Caro Frank Oliveira,
Antes de mais, agradeço-lhe sinceramente os e-mails que tem partilhado comigo sobre a candidatura do Dr. Aristides Lima. Reconheço (e parabenizo) a sua dedicação e o esforço em defender a candidatura que acreditas ser a melhor. Esta é uma atitude muito louvável, que certamente enriquece este nosso processo colectivo de construção de uma sociedade cada vez mais democrática, mais tolerante, mais respeitadora das diferenças, enfim, mais humilde e cidadã.
Permita-me dizer-lhe, entretanto, que o meu apoio vai para o Engº Manuel Inocêncio Sousa. E passo a explicar-lhe as minhas razões. Para mim, o voto tem um valor inestimável pois que representa um DIREITO (e ao mesmo tempo um DEVER DE CIDADANIA), direito este por que lutaram as gerações que nos antecederam, desde os Claridosos, passando pelos anti-evasionistas, os da geração de Cabral que combateram pela independência para que hoje tivéssemos este direito de termos a nossa própria bandeira, os que depois da independência construíram a duras penas um Estado a partir de quase nada, os que, sentindo o pulsar da sociedade exigiram o pluripartidarismo e a democracia enquanto sistema político que valoriza o DIREITO de os indivíduos escolherem os seus governantes. O voto não pode ser, portanto, decidido com base apenas em emoções de momento, análises superficiais ou modismos de ocasião. Pela dimensão e profundidade deste direito, pela sua enorme importância, pela implicação que o exercício deste direito tem sobre o nosso futuro, sempre encarei o momento de votar com muita seriedade, muita responsabilidade. Não sendo militante de nenhum partido, nos momentos em que sou chamado a depositar o meu voto, procuro sempre avaliar metodicamente as alternativas e decidir com base num processo que procuro ser o mais objectivo possível. As minhas conclusões e previsões poderão ser falhas? Claro!, pois que sou um ser humano e seria arrogância da minha parte não considerar que poderei estar errado nas minhas escolhas. Mas o que estou a ressaltar é que tento que as minhas escolhas derivem de um PROCESSO metódico para que possa, tranquilamente, assumir as responsabilidades pelas decisões que tomo nesta e em todos os aspectos da vida. Dizia há dias um personagem de um filme, "o mais difícil não é fazer escolhas - é conviver com as escolhas que fazemos".
O processo que utilizo é simples. No caso das próximas eleições, baseia-se em duas perguntas centrais.
· 1ª PERGUNTA: na presente conjuntura (isto é, com vários desafios e instabilidades sobretudo a nível internacional com elevado potencial de impacto nestas ilhas - instabilidades geopolíticas no Norte da África, instabilidades económicas fortíssimas na Europa, risco elevado de crise de dívida nos Estados Unidos, previsão de aumento substancial nos preços dos alimentos e do petróleo, entre outros - estes desafios, não tenhamos dúvidas, terão um impacto muito forte no custo de vida em Cabo Verde e na forma como financiamos o nosso crescimento económico), qual é o perfil mais adequado para Presidente da República?
· 2ª PERGUNTA: entre as alternativas de que dispomos (isto é, entre os candidatos que se apresentaram) qual deles tem o perfil que melhor se aproxima do que o país precisa?
Agora as minhas respostas pessoais. Em primeiro lugar, penso que Cabo Verde precisa neste momento de um Presidente que, mais do que limitar-se a ser um fiscalizador do sistema, guardião da Constituição, deve ser também, em coordenação com o Governo, um desbravador de caminhos, um explorador de novas parcerias para o desenvolvimento, um promotor de Cabo Verde nos palcos internacionais, um inspirador e aglutinador de vontades em direcção a uma visão comum. Deve ser um Presidente que, sem "invadir" a esfera de intervenção do Governo, colabora com este, no entanto, para encontrar as melhores soluções para ajudar o país a lidar com os vários desafios, os actuais e os que virão certamente. Deve ser um Presidente que, por isso, conheça muito bem o país, as expectativas dos cidadãos, as suas angústias, os seus problemas, as suas potencialidades, um Presidente activo e actuante, que conheça Cabo Verde, de Rabo Curto a Nossa Senhora do Monte, de Atalaia a Carriçal, de Madeiralzinho à Ponta Belém, de Palmeira às ruas caboverdeanas de Lisboa, Roterdam, Paris, Brokton e outras ilhas nossas espalhadas por este mundo fora.
Em segundo lugar, analisando cada um dos quatro candidatos, na minha opinião o candidato que apresenta melhor resultado neste requisito - até por inerência do seu percurso recente como Ministro de uma área muito importante como as Infraestruturas - é Manuel Inocêncio, com todo o respeito que tenho pelo percurso dos outros candidatos. Desde que começaram a sair rumores de que MI poderia vir a ser candidato, e depois de os outros também se terem posicionado e de ter feito a análise acima, sempre assumi esta conclusão - de que na minha opinião MI é o perfil que melhor se aproxima do Presidente que Cabo Verde precisa neste momento. Esta minha conclusão e escolha foi muito anterior à (polémica) reunião do CN do PAICV. Permita-me dizer-lhe mais, não tivesse MI sido o escolhido pelo PAICV, o meu voto seria para Jorge Carlos Fonseca, pessoa quem, acredito, depois de MI, apresenta o melhor perfil tendo em conta o Presidente que Cabo Verde precisa. Perde para MI no quesito "conhecimento do Cabo Verde real", mas tem a vantagem sobre os demais candidatos (AL e JM) de se mostrar uma pessoa consistente e coerente nas suas posições.
Por uma questão de princípio, evito tecer comentários em relação a outros candidatos. Claro que os avalio e formo opiniões sobre eles, naturalmente. Mas limito-me a apresentar as razões inerentes ao candidato que apoio, em si e não dependente das características dos outros concorrentes (isto é, não escolho votar A porque B e C são isto ou aquilo, mas sim, pelas características intrínsecas de A - há aqui uma nuance subtil mas que faz toda a diferença e enriquece o método de escolha...). No entanto, não posso fugir a uma questão que julgo ser pertinente e que sobre a qual todos os caboverdeanos devem reflectir: o risco e a probabilidade de instabilidade política/governativa que a decisão de AL (sobretudo, a FORMA como o fez) trouxe para o cenário. Permita-me explicar, mais uma vez, o meu ponto de vista. AL, como qualquer cidadão, reunindo as condições legalmente exigidas, tinha todo o direito de concorrer para Presidente da República - INDEPENDENTEMENTE DO APOIO DE QUALQUER PARTIDO POLÍTICO - este é um detalhe muito importante, como adiante tentarei demonstrar. Isso quer dizer que, a reflectir efectivamente um impulso de cidadania, AL deveria ter feito como JCF e assumido de antemão que iria concorrer, COM ou SEM o apoio do PAICV. Posicionando desta forma clara e frontal, eliminaria a priori o risco de instabilidade organizacional dentro do PAICV protegendo a estrutura do partido do risco de "deslegitimização" dos seus órgãos de decisão, valorizaria fortemente a sua candidatura como uma candidatura EFECTIVAMENTE inspirada na cidadania, e valorizaria a sua própria pessoa, demonstrando ser uma pessoa coerente, consistente, transparente e firme nas suas decisões.
Em vez disso, AL enviou vários sinais - alguns claramente contraditórios. Em primeiro lugar, apresenta-se como cabeça de lista PELO PAICV nas eleições legislativas (ao contrário dos demais pré-candidatos), vence as eleições legislativas, assume o seu lugar como deputado... e depois apresenta-se como candidato para PR, para “fiscalizar” o sistema! Em segundo lugar, antes da votação no CN mantém um silêncio absoluto sobre o que tencionaria fazer após os resultados no CN. Repare que tanto MI como JCF, de forma transparente, anunciaram qual seria a sua decisão após as reuniões dos respectivos CN´s: MI afirmou que caso não fosse o escolhido não se iria se candidatar a Presidente, e JCF afirmou que candidatar-se-ia a Presidente com ou sem o apoio do MPD. Quando a mim, com todo o respeito, ao assumirem claramente essas posições, esses dois candidatos deram provas de coerência interna, transparência (sabemos o que podemos esperar deles), frontalidade e firmeza – aspectos de carácter de uma pessoa que eu, particularmente, valorizo muito.
O Dr. AL afirmou, justificando a sua decisão de avançar com a sua candidatura, que não foi lá ao CN pedir autorização para candidatar mas sim apenas apoio. Claro!, pois que a própria Constituição assim o determina - os partidos políticos não "autorizam" candidatos a PR, apenas podem "apoiar". Mesmo perante o resultado no CN, é (era) um direito seu ESCOLHER se avançaria ou não. Este é um direito sagrado pelo qual eu estarei sempre disposto a lutar a seu lado em sua defesa! Quanto a isso estamos de acordo. No entanto, todo o DIREITO DE ESCOLHA (na Bíblia é chamado "livre arbítrio") traz implícita a RESPONSABILIDADE pelo resultado das escolhas que fazemos. É por isso que nos processos de escolhas conscientes e responsáveis devemos analisar os cenários, os riscos, o impacto potencial - não apenas sobre nós, os nossos projectos, as nossas legítimas ambições pessoais, mas também sobre o outro, o colectivo que nos rodeia. Ao decidir avançar, apesar dos resultados do CN, e - o que é mais grave para o que vou argumentar mais à frente - ao envolver na sua candidatura militantes destacados do Partido, com responsabilidades estatutárias pela estabilidade organizacional do PAICV, AL acaba por lançar a semente de um risco potencial de instabilidade organizacional por "deslegitimização" de um órgão estatutário de tomada de decisões. Explico. A estrutura, a solidez e a estabilidade de qualquer organização - seja ela um partido político, uma empresa, a nossa família - assenta-se principalmente em 3 pilares: legitimidade, poder e autoridade. Quando combinadas com regras e mecanismos claramente definidos para potenciar liberdade de expressão e comunicação, divergência e pluralidade de opiniões, disputas legítimas pelo poder (sempre salutares para a sobrevivência de qualquer organização a longo prazo), garantem que a organização continue a funcionar com base na conjugação do binómio estabilidade organizacional/dinamismo e renovação. A cultura oriental refere-se a este binómio como Yin/Yang - ver, por exemplo, a análise efectuada por Jim Collins e Jerry Porras sobre a importância deste binómio na sobrevivência a longo prazo de organizações empresariais, no livro "Built to Last" (http://en.wikipedia.org/wiki/Built_to_Last:_Successful_Habits_of_Visionary_Companies).
Voltando ao meu argumento, os sinais contraditórios enviados por AL + a sua decisão em avançar não obstante a decisão do CN do partido (pelo qual até é deputado) + a decisão de membros destacados do partido, com responsabilidades na estrutura organizacional, de apoiar uma candidatura outra que não a escolhida por um órgão interno de tomada de decisões seguindo regras estatutariamente definidas e aceites - constituem ingredientes fortes que acabam por potenciar a retirada de LEGITIMIDADE a este órgão (o CN), que é uma peça importante para a estabilidade da organização no quadro político e regulamentar existente. Dito de outra forma, abrindo este precedente, no futuro, qualquer decisão tomada pelo CN ou outro órgão da organização poderá ser questionada, o que lhe retira efectividade.
Feita esta apreciação, se antes já considerava que MI reunia as melhores condições para ser PR, a forma como AL conduziu o seu processo de candidatura reforçou em mim esta convicção. Com todo o respeito pelos que pensam diferente, meu caro Frank, eu, da minha parte, tenho dificuldades em confiar em alguém para um cargo tão importante para o meu pais – como o de Presidente da República – que demonstrou tal inconsistência, incoerência nos seus posicionamentos e deficiente avaliação prévia do impacto das suas decisões a nível da estabilidade do SEU partido em particular e de Cabo Verde em geral. A confiança, neste ponto, é fundamental, caro Frank. Pois que o Presidente da República, além de me representar enquanto cidadão, por inerência do cargo participa ou envolve-se em tomadas de decisões que afectam todos nós.
Confesso-te, meu caro Frank, foi a leitura deste quadro e a avaliação do impacto dos cenários PROVÁVEIS em termos de estabilidade do PAICV (que, pelo peso que tem no nosso sistema político, deve preocupar a todos os caboverdeanos), em termos de estabilidade na casa parlamentar (onde o PAICV tem apenas 4 deputados de diferença, recorde-se) e, consequentemente, em termos de estabilidade governativa - que me levou a, pela primeira vez, envolver-me de forma mais substancial numa campanha política (nunca, sequer, tinha assistido um único comício, acredite-me...). Envolvi-me na campanha de MI, ofereci-me voluntariamente para fazer parte da sua comissão de honra, porque paralelamente ao facto de eu considerar que MI apresenta o melhor perfil para o cargo de PR que Cabo Verde precisa, entendo que no quadro acima traçado o melhor cenário para a estabilidade governativa do país – e a própria estrutura interna do PAICV - é MI ser eleito Presidente. Nesta perspectiva, reduziria ou eliminaria o risco de "deslegitimização" do CN - que o escolheu e tem responsabilidades na sua escolha -, reduzindo, por conseguinte, o risco de instabilidade política no país.
Poder-se-á argumentar que o processo de decisão existente (escolha via CN) não é a mais adequada? Com toda a sinceridade, concordo com este argumento. Se fosse militante do PAICV há muito estaria a lutar para que as regras fossem ajustadas de modo a que as "bases" tivessem uma voz mais efectiva em momentos de decisão como este. Mas temos de ser coerentes: não se pode julgar decisões passadas com base em regras "que deveriam ser" mas sim, em regras "que existem". Repare que, antes da reunião do CN, não ouvi NINGUÉM, nenhum dos candidatos nem os seus apoiantes, a queixarem-se das regras existentes. Todos, absolutamente todos, concordaram com elas. Por isso, considero que não é razoável estar-se agora a colocar a tónica nesta pretensa deficiência do processo interno de decisão para justificar e "legitimar" (aos "olhos" dos militantes, não à luz da Lei, clarifico) a decisão de AL em avançar com a sua candidatura.
Caro Frank, peço desculpas pelo texto que acabou por ser muito extenso. Se chegaste até aqui, agradeço-te imenso a paciência. Espero que compreenda os meus argumentos e peço-te - em nome deste Cabo Verde que todos nós amámos e nos orgulhamos - que considere, com o distanciamento necessário, o ponto de vista aqui exposto. Não vou nem nunca irei te pedir (ou a qualquer outra pessoa) que votes neste ou naquele candidato. Este é um direito de escolha teu, constitucionalmente estabelecido, e que tem como premissa a ideia de cada caboverdeano tem a capacidade de por si só escolher onde colocar o seu voto. E esta é uma premissa que eu também acredito – que o caboverdeano pode e sabe fazer escolhas, por isso não iria de modo nenhum usurpar este teu direito.
O importante, repito, é fazermos as nossas escolhas tendo em mente que junto com este direito vem a RESPONSABILIDADE pelo resultado das escolhas que fazemos.
Um grande abraço daqui destas ilhas,
Paulino Dias