrito. Depois o O. Dá mais uma outra espreitada, antes de escrever o D. Respira fundo, há certamente um brilho meio sacana nos seus olhos quando termina o E e coloca o acento circunflexo. Curiosamente, no mesmíssimo local onde, há vinte anos atrás roubava o primeiro beijinho à Gracinda de Ti Djô d’Engrácia, lembro-me agora...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

De largada para a ilha...

A 21 deste mês “estarei de largada” para a ilha, parafraseando o poeta. Já tenho pronta a mochila, a máquina fotográfica, as sapatilhas de caminhada e o oculos de sol, o presente para a minha princesinha, a folha em branco para escrever o poema e a estória. Aguarda-me o vale, as veredas de Fajã Domingas Bentas em Ribeira da Torre, mais as gargalhadas do Pina e do Jõn Bunita, a festa de fim de ano na escola da comunidade. Aguarda-me o papo gostoso com meu velho Junzim de Polina ali no terraço logo de manhãzinha enquanto a ilha acorda lentamente, o cálice de grogue lá do trapiche de Dona Nininha para celebrar não importa o quê, e o colo da minha mãe – sim senhor, confesso! – onde sem pudor descansarei à noite esta carapinha de sonhos, com os olhos postos no firmamento.

Levo todavia a saudade como um travo amargo. Sabes porquê.


("Sentinela de pedra" - foto de Paulino Dias, descida de Losna)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Excertos...


1

Dá-me ganas de beber o teu sorriso neste preciso instante que te antecede. Gota a gota, lentamente, como se de néctar se tratasse. Tenho sede. E fome. De ti, do teu abraço, do teu cheiro, do teu beijo que enfeitiça. Fazes-me bem. Volto a pensar em ti como um doce pecado.

2

Acordo com o teu cheiro nos meus braços. O dia clareia lentamente no olhar que me ficou na memória como poesia. Levanto-me para correr as cortinas da janela e imagino-me a sussurar no teu ouvido “não tenhas medo”. Não tenhas medo – digo-te baixinho enquanto afasto uma mecha de cabelo da tua face. Lambe-me a pele arranhada de saudade os raios deste sol de dezembro que me entram quarto adentro.

3

Foi delicioso o momento. A curva dos teus lábios, o teu sorriso, o beijo adiado. Ficou o poema e a vontade, a nota de violão e a taça de vinho tinto enquanto passeia a noite pela rua deserta. O desejo de te ver novamente.


(.... to be continued...)

("O Beijo dos Cisnes" - foto de Daniel Oliveira)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Ilhas na ilha

Dizia-me ha dias a Eury que tenho estado um bocado triste por aqui, etc. e tal. Pelo contrario, minha amiga, pelo contrario, digo-te. Ando eh numa excitacao desenfreada, deu-me agora para celebrar tudo e todos, assim feito um bebado ali na tasca da esquina. Celebro a vida, esfusiante e multicolor, celebro os sonhos e os projectos, celebro a memoria e o frescor da ultima caminhada, celebro a voz meiga da minha filha pelo telefone, celebro o olhar doce da mulher no outro lado da rua, celebro o velho poema descoberto entre meus rascunhos de adolescencia, celebro o sorriso terno que me ficou na varanda como um suave perfume...
.
Celebro a vida, Eury, celebro a vida...
.
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("Ilhas na ilha" - foto de Paulino Dias)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Caminhada do mês: Pico Leão / Assomada

"Lembras-te Digho
das noites longas de Assomada
feitas Far-West
e dos rios de fodjadas
sob os nossos pés ritmando
de crianças
em loucas correrias verdes?

Todos nós éramos índios
negros brancos e mulatos
todos éramos peles-vermelhas
de escalpes crioulos

Lembras-te, Tchikosa
das noites longas de Assomada
das varandas debruçadas sobre Assomada
e dos pardieiros feitos castelos
Riba kontra Baxu Kutelo kontra Somada
nas noites longas de Assomada?

Todos nós éramos
Nhagar de coração
plenos de Natal
plenos de Assomada"

(...)

in Assomada Nocturna, de José Luís Hopfer Almada

O meu primeiro “contacto” com Assomada deu-se através deste poema, que li tinha aí uns 17 anos. Encantou-me logo a então vila, os kutelos e achadas do poema, que me lembravam os montes e ribeiras da minha ilha, as estórias e aventuras de menino que então adivinhava saltando dos versos do JL directamente para as hortas de cana e bananeira de Nhá Júlia d’Ana lá no meu Fajã Domingas Bentas, via-me ali também no poema mais o Gilson, o Cai de Mari d’Joana, o César e o Jon Bunita também nós nos nossos pardieiros feito castelos de Trouxe as Cartas, Cavaleiro Inglês, Papagaio Louro...

Meu segundo contacto, nove anos depois, foi quando fui tansferido para Santiago em 2002. Tive então a felicidade de cruzar o concelho de Santa Catarina de lés a lés, e (re)visitar todos os lugares de que me falava o poema acima citado. Até pareceu-me que tinha ali o JL a mostrar-me cada um dos lugares da sua infância no Assomada Nocturna!

O terceiro “contacto” a registar, foi sem dúvida neste último domingo. Porque de um outro prisma. Num outro poema, que agora se construiu minuto a minuto, metro a metro, enquanto avançávamos de Pico Leão, galgávamos a rocha íngreme até Achada Mula, cruzávamos este planalto absorvendo em golpadas a brisa suave que descia pela encosta de Pico d’Antónia. A agora cidade de Assomada que se estende de repente a nossos pés, acariciando-nos a alma e o olhar ali do miradouro, depois de cerca de 2 horas de caminhada, o ventinho quase frio contornando o cutelo, a água gelada que nos lava o rosto e a alma na descida de uma hora, as canas que se abrem em flôr de novembro como as da minha ribeira lá longe, a gostosa feijoada da Cozinha da Avó na Assomada em festa para nos saciar a fome, o cansaço e a busca pelo Cabo Verde profundo...

Deixo-vos um cheirinho para completar a descrição. Obrigado, Célia, por mais essa descoberta. Obrigado, Jaiminho, pelas informações. Obrigado a todos os colegas do “Caminheiros Sem Fronteiras”! Até a edição de Dezembro para mais um percurso na ilha...

(Fotos de Paulino Dias)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Próxima caminhada

Aí, pessoal, a caminhada deste mês promete. Depois de amanhã, 25/11, os "Caminheiros Sem Fronteira" vão fazer a trilha Pico Leão / Assomada, passando por Achada Mula, sob a "batuta" do Jaime. Aguardem pelas fotos na próxima semana, ok?

Já no Sábado (amanhã), vou aquecer o motor com outro grupo, percorrendo o vale de Cidade Velha.

Inté, bom final de semana a todos!

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Do amor na ilha...

E porque hoje acordei com o teu sorriso na ponta dos meus dedos, deixo-te aqui a crónica que te escrevi há mais de dois anos. Em jeito de catarse, para espantar o frio e a memória...
....................

1. Do amor menino na planta dos meus pés descalços a escrever nas ladeiras do povoado uma canção de gargalhadas e catequese aos domingos. Do amor menino ainda dos meus cinco anos, mais o amor à Dina de Mari d’Jona – vinte anos mais velha e a alvidez do sorriso a esvair-se na retina dos meus olhos como talos de rebuçados. E a infantil angústia de vê-la casar-se com Totone de Nhá Vininha nos idos dos anos oitenta, mais a emigração depois a ciciar-me no ouvido uma canção de despedida...

2. Do amor menino à Gracinda de Ti Djô d’Engrácia, o primeiro beijo que me chega assim na lavada de Borronque sob a cobertura de Trouxe as Cartas, Casamento Inglês e Senhor Barqueiro Deixe-me Passar, que nos envolve o medo e a curiosidade como um rumor lá da Bordeira de Fajã Diante. E o amor adolescente ali na Rua 9 de Ribeira Bote a espreitar da janela um punhado de versos sob os belos olhos de Taty de Nhô Frank no passeio defronte, a angustiante timidez a calar-me na garganta o desespero de tantas madrugadas.

3. Do amor estudante ali na Rua São João Número 34/301 mais a suave brisa do Guanabara a pintar nos nórdicos olhos da Julia Teuber o indício primeiro da minha anunciada loucura, os longos cabelos loiros sobre meu peito d’ilhéu na barca Niterói-Praça XV às três da manhã, e os poemas rasgados de seguida a meio de um gesto enraivecido de dor e distância. E do amor homem depois...

4. Do amor homem da ilha que me atinge assim sem mais nem menos à entrada de Lugar de Guene, às 07h55mn de uma manhã qualquer de fevereiro. E então procurei-te. Nas curvas do vale enlouquecidas de verde-e-branco, na marca de meus passos sobre o tímpano da ilha, num punhado de versos que sepultei logo depois à sombra de uma oração, procurei-te perdidamente na minha loucura como o bálsamo derradeiro da minha inquietação.

5. Bela! Como um poema nas noites calmas de agosto. Bela! O dó-ré-mi de um violão nos meus dedos sobre teu corpo. Bela! Contornos de uma lágrima que te espreita timidamente pelo retrovisor. O tempo em teus olhos, nos teus cabelos feito pássaros em debandada, na minha mão direita sobre teu corpo-ilha, no beijo que pousei em teus lábios como um poema numa manhã de outubro. Construí sobre teu corpo – pedra a pedra gota a gota – um rumor de tantos versos no silêncio das noites incompletas, gos-to-sa-men-te incompletas. E trago ainda na palma da mão o mesmo beijo que te roubei certa vez à porta da minha loucura. Mas mais do que o beijo – caramba! – o olhar.

6. Amo-te. E odeio-te. Perdidamente, como um poema do Neruda. Amo-te. Ou odeio-te. Em mim, esta dúvida na planta dos pés a pisarem pela milésima vez o cascalho da ribeira a teu lado, a Lua a dedilhar nos teus lábios o verso que te fiz ontem de madrugada enquanto o sono não vinha. Entre o amor e o ódio, a raiva e o erotismo em ebulição à flor da pele, a ponta dos dedos no teu rosto sobre meu peito, entre teu olhar de menina e teu beijo de mulher sob meus cabelos crespos enlouquecidos de ternura, amo-te. E odeio-te.

7. Os olhos. O telefone que toca justo a meio de um verso para me dizer ‘m ta gosta d’bô. Os olhos. A menina de uniforme verde-e-branco que vi um dia na estrada poeirenta do vale, verso antecipado dos mil poemas que haveria de escrever – e rasgar de seguida! – na palma da minha mão esquerda. Os olhos. Há qualquer coisa inexplicável e bela por detrás da menina dos teus olhos. Rumores de um mistério, o gesto suspenso na encruzilhada de duas almas, a cidade depois a teus pés no rastro de um navio negreiro, o verso que me entra assim de repente pela janela escancarada...

8. Procuro-te. Também corpo. Também lábios. Sexo arquejante no ranger das horas. Também suor. Também gritos. Gemidos de esperma em noites clandestinas de meus dedos que te buscam! Procuro-te. Desesperadamente procuro-te. Mulher da ilha verso&tambor, sexo louco em madrugadas insones, dor. Dor! Doooor! Procuro-te até à porta da minha loucura (o beijo subtil pousado em teus lábios enquanto dormes, como o vento nas velas caídas de um navio negreiro...). Procuro-te. Agora mulher. Agora pecado. Agora poema. Agora dor!

9. Nas pedras da ilha ficaram para sempre as marcas da nossa loucura, o farfalhar do vento na retina dos teus olhos...


Fajã Domingas Bentas, 2005 - numa noite qualquer de Agosto


("Tentação" - foto de Armanda Com)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Silva de Junzim d´Polina


Não sei, sinceramente, porque te escrevo estas linhas, nesta noite de novembro debruada de estrelas e de silêncios. Não é domingo de manhã, não é Natal nem é Dia das Mães, teu aniversário é apenas a 29 de dezembro... Talvez saudade, talvez solidão, o cálice de grogue no parapeito da varanda desperta o acorde que me invade a noite e o poema. Revejo a tua fotografia na pasta do computador, o timbre da tua voz chega-me inesperadamente como uma velha canção de ninar. Sinto de repente uma falta enorme desta tua voz, do sopro da tua voz no meu ouvido esquerdo contando-me estorias de diazá, enquanto acaricias ternamente os meus cabelos crespos de mundo e de sonhos. Quero voltar a ser criança neste preciso momento. Recostar o meu rosto de ilha no teu regaço ali na bancada à frente da casa e contar as estrelas pela milésima vez à procura da resposta certa, como fazia quando menino, lembras-te? Não pensar. Quero ficar assim perto de ti, nem que seja por um minuto apenas. Não pensar em nada. Sentir tão só o mundo ao teu redor, respirar o mundo, absorver o mundo em matizes de cor e sons pela manhã da ilha, embrenhar-me no mundo como o tal moço doido que fui outrora, à cata de restos de poema e de sonhos nas rugas do teu rosto e nos teus cabelos brancos de ternura.

Deixas, mãezinha? Cheirinho bom de café e cachupa guizada, este que me chega assim de repente numa suave saudade...


(“Silva de Junzim d´Pólina” – foto de Paulino Dias)

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Happy birthday to you...

Ontem este meu cantinho intimista completou o primeiro ano de vida. E nem me dei conta, caramba, tão febril e sonhador que estou nestes dias!

Até parece que foi ontem, quando, sob influência de uma amiga minha, decidi rabiscar as primeiras letras nesta tal blogosfera. Dvéra dvéra, o tempo voa na ponta dos dedos quando escrevo, e o ponteiro de relógio não é mais do que uma nota no rodapé do poema...

Um muito obrigado a todos pela vossa visita, pelos vossos comentários e pelos vossos e-mails, ao longo deste primeiro ano. Depois envio um convite para o bolo acima, ok?

Releiam aqui o primeiro post do blog.

Abraços,

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Um telefonema às 07h32mn


O dia acordou hoje abafado e triste. Apetece-me neste preciso momento dar um grandesíssimo grito, e mandar àquela parte – sem dó nem piedade! - os deuses todos desta minha freguesia…

Porquê, Fáia de Totóna, porquê????????????????

Agora que te foste, o que faço com a foto que eu te fiz ali na borda do tanque de Marrador no ano passado, e que diazá estou para te enviar? O que faço com as nossas memórias da escola primária ali com a Professora Bibia de Chiquim, o que faço com a lembrança das tardes percorridas anos depois a caminho do externato de Povoação, do teu peito aberto de menino-moço de meter respeito?

Ahn, Fáia???

Vou tomar um café. Talvez à noite escreva mais um daqueles poeminhas de merda, assim que a raiva se diluir e passear-me pela fronte um tintinho assim de dor e saudade…


(“Amanhecer entristecido” – foto de Paulino Dias)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Um post para a Eury


E por falar em porto, Eury, o teu Porto de Calheta, trazes-me irremediavelmente à memória, neste barulhento entardecer da cidade grande, os rumores dos tanques do meu Fajã distante. Nós não tínhamos o teu mar por perto, Eury. O mar, para nós, resumia-se ao triangulozinho verde-azul invertido que víamos por detrás do Topo de Miranda ali no meio da foto acima, ao barulho das ondas esquebrando violentamente na ourela de Povoação, e que nos seduzia a curiosidade infantil nos domingos de catequese quando íamos à igreja, ao bran-bran de arrastar de botes nos Lajedos de Ponta do Sol, para onde fugia invariavelmente quando acompanhava a minha mãe a esta vila. O cheiro de maresia, Eury, era algo distante e novo, trazido de vez em quando pelos berros da Francisca de Ponta do Sol com a sua tina de cavaaaaaala fréééééééésc, oli cavááááááála! (e nós, moleques, escondidos atrás das moitas de bananeira de Nhô Móne de Quina, a responder quer d´zer ogóóóóóóra!!!!...).
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Mas tínhamos os tanques, Eury. Borrónque, Chã de Henrique, Lima, Marrador, Boca de Patinhas, Pedrene... Sabíamos-lhe de cor a textura, o gosto e a temperatura, quase que lhes sentíamos o cheiro. Sabíamos as veredas, o tempo e a história, sabíamos as horas de "destapá ténque", e os cronogramas de enchimento: já êl tá na primêr férr! Ténq de Marrador tá k 2 pédras d´água! Uabá, ténq de Borrónque tá quase cheio, moço!. Sabíamos também os "mirins d´água", Eury. Seus nomes, suas rotinas, seus estilos. Nhô Djô d´Ingelina, Brito, André de Tunkninha, Roseno, Djô M´leguéta, Nhô Jõn Ntunin, Nhô Mórc... Quem nos deixava nadar nos tanques tranquilos e quem trazia no cinto de três pernas o rigor da proibição (e a adrenalina da fuga quando lá ouvíamos o alerta - oli Nhô Mórc ta beeeem!).
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No verão, a água quasi-morna dos tanques entranhava-nos a alma como uma doce memória, Eury. Vinha gente da Povoação e Ponta do Sol nos passeios de domingo ao interior do vale, vinham caravanas de São Vicente e de outros pontos de Santo Antão, os estudantes em férias na ilha, a manga madura roubada no caminho do tanque que nos lambuzava o rosto, os olhos e a traquinice, as brincadeiras de pánhada dentro de água (o Gilson era o féra nessas panhádas, menos pela sua maestria e mais pelo vigôr como chutava o infeliz que tentasse agarrá-lo ali no fundo do tanque...).
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Porque haverias de me lembrar dos tanques da minha infância justo hoje, ahn Eurídice? Agora ficou a saudade, forte, como uma nota destoante....
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("Tanque de Chã de Henrique" - foto de Paulino Dias)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

E por falar em caminhadas...

... noutras ilhas também se fazem caminhadas, galera! Especialmente na minha, Santo Antão, marcada por uma orografia que nos permite momentos únicos e vistas de tirar o fôlego. Leiam aqui a caminhada do Benvindo, do www.sinta10.blogspot.com
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Benvindo, uma sugestão de trajecto em SA: de Tarrafal de Monte Trigo a Ponta do Sol, passando por Norte, Ribeira da Cruz, Figueiras, Rª Alta, Cruzinha e Fontaínhas. A região mais montanhosa de todo o arquipélago, sem dúvida, com uns pontos de fotografia ímpares. Grau de dificuldade: média. Podes fazê-lo em 5 dias.
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Outro trajecto interessante (este mais curto): Corda/Xoxô, passando por Losnã. Quando nos encontrarmos em Santo Antão, prepare a mochila e a máquina, vamos combinar algumas caminhadas. Sugestão: fazer o percurso inverso ao que fizeste, iniciando em Vila das Pombas, subindo ao longo do vale do Paúl até Cova, e descer no outro lado, em Rabo Curto (Ribeira da Torre), passando ao lado do local onde o avião embateu. Qui tal?
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Célia, fica aqui também o convite/desafio, de levarmos um dia os "Caminheiros Sem Fronteira" de Santiago para Santo Antão, ok?
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Um abraço,

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Caminhada do mês: Ponta Moreia (Tarrafal)

Definitivamente estas ilhas inspiram-me. Os seus recôndidos quase inexplorados, as suas baías levemente articuladas, as suas gentes, a suave brisa que nos espera ao dobrar a curva, o azul sereno do oceano que nos silencia de ternura e calma contemplação, a praia deserta & inesperada que nos acolhe entre um poema e outro... Sim senhor, estas ilhas inspiram-me!
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Na caminhada deste mês, fomos "descobrir" o concelho de Tarrafal, em Santiago. Da Vila à Ponta Moreia, contornando o Monte Graciosa pela esquerda, passando por encostas ligeiramente escarpadas, belos planaltos esverdeados das últimas chuvas, pequenas praias escondidas na ourela fina da ilha, para terminar no farol do ponto mais a norte de Santiago, seguido duma autêntica "aventura" num Toyota Dina no regresso à Vila. A Célia diz-me que esta caminhada bateu o recorde de participantes. E também creio ter sido a mais "multinacional" de sempre: com crioulos de Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Santiago, Fogo, crioulos da França e crioulos do Senegal, e ainda brasileiros, espanhóis, americanos, ingleses... Valeu, pessoal! Até a próxima...


quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Coisas boas da vida - 2

Esta é espectacular. Não há mau humor que lhe resista:

- "Ouvir a vozita da minha princesinha a dizer-me toda orgulhosa pelo telefone que tirou 20 na primeira prova que fez na escola..."

Ah!, como a vida é bela! Não é pessoal?

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Coisas boas da vida

  1. Nadar na praia de Quebra Canela às 06h da manhã antes de ir ao trabalho…

  2. Assistir ao pôr-do-Sol na Cidade Velha…

  3. Lua cheia na estrada Ribeira Grande / Porto Novo…

  4. Lua cheia na fortaleza da Cidade Velha…

  5. Ouvir Lúcia Cardoso a interpretar “É doce morrer no mar” no leitor do carro esta manhã…

  6. A meiguice da Patrícia, o sorriso da Rea, a simpatia da Lena, os olhos da Aline, a gargalhada do Ilídio, o violão do Calú d´Basila, a ternura da Míria, os poemas da Lili, as anedotas do Ká…

  7. O papo com o Olavo e o Tchindo na varanda da casa no sábado à noite…

  8. Vinho branco de Chã das Caldeiras, grogue de Ribeira da Torre, queijo do Norte, longuiça di Achadinha, pastéis de milho de São Domingos, sucrinha e põn de trança de São Vicente…

  9. Ler poemas do Vinicius em voz alta antes de dormir…

  10. A cachupa guizada do Café Bordalo no Plateau, aos sábados de manhã…

  11. Caminhadas com a galera no interior de Santiago…

  12. Dormir numa tenda na Praia de Tarrafal de Monte Trigo…

  13. Ouvir histórias da Dª Ângela (Dadá), lá em Água de Gato, São Domingos…

  14. Passear na Avenida Marginal em São Vicente com o cheiro do mar nas narinas…

  15. Os licores do Sr. José, na pensão em Fajã d´Água, Brava…

  16. Beber água de côco em Tarrafal de Santiago…

  17. Fotografar rostos da ilha…


    Querem continuar?


    (“Azul” – foto de Paulino Dias)

sábado, 13 de outubro de 2007

Ranking de blogs


Uma surpresa, a posição deste meu cantinho intimista no ranking dos blogs: 44ª posição a nível da África Lusófona, e 9ª a nível de Cabo Verde...

Não sei qual o critério que utilizam, mas de qualquer forma, um muito obrigado a todos vocês, por me permitirem partilhar convosco estas minhas intimidades, em jeito de catarse.

Inté (amanhã é dia de relax na praia de São Francisco...)



("Relax" - foto de Paulino Dias)

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Eu, divagações...


1

Endoidece,
esta lua cheia no teu rosto.

E em mim.


2

Tudo estava perfeito:
o verde, a música,
a velha cassete de poemas no toca-fitas do carro,
a tarde e o teu sorriso…

Faz-me feliz o teu sorriso doce.


3

Passeia-me no rosto a brisa nocturna da marginal.
O cheiro é de mar. E poesia.

Penso em ti. Inesperadamente.
Acompanho ao longe as luzes de um navio
que está de partida.
Lembra-me a minha alma, o navio:
também de partida – sempre sempre! –
à tua procura…

Penso em ti.
Com o mar da Laginha nos meus tornozelos.

Penso em ti.
Como um poema…


4

Sabe-me bem
o café depois do jantar.

Toca-se “A mi jam cria ser poeta”
no pequeno palco do restaurante.
Fecho os olhos à procura de sinais no teu rosto.

Bem-me-quer,
mal-me-quer,
bem-me-quer,
mal-me-quer…

Penso em ti.


5

10h e 32 minutos
de um sábado qualquer na ilha.

Mal-me-quer,
mal-me-quer.

Penso em ti.

Mesmo depois da ressaca
e do silêncio que se fez de repente.

“De repente, não mais do que de repente”
- dizia-me o Vinicius no outro lado da mesinha de cabeceira –

Escrevo meu último poema
entre o verde e o aroma de café que sobe da cozinha…


6
Chiça!,
Já não queria
pensar em ti...


(Foto de Nana Sousa Dias)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

DEPOIMENTO



“Chamo-me Paulino Dias. Nasci em Fajã Domingas Bentas, Ribeira da torre, um dos belos vales da ilha de Santo Antão, no seio de uma família bem estruturada, mas humilde. Meu pai era Pedreiro nas FAIMO, minha mãe, analfabeta, sempre teve como única (e fundamental) tarefa, cuidar da casa e dos meninos.
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Estudei o então Ciclo Primário nas escolas de Marrador e de Fajã Domingas Bentas, e em 1986 concluía com êxito o 2º Ano do Ciclo Preparatório (actual 6ª Classe), o nível máximo a que se poderia chegar na altura em Santo Antão, dada a inexistência de Liceus na ilha. Excelente aluno, vi-me contudo numa encruzilhada: ou ia para São Vicente continuar os estudos, ou teria que parar ali no meu 2º Ano e seguir as pisadas do meu pai no lombo da enxada, nesta secular luta dos homens da ilha que teimam em arrancar da terra pedaços de pão feito milagre. Mas estudar em São Vicente custava dinheiro...
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Foi então que outras pessoas fizeram ESCOLHAS em relação a mim, tomaram decisões certas, na hora certa, escolheram estender-me as mãos, cada um à sua maneira, escolhas essas que mudariam radicalmente o rumo da minha vida – para melhor – a partir de então. Desde Nhá Adélia lá na Rua 9 em Ribeira Bote, em cuja casa ficara hospedado, passando pelos meus irmãos mais velhos, o Tio Frank, a Professora Ricardina e tantos outros, até o ICASE e o Governo, de quem recebi bolsas de estudo primeiro em São Vicente, depois para a formação superior no Brasil.
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Hoje, com 31 anos de idade, tenho pendurado na minha sala um diploma de Licenciatura e outro de Pós-Graduação, sigo uma carreira profissional sólida numa das maiores empresas do país (Administrador da IFH), sou Professor de Ensino Superior. Meu horizonte agora é diferente, muito maior e mais vasto do que a vida teria me reservado se eu tivesse ficado ali parado apenas com o meu certificado de ciclo preparatório, sem conseguir realizar o meu sonho de menino que era (e continua a ser) aprender, aprender e aprender. Hoje me considero imensamente feliz, porque vou conseguindo realizar aquele meu sonho.
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Não tenho dúvidas de que grande parte desta mudança de perspectivas deveu-se às pessoas que ESCOLHERAM ajudar-me, no momento certo. Às pessoas que tomaram a decisão de estender as mãos ao meu sonho de menino, acariciando-o e alimentando-o com ternura esses anos todos. Não os posso agradecer, porque por mais que lhes dirigissem palavras bonitas ou gestos de nobreza, nunca seriam suficientes para retribuir a mudança que operaram no meu horizonte de menino da ilha. Não senhor, nenhuma palavra seria suficiente...
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Não os posso agradecer. Mas posso lhes copiar o gesto. Posso – também eu! – FAZER ESCOLHAS, tomar decisões, estender as mãos aos sonhos de outros meninos como eu fui outrora. Posso ESCOLHER pagar uma rodada de cerveja à malta na Sexta-feira à noite para comprar seu respeito e admiração, ou posso oferecer um almoço àquela senhora idosa que vem todos os Sábados de manhã arrastar pelas ruas do Plateau seu corpo carcomido de velhice e miséria. Posso ESCOLHER comprar mais uma camisa de marca para enriquecer meu guarda-roupa e minha vaidade ou posso oferecer aquela t-shirt de Homem-Aranha ao puto que me estende as mãos pedindo alguns tostões ali na porta do escritório, só para lhe ver o sorriso. Posso ESCOLHER olhar para o lado e fingir que tudo ao redor é um mar de rosas, ou assumir que podemos ajudar – mesmo com pouco – a construir um mundo melhor à nossa volta.
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A vida é feita de escolhas. E do fruto que colhemos das escolhas que fazemos. Eu fiz uma escolha, para copiar o gesto às tais pessoas que fizeram as escolhas certas na hora certa, mudando para melhor a minha vida. Escolhi também dar a minha modesta contribuição para que os sonhos de outros meninos possam se realizar, para que outros horizontes possam se abrir para eles, para que também amanhã possam pendurar diplomas pelas paredes e quem sabe sejam chamados de Sr. Doutor. Desde Agosto de 2006, sou Padrinho do Anderson, um puto de 13 anos da Aldeia SOS de Ribeirão Chiqueiro. Não me custa nada. É apenas um pequeno gesto. E a satisfação de saber que fiz a ESCOLHA CORRECTA.
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Faça também a sua ESCOLHA. Ajude a concretizar sonhos. Ajude a mudar vidas. Ajude a abrir outros horizontes. Claro que podes ESCOLHER deixar para amanhã aquele telefonema à Aldeia SOS para apadrinhar uma criança, podes deixar para a Segunda-feira da semana que vem quando terás mais tempo para tratar disso, podes ESCOLHER esperar até que o miúdo da porta do escritório se afogue na droga e na bebida, e a velha esfarrapada das ruas do Plateau exale o último suspiro (“coitada, era uma velhinha tão simpática...”). A ESCOLHA é sua.
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Faça a ESCOLHA CORRECTA. Agora.
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Paulino Dias,
Padrinho da Aldeia Infantil SOS de Ribeirão Chiqueiro.”
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P.S. – para contactar a Aldeia SOS: +238 2647379


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segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Santiago ê bunitoooo!!!!

Aí, pessoal, algumas fotos da última caminhada dos "Caminheiros Sem Fronteiras", no passado domingo. De São Domingos a Jaracunda (perto de Pedra Badejo), passando por Mendes Faleiro, Ribeirão Cal, Barragem de Poilão e Ribeira Seca. Caramba!, esta ilha está muito bonita, pá! Verde verde verde, até a medula dos ossos...
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Descubrem Santiago, pessoal, descubrem-na! Vão ver que é muito mais do que esta imagem de lixo, black-out, falta de água, etc., que nos enfiam goela baixo...







terça-feira, 25 de setembro de 2007

Um post para a minha filha, no primeiro dia de aula


Ontem foi teu primeiro dia de aula, minha princesinha distante. E nem pude estar lá para te segurar as mãozitas que pressenti acanhadas pelo telefone, no be-a-bá deste primeiro dia...
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Eu poderia te dar mil e uma desculpas: o trabalho, a distância, a greve na TACV, o mar revolto no canal, a falta de tempo... Em vez disso, e para me penitenciar, escrevo-te este post que vou imprimir e guardar carinhosamente até que aprendas a lê-lo por ti mesma. Sabes, ainda tenho fresca na memória o meu primeiro dia de aula: o friozinho daquela manhã também de setembro, os olhos bondosos da professora Bibia de Chiquim esperando-nos lá na velha escola coberta de palha, a ansiedade, um quê de descoberta que nos entranha a alma.
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Sobretudo a descoberta. A escola mostra-nos caminhos novos, minha filha. Outros mundos, outros sentidos das coisas, amplia nossos horizontes para lá das montanhas e do mar que nos cercam. A escola - enquanto espaço de educação e fonte de conhecimento - molda-nos também como seres humanos, porque melhora a nossa capacidade de FAZER ESCOLHAS. Vais aprender, minha filha, que tudo na vida acaba por ser resultado das escolhas que fazes, desde as coisinhas simples do dia-a-dia às grandes decisões que te esperam quando cresceres. E para fazeres boas escolhas, é necessário o conhecimento, a formação humana, os valores e os princípios que procuramos - nós, a família, a professora, os vizinhos - cultivar em ti.
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Não há nada mais belo do que a liberdade, minha filha. Sobretudo a liberdade de pensamento e de raciocínio, que a escola nos estimula. Liberdade de ter as tuas próprias opiniões - respeitando sempre sempre sempre as dos outros -, liberdade de fazer os teus próprios juízos de valor, de ter a tua própria percepção das coisas, de fazer as tuas escolhas, liberdade até de apreender e determinar os nossos próprios limites em função da liberdade do outro. Infelizmente, filha, esta é uma liberdade cada vez mais rara e difícil de cultivar, porque todos os dias somos severamente bombardeados com uma quantidade enorme de informações com o único objectivo de influenciar o sentido das nossas escolhas: a cor da roupa que deves usar, o tipo de pão que deves comer de manhã, se desves ou não gostar do Presidente dos EUA... A informação, que devia educar, é usada assim para cercear o bem mais precioso que nós temos, filha: a liberdade.
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A escola, Patrícia, ajuda-nos a conservar e reforçar esta liberdade, através da promoção do nosso desenvolvimento pessoal e intelectual. O conhecimento liberta. E ao mesmo tempo dá-nos a consciência da nossa verdadeira dimensão no universo a que pertencemos, tornando-nos assim mais humildes, mais tolerantes, mais respeitadores das pessoas e das coisas que nos cercam. A sede de conhecimento, logo que se lhe pega o gosto, nunca mais se esgota, vais ver. A boa notícia é que não cansa e dá imenso prazer!
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Meus parabéns pelo teu primeiro dia de aula, filha. E que nunca nunca deixes de cultivar a tal LIBERDADE DE PENSAMENTO a que eu referi atrás.
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Do teu pai, com saudades,


("Patrícia" - foto de Paulino Dias)


terça-feira, 18 de setembro de 2007

Hás-de saber porquê escrevo

Hás-de saber porquê deste post enverdecido. Desta fotografia da minha ilha com cheiro a terra molhada e fiapos de nuvens pendurados nas rochas de Pinhão e Rabo Curto lá ao fundo. A casa de Nhá Jóna de Rosa no lado esquerdo, com o quarto do Jõn Bunita recém construído no terraço, a rocha de Biquim perfilando-se qual sentinela dos teus meus sonhos, o coqueiro de Ti Djô d´Engrácia onde eu e o falecido César costumávamos fanar cocos quando miúdos. Lembras-te? No entanto, nem era julho ainda, e a chuva era tão só uma promessa no calendário das às-águas.
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Hás-de saber porque te escrevo nesta tarde amorfa de setembro...
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("Sentinela dos teus meus sonhos" - Fajã Domingas Bentas, fotografia de Paulino Dias)
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sábado, 15 de setembro de 2007

Rostos da Ilha - 3

Hoje acordei com terríveis saudades tuas, minha princesinha distante. Dói-me a noite mal dormida. E o imenso vazio: no apartamento, no quarto, e em mim.

Quis ao menos por um minuto aconchegar-te com ternura no meu peito e dizer-te o quanto me fazes bem, mesmo sem o saberes...


("Olhar" - foto de Paulino Dias)

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Uma noite de insónia (conto)

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Já não aguento mais a porcaria deste ventilador no meu ouvido vruuuum vruuuum vruuuum. Caramba! Levanto-me de um pulo e arranco a ficha da tomada eléctrica sem sequer me dar ao trabalho de o desligar primeiro. Volto a atirar o corpo para cima da cama como um saco de batatas. Estou exausto. De insónia e de ti. Melhor: da lembrança tua. Sustenho a respiração por dois segundos para sentir a suave carícia do silêncio no quarto. A paz que desce sobre mim é aconchegante como o teu abraço pressentido. Meus lábios esboçam um leve sorriso de encantamento – vejo-te pela primeira vez na esquina do Café Sofia no Plateau, uma segunda vez num domingo qualquer na praia de Quebra Canela, e uma terceira vez quando nos encontramos casualmente ali no Sovaco de Cobra numa Sexta-feira à noite e em jeito atrevido te pedi o número do teu telemóvel. Deste-mo.
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Os quadros se intercalam como num filme em câmera-lenta. Passa um carro na madrugada da rua defronte. Instintivamente olho as horas no despertador da mesinha de cabeceira, são duas e dezassete minutos da madrugada. Penso em ti. O verso percorre a minha pele como um arrepio gostoso, de mãos dadas com o pecado e a curvatura dos teus lábios. O calor volta a invadir-me irremediavelmente a alma e a memória. Condensa-se em gotículas de suor que escorrem em direcção ao lençol amarrotado. Viro-me na cama irrequieto. Busco o conforto e o teu corpo. O teu rosto. Os teus olhos.
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Acendo a luz e envio-te um SMS às duas e trinta e nove minutos da madrugada. Sei que vou acordar-te mas delicio-me sadicamente com a tua imagem a abrir os olhos sobressaltada com o sinal de mensagem recebida, o teu corpo a revirar-se na cama para pegar o telemóvel na mesinha de cabeceira. Quase que sinto tua raiva primeiro – quem ê êss filho-da-mãe dêss hora, chiça! Mas o poema te enternece e por entre a raiva e a réstia de sono esboças um pequeno sorriso que me chega até o quarto no outro lado da cidade.
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Volto a ligar o ventilador made in China - já não aguento o calor, porra! Um mosquito vem aos poucos partilhar comigo o fardo desta insónia. Lembro-me que tenho de me levantar às sete da manhã para ir à vida e quase que entro em pânico. Tens que dormir, moço! Fecho os olhos para forçar o sono mas és tu que me abraças entre o calor e estoutro poema. No meu íntimo fico à espera de uma qualquer resposta tua, seguro o telemóvel por alguns minutos na ansiedade do toque que me anunciará tua palavra ou tua voz. Vruuuum vruuuum vruuuum. Não, não é esta a tua voz no outro lado da porta. Ou será do telefone? Já nem sei mais. Teus lábios se diluem gradativamente por entre a realidade e o sonho. Aos poucos vai-se esfumando na noite o barulho do ventilador. Já não sinto. Sonho talvez e nem sei. Liberto-me. Da insónia, do cansaço, do dia longo. Liberto-me. Para ti. Consigo até ver o meu corpo que abandono em posição fetal sobre o lençol amarrotado. Liberto-me para longe nesta minha eterna ânsia de partir. Sinto-me a adormecer lentamente…
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Triiim! Triiim! Triiim! Acordo sobressaltado com o vibrar do telemóvel em cima da mesinha. É ela, certamente, moço! É ela! O coração aos pulos. Tum tum tum. O teu rosto outra vez. Os teus lábios que pressinto acariciando o outro lado da linha. A ansiedade na ponta dos meus dedos. É ela, caramba! – quase que grito no silêncio do quarto. Nem sequer me dou ao trabalho de confirmar o número no visor. Alôô… faço uma voz ligeiramente sensual para te provocar. Silêncio. Alôôôô….
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“- Alô! Ê di squadra de pulícia de Palmarejo?”
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Era engano.
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quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Desabafo


Carrego comigo esta irremediável ânsia de partir. De me libertar das amarras e voar como um pássaro. Flutuar sobre o tempo, a memória, e o gesto interrompido. Esvaziar-me. Como um moço doido.
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Estive sempre de partida. Estarei sempre de partida. A partida em mim é uma constante como um poema inacabado. Estou em todos os lugares e não sou de lugar nenhum. Vôo, simplesmente. Irremediavelmente.
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("Groguinha - o vôo do anjo", fotos de Paulino Dias)

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Verde!


Telefonou-me o meu irmão Naiss esta manhã, a dar-me conta das primeiras chuvas lá na ilha. E a dizer-me da belíssima fotografia que tinha feito lá em Chochô, um dos recantos mais belos deste país. Lembrei-me então de uma antiga crônica que fizera há algum tempo, e que agora partilho convosco. Era fevereiro e estava de visita à ilha...


VERDE!

Às portas deste fevereiro de Nossenhôr que nos guarda, a ilha enche-nos os olhos e a alma de verde, verde, verde. Muito verde. Verde até a espinha dorsal das gargalhadas a perder de vista e a calma invasão das acácias na planta dos meus pés descalços. Verde claro + verde escuro metamorfoseando-se na retina daqueles olhos, que tentam em vão abarcar a imensidão angustiante das trepadeiras na Cinta de Riba abandonada. Verde e branco, flor e cana bourbon, grogue e fretcha e nervos de trapiche subindo co-re-o-gra-fi-ca-men-te em direção ao verdeazul que nos espreita. Verde no assobio alegre de Junzin d’Pólina no terraço da nossa casa lá em Fajã Diante. Verde-esperança nas enxadas desencalhadas e nos pés de feijão-ervilha coentro e batata inglesa galgando as encostas de Pedregal.

Também verde o sorriso aberto de Djô M’léguéta e sua faca cruzada na cintura numa bainha de pele de cabra, às nove da manhã e já subindo a vereda de Lombinho com um pequeno saco de feijão às costas. No Terreiro, gargalhadas solidariamente verdes do Peléla, Jôn Bunita, Pina, Nã, Roseno, construindo mais uma casa-de-banho oferta da Associação dos Moradores da comunidade, desta vez para a Tunkninha de Nhá Mari’Senhorinha. Verde na fotografia da Cláudia de Mari d’Pritim roubada num instante apenas em que ela se descuida, os belos olhos menina & moça angelicamente espantados no lado oposto da objetiva. E o subtil encanto da minha filha Patrícia que corre para os meus braços no portão da nossa casa, o verde estampado infantilmente nas suas mãozinhas estendidas e na pequena borboleta de plástico que lhe prende os cabelos...

No assento dianteiro do hiace do Catchupa que me leva de volta a Porto Novo, mais verde. Na curva de Nhá Jóna David, nas ladeiras de Cruz, nas contracurvas ao largo da casa de Nhô Menél Jôn e nas chãs embriagadas de verde ali em Estraga, nas bordeiras do Delgadinho onde a vertigem dos precipícios nos espreita nos lados direito e esquerdo das nossas ilhargas, nos ramos de macieiras roçando as janelas do carro ao passarmos por Corda e pelas memórias dos sacos de marmelos da minha infância, com meus primos Gilson e Dinora e nevoeiro e boleia na carroçaria de um camião carregado de pedra-de-calçada, e chuva miudinha encharcando-nos de frio até ao desespero... Verde nos pinheiros tresandando a Europa ali mesmo em Água das Caldeiras e na borda do nosso orgulho crioulo. Verde até nos campos entristecidos de Porto Novo e na voz profunda do Ildo Lobo que irrompe de repente dos pequenos altifalantes do carro para nos devolver o silêncio de tantas secas, na alto cutelo cimbrôn já cá tem... Mas aqui neste cutelo, Ildo, vai ter feijão, batata, cebola, abóbora, cana, banana, ânsias renovadas, gargalhadas de todos os tipos, com bisca & grogue ao cair da tarde, o relembrar de tempos d’outrora, e o canhoto saltitando alegremente de um canto a outro da boca desdentada já. As raízes esticadas hão de encontrar água nos braços ilhéus das enxadas de Juquim de Jóna Chica, Djô M´leguéta, Péd Palinha, Ti M´guêl T´reza....

Se Deus assim quiser – diria certamente Ti Jôn d’Bléca....
(Fotografia tirada daqui)

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Caminhando descobrindo descobrindo-se...






Recebi este poema do Francisco Weyl, o Carpinteiro de Poesia e do Cinema, a propósito das fotos que lhe enviei, da última andança dos "Caminheiros Sem Fronteiras", entre Rincon e Ribeira da Barca aqui em Santiago no dia 26 de Agosto último, passando pelas belíssimas localidades de Águas Belas e Achada Leite.

Valeu, Francisco!!! E boa estadia lá em Belém do Pará - estamos à tua espera para mais noites de poesia cá na Praia, ó Carpinteiro!

............

Mas por que é que as pessoas caminham,
perguntou este àquele um,
logo, um longo silêncio abraçou-lhes.

Este um indagado, indaga-se a si próprio
na sua essência e pensa
que jamais conseguirá obter a resposta.

Nem mesmo em seu coração,
pelo que torna-se desde já um homem de pedra.

Aquele outro indagador provoca-se e projecta-se
neste outro que não lhe responde.

Assim, estes dois, mudos com a sua própria consciência.

Mas, estes que caminham,
estes que os vemos a caminhar,
por que seguem eles por estas estradas?

Por entre estas vias tortuosos, sinuosos, a subir, descer,
ora acelerados, ora em ritmo lento,
cada um deles ensimesmado,
fazendo do seu caminho a metáfora de suas próprias vidas.

Caminhamos todos, caminham estes questionadores
e estes sem respostas.

Caminhamos por estas respostas que nos surpreendem
e que nos revelam, mas que não nos expõem,
pois o que buscamos está dentro de cada um de nós.

Vejo estas fotos, meu caro Paulino,
não do outro lado do oceano,
mas dentro de meu próprio oceano,
com estes olhos de Machado (de Assis):
mareados.

Olhos de lágrimas e de recordos, contraditoriamente, alegres,
destes caminhos que trilhamos enquanto seres humanos
nestas terras que vislumbramos para além desta Terra que habitamos.

Caminhamos uns ao lado dos outros, companheiro Paulino,
mas no fundo sabemos que nosso caminho a gente faz sozinho,
pois que a solidão da morte é o único destino.

Esta morte tão esperada,
esta morte, anunciada, aceitamo-la
neste caminho da vida.

Esta vida construída a cada passo, juntado,
a cada paso, dado,
a cada passo disparado.

Estes passos ofertados em comunhão de irmãos,
de mãos e braços, abraçados,
corpos, rotos, robustos, refeitos deste jeito que sabemos ser,
neste ser que somos enquanto andamos.

Caminho convosco, mesmo sozinho em meu destino.
.................


(Obrigado pelas fotos, vê-las faz-me sentir dentro delas.)
-- FRANCISCO WEYLCarpinteiro de Poesia e de Cinema

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Ausência


"Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces,
porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto..."

(...)

Vinícius de Morais, in Ausência


("Meia-face" - foto de Paulino Dias)

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Energia atómica em Cabo Verde?

O problema: a fragilidade de Cabo Verde no que diz respeito ao fornecimento de energia, factor essencial ao desenvolvimento, devido: 1) à natureza da nossa matriz energética actual (assente no petróleo), que nos deixa extremamente vulnerável à flutuação dos preços deste produto no mercado externo; 2) ao sucateamento e ineficiência do nosso parque de produção (digo, Electra...), que se reflecte no preço e na instabilidade do fornecimento; 3) ao facto de estarmos espalhados em ilhas, o que cria problemas de multiplicação de custos logísticos.

O debate:
a) De um lado, os que começam a defender a energia atómica como uma solução eficiente (melhor relação custo/benefício) para Cabo Verde;
b) De outro lado, os que são contra, dado aos riscos que esta solução apresenta;
c) Ainda numa faixa intermédia (ou justificando a opcção b), os que defendem a exploração de energias renováveis.

Este debate é pertinente e interessa-nos a todos. A nós e aos nossos filhos e netos. E você, o que pensa sobre isso?

terça-feira, 21 de agosto de 2007