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terça-feira, 11 de outubro de 2011

"Kel li e ka um róstu, kel la e ka um kanhôtu" - De Zé Cunha

Um belíssimo poema do Zé Cunha, a acompanhar o rosto de Totona lá de Marrador. Obrigado, Zé!!!


Kel li e ka um róstu, kel la e ka um kanhôtu

Todo o rosto é um palco de palavras
que o tempo se encarrega de (d)escrever.
A cada rosto sua estação de consolo,
sala de cinema onde a vida projeta
a preto&branco o filme que fomos sendo.
Cada rosto um sacrário de excessos e abstinências,
espelho de prazeres e castigos, angústias e alegrias,
tábua íntima das mais furtivas matérias.
Cada rosto um rio a escrever-se rumo à foz do pranto,
rápido ou tranquilo, em alta queda ou lago plano,
água doce da fonte que o mar salgará nos teus olhos.
Rosto secreto que a luz povoa e molda,
silabário que fere de solidão o verbo,
voz que percute a pedra inscrita (skribida),
sábias mãos de oleiro que na face húmida
do barro compôs o primeiro alfabeto.
Argila, papiro, pergaminho, papel … bytes!
Na tua pele Totóna, a terra inteira in-escrita.

Poema de Zé Cunha.


("Totóna" - foto de PD)
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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Porque apoio Manuel Inocêncio - duas regrinhas para Frank Oliveira

Caro Frank Oliveira,


Antes de mais, agradeço-lhe sinceramente os e-mails que tem partilhado comigo sobre a candidatura do Dr. Aristides Lima. Reconheço (e parabenizo) a sua dedicação e o esforço em defender a candidatura que acreditas ser a melhor. Esta é uma atitude muito louvável, que certamente enriquece este nosso processo colectivo de construção de uma sociedade cada vez mais democrática, mais tolerante, mais respeitadora das diferenças, enfim, mais humilde e cidadã.


Permita-me dizer-lhe, entretanto, que o meu apoio vai para o Engº Manuel Inocêncio Sousa. E passo a explicar-lhe as minhas razões. Para mim, o voto tem um valor inestimável pois que representa um DIREITO (e ao mesmo tempo um DEVER DE CIDADANIA), direito este por que lutaram as gerações que nos antecederam, desde os Claridosos, passando pelos anti-evasionistas, os da geração de Cabral que combateram pela independência para que hoje tivéssemos este direito de termos a nossa própria bandeira, os que depois da independência construíram a duras penas um Estado a partir de quase nada, os que, sentindo o pulsar da sociedade exigiram o pluripartidarismo e a democracia enquanto sistema político que valoriza o DIREITO de os indivíduos escolherem os seus governantes. O voto não pode ser, portanto, decidido com base apenas em emoções de momento, análises superficiais ou modismos de ocasião. Pela dimensão e profundidade deste direito, pela sua enorme importância, pela implicação que o exercício deste direito tem sobre o nosso futuro, sempre encarei o momento de votar com muita seriedade, muita responsabilidade. Não sendo militante de nenhum partido, nos momentos em que sou chamado a depositar o meu voto, procuro sempre avaliar metodicamente as alternativas e decidir com base num processo que procuro ser o mais objectivo possível. As minhas conclusões e previsões poderão ser falhas? Claro!, pois que sou um ser humano e seria arrogância da minha parte não considerar que poderei estar errado nas minhas escolhas. Mas o que estou a ressaltar é que tento que as minhas escolhas derivem de um PROCESSO metódico para que possa, tranquilamente, assumir as responsabilidades pelas decisões que tomo nesta e em todos os aspectos da vida. Dizia há dias um personagem de um filme, "o mais difícil não é fazer escolhas - é conviver com as escolhas que fazemos".


O processo que utilizo é simples. No caso das próximas eleições, baseia-se em duas perguntas centrais.

· 1ª PERGUNTA: na presente conjuntura (isto é, com vários desafios e instabilidades sobretudo a nível internacional com elevado potencial de impacto nestas ilhas - instabilidades geopolíticas no Norte da África, instabilidades económicas fortíssimas na Europa, risco elevado de crise de dívida nos Estados Unidos, previsão de aumento substancial nos preços dos alimentos e do petróleo, entre outros - estes desafios, não tenhamos dúvidas, terão um impacto muito forte no custo de vida em Cabo Verde e na forma como financiamos o nosso crescimento económico), qual é o perfil mais adequado para Presidente da República?

· 2ª PERGUNTA: entre as alternativas de que dispomos (isto é, entre os candidatos que se apresentaram) qual deles tem o perfil que melhor se aproxima do que o país precisa?


Agora as minhas respostas pessoais. Em primeiro lugar, penso que Cabo Verde precisa neste momento de um Presidente que, mais do que limitar-se a ser um fiscalizador do sistema, guardião da Constituição, deve ser também, em coordenação com o Governo, um desbravador de caminhos, um explorador de novas parcerias para o desenvolvimento, um promotor de Cabo Verde nos palcos internacionais, um inspirador e aglutinador de vontades em direcção a uma visão comum. Deve ser um Presidente que, sem "invadir" a esfera de intervenção do Governo, colabora com este, no entanto, para encontrar as melhores soluções para ajudar o país a lidar com os vários desafios, os actuais e os que virão certamente. Deve ser um Presidente que, por isso, conheça muito bem o país, as expectativas dos cidadãos, as suas angústias, os seus problemas, as suas potencialidades, um Presidente activo e actuante, que conheça Cabo Verde, de Rabo Curto a Nossa Senhora do Monte, de Atalaia a Carriçal, de Madeiralzinho à Ponta Belém, de Palmeira às ruas caboverdeanas de Lisboa, Roterdam, Paris, Brokton e outras ilhas nossas espalhadas por este mundo fora.


Em segundo lugar, analisando cada um dos quatro candidatos, na minha opinião o candidato que apresenta melhor resultado neste requisito - até por inerência do seu percurso recente como Ministro de uma área muito importante como as Infraestruturas - é Manuel Inocêncio, com todo o respeito que tenho pelo percurso dos outros candidatos. Desde que começaram a sair rumores de que MI poderia vir a ser candidato, e depois de os outros também se terem posicionado e de ter feito a análise acima, sempre assumi esta conclusão - de que na minha opinião MI é o perfil que melhor se aproxima do Presidente que Cabo Verde precisa neste momento. Esta minha conclusão e escolha foi muito anterior à (polémica) reunião do CN do PAICV. Permita-me dizer-lhe mais, não tivesse MI sido o escolhido pelo PAICV, o meu voto seria para Jorge Carlos Fonseca, pessoa quem, acredito, depois de MI, apresenta o melhor perfil tendo em conta o Presidente que Cabo Verde precisa. Perde para MI no quesito "conhecimento do Cabo Verde real", mas tem a vantagem sobre os demais candidatos (AL e JM) de se mostrar uma pessoa consistente e coerente nas suas posições.


Por uma questão de princípio, evito tecer comentários em relação a outros candidatos. Claro que os avalio e formo opiniões sobre eles, naturalmente. Mas limito-me a apresentar as razões inerentes ao candidato que apoio, em si e não dependente das características dos outros concorrentes (isto é, não escolho votar A porque B e C são isto ou aquilo, mas sim, pelas características intrínsecas de A - há aqui uma nuance subtil mas que faz toda a diferença e enriquece o método de escolha...). No entanto, não posso fugir a uma questão que julgo ser pertinente e que sobre a qual todos os caboverdeanos devem reflectir: o risco e a probabilidade de instabilidade política/governativa que a decisão de AL (sobretudo, a FORMA como o fez) trouxe para o cenário. Permita-me explicar, mais uma vez, o meu ponto de vista. AL, como qualquer cidadão, reunindo as condições legalmente exigidas, tinha todo o direito de concorrer para Presidente da República - INDEPENDENTEMENTE DO APOIO DE QUALQUER PARTIDO POLÍTICO - este é um detalhe muito importante, como adiante tentarei demonstrar. Isso quer dizer que, a reflectir efectivamente um impulso de cidadania, AL deveria ter feito como JCF e assumido de antemão que iria concorrer, COM ou SEM o apoio do PAICV. Posicionando desta forma clara e frontal, eliminaria a priori o risco de instabilidade organizacional dentro do PAICV protegendo a estrutura do partido do risco de "deslegitimização" dos seus órgãos de decisão, valorizaria fortemente a sua candidatura como uma candidatura EFECTIVAMENTE inspirada na cidadania, e valorizaria a sua própria pessoa, demonstrando ser uma pessoa coerente, consistente, transparente e firme nas suas decisões.


Em vez disso, AL enviou vários sinais - alguns claramente contraditórios. Em primeiro lugar, apresenta-se como cabeça de lista PELO PAICV nas eleições legislativas (ao contrário dos demais pré-candidatos), vence as eleições legislativas, assume o seu lugar como deputado... e depois apresenta-se como candidato para PR, para “fiscalizar” o sistema! Em segundo lugar, antes da votação no CN mantém um silêncio absoluto sobre o que tencionaria fazer após os resultados no CN. Repare que tanto MI como JCF, de forma transparente, anunciaram qual seria a sua decisão após as reuniões dos respectivos CN´s: MI afirmou que caso não fosse o escolhido não se iria se candidatar a Presidente, e JCF afirmou que candidatar-se-ia a Presidente com ou sem o apoio do MPD. Quando a mim, com todo o respeito, ao assumirem claramente essas posições, esses dois candidatos deram provas de coerência interna, transparência (sabemos o que podemos esperar deles), frontalidade e firmeza – aspectos de carácter de uma pessoa que eu, particularmente, valorizo muito.


O Dr. AL afirmou, justificando a sua decisão de avançar com a sua candidatura, que não foi lá ao CN pedir autorização para candidatar mas sim apenas apoio. Claro!, pois que a própria Constituição assim o determina - os partidos políticos não "autorizam" candidatos a PR, apenas podem "apoiar". Mesmo perante o resultado no CN, é (era) um direito seu ESCOLHER se avançaria ou não. Este é um direito sagrado pelo qual eu estarei sempre disposto a lutar a seu lado em sua defesa! Quanto a isso estamos de acordo. No entanto, todo o DIREITO DE ESCOLHA (na Bíblia é chamado "livre arbítrio") traz implícita a RESPONSABILIDADE pelo resultado das escolhas que fazemos. É por isso que nos processos de escolhas conscientes e responsáveis devemos analisar os cenários, os riscos, o impacto potencial - não apenas sobre nós, os nossos projectos, as nossas legítimas ambições pessoais, mas também sobre o outro, o colectivo que nos rodeia. Ao decidir avançar, apesar dos resultados do CN, e - o que é mais grave para o que vou argumentar mais à frente - ao envolver na sua candidatura militantes destacados do Partido, com responsabilidades estatutárias pela estabilidade organizacional do PAICV, AL acaba por lançar a semente de um risco potencial de instabilidade organizacional por "deslegitimização" de um órgão estatutário de tomada de decisões. Explico. A estrutura, a solidez e a estabilidade de qualquer organização - seja ela um partido político, uma empresa, a nossa família - assenta-se principalmente em 3 pilares: legitimidade, poder e autoridade. Quando combinadas com regras e mecanismos claramente definidos para potenciar liberdade de expressão e comunicação, divergência e pluralidade de opiniões, disputas legítimas pelo poder (sempre salutares para a sobrevivência de qualquer organização a longo prazo), garantem que a organização continue a funcionar com base na conjugação do binómio estabilidade organizacional/dinamismo e renovação. A cultura oriental refere-se a este binómio como Yin/Yang - ver, por exemplo, a análise efectuada por Jim Collins e Jerry Porras sobre a importância deste binómio na sobrevivência a longo prazo de organizações empresariais, no livro "Built to Last" (http://en.wikipedia.org/wiki/Built_to_Last:_Successful_Habits_of_Visionary_Companies).


Voltando ao meu argumento, os sinais contraditórios enviados por AL + a sua decisão em avançar não obstante a decisão do CN do partido (pelo qual até é deputado) + a decisão de membros destacados do partido, com responsabilidades na estrutura organizacional, de apoiar uma candidatura outra que não a escolhida por um órgão interno de tomada de decisões seguindo regras estatutariamente definidas e aceites - constituem ingredientes fortes que acabam por potenciar a retirada de LEGITIMIDADE a este órgão (o CN), que é uma peça importante para a estabilidade da organização no quadro político e regulamentar existente. Dito de outra forma, abrindo este precedente, no futuro, qualquer decisão tomada pelo CN ou outro órgão da organização poderá ser questionada, o que lhe retira efectividade.


Feita esta apreciação, se antes já considerava que MI reunia as melhores condições para ser PR, a forma como AL conduziu o seu processo de candidatura reforçou em mim esta convicção. Com todo o respeito pelos que pensam diferente, meu caro Frank, eu, da minha parte, tenho dificuldades em confiar em alguém para um cargo tão importante para o meu pais – como o de Presidente da República – que demonstrou tal inconsistência, incoerência nos seus posicionamentos e deficiente avaliação prévia do impacto das suas decisões a nível da estabilidade do SEU partido em particular e de Cabo Verde em geral. A confiança, neste ponto, é fundamental, caro Frank. Pois que o Presidente da República, além de me representar enquanto cidadão, por inerência do cargo participa ou envolve-se em tomadas de decisões que afectam todos nós.


Confesso-te, meu caro Frank, foi a leitura deste quadro e a avaliação do impacto dos cenários PROVÁVEIS em termos de estabilidade do PAICV (que, pelo peso que tem no nosso sistema político, deve preocupar a todos os caboverdeanos), em termos de estabilidade na casa parlamentar (onde o PAICV tem apenas 4 deputados de diferença, recorde-se) e, consequentemente, em termos de estabilidade governativa - que me levou a, pela primeira vez, envolver-me de forma mais substancial numa campanha política (nunca, sequer, tinha assistido um único comício, acredite-me...). Envolvi-me na campanha de MI, ofereci-me voluntariamente para fazer parte da sua comissão de honra, porque paralelamente ao facto de eu considerar que MI apresenta o melhor perfil para o cargo de PR que Cabo Verde precisa, entendo que no quadro acima traçado o melhor cenário para a estabilidade governativa do país – e a própria estrutura interna do PAICV - é MI ser eleito Presidente. Nesta perspectiva, reduziria ou eliminaria o risco de "deslegitimização" do CN - que o escolheu e tem responsabilidades na sua escolha -, reduzindo, por conseguinte, o risco de instabilidade política no país.


Poder-se-á argumentar que o processo de decisão existente (escolha via CN) não é a mais adequada? Com toda a sinceridade, concordo com este argumento. Se fosse militante do PAICV há muito estaria a lutar para que as regras fossem ajustadas de modo a que as "bases" tivessem uma voz mais efectiva em momentos de decisão como este. Mas temos de ser coerentes: não se pode julgar decisões passadas com base em regras "que deveriam ser" mas sim, em regras "que existem". Repare que, antes da reunião do CN, não ouvi NINGUÉM, nenhum dos candidatos nem os seus apoiantes, a queixarem-se das regras existentes. Todos, absolutamente todos, concordaram com elas. Por isso, considero que não é razoável estar-se agora a colocar a tónica nesta pretensa deficiência do processo interno de decisão para justificar e "legitimar" (aos "olhos" dos militantes, não à luz da Lei, clarifico) a decisão de AL em avançar com a sua candidatura.


Caro Frank, peço desculpas pelo texto que acabou por ser muito extenso. Se chegaste até aqui, agradeço-te imenso a paciência. Espero que compreenda os meus argumentos e peço-te - em nome deste Cabo Verde que todos nós amámos e nos orgulhamos - que considere, com o distanciamento necessário, o ponto de vista aqui exposto. Não vou nem nunca irei te pedir (ou a qualquer outra pessoa) que votes neste ou naquele candidato. Este é um direito de escolha teu, constitucionalmente estabelecido, e que tem como premissa a ideia de cada caboverdeano tem a capacidade de por si só escolher onde colocar o seu voto. E esta é uma premissa que eu também acredito – que o caboverdeano pode e sabe fazer escolhas, por isso não iria de modo nenhum usurpar este teu direito.


O importante, repito, é fazermos as nossas escolhas tendo em mente que junto com este direito vem a RESPONSABILIDADE pelo resultado das escolhas que fazemos.


Um grande abraço daqui destas ilhas,

Paulino Dias

terça-feira, 5 de julho de 2011

Orgulho de ser CABOVERDEANO


Tenho um profundo orgulho de ser CABOVERDEANO. Orgulho dessas ilhas que me abraçam e deste mar que me cerca e ao mesmo tempo me liberta, deste meu torrão onde tenho enterrado o meu umbigo, destes cutelos, achadas, vales e montes, - ressequidos mas nossos! - onde de quando em vez colho os versos de um poema qualquer.

Tenho orgulho deste povo - de Santo Antão à Brava, de Praça Nova às esquinas de Ponta Belém, de Cabeçalinho às ruas de Roterdam onde um crioulo de Altomira nos cumprimenta com um inesperado lovód nome de Deus, para sempre seja lovód ali no restaurante Panorama. Tenho orgulho do olhar de Nhá Tunkninha lá de Fajã Domingas Bentas onde procuro adivinhar outras palavras para lá do silêncio, tenho um orgulho enorme das mãos calejadas do meu pai Junzin de Pólina por onde serpenteiam, entre sulcos, memórias construídas nas levadas de Pedrene, Ribeira de Gi, Borrónque e Ribeira de Patinhas, orgulho-me de ouvir do moço que me trata o peixe numa manhã de Sábado qualquer ali no cais de pesca da Praia que "ess kusa di PDM tem qui cumeça prumeru ê na nôs cabeça!". Tenho também orgulho do teu abraço terno logo de manhãzinha, minha preta, pois que a nação também se constrói com as mil formas de amor que vamos inventando...

Tenho um orgulho desmesurado na nossa história e nas gerações que nos antecederam. A geração de Claridade com quem descobri que "A minha principal certeza / é o chão em que se amachucam os meus joelhos doloridos / mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores / na linha de todas as batalhas". A geração do anti-evasão que, com as mãos crispadas sobre o pó destas ilhas gritaram bem alto "Não vou para Pasárgada!" (e procuraram ensinar-nos o caminho para nos libertarmo-nos da nossa renúncia, como diria o poeta anos mais tarde). Tenho orgulho da geração de Cabral e dos outros, que ousaram sonhar - muito antes que se tornasse realidade - que num dia como hoje estaríamos a celebrar aniversários da nossa independência entre discursos solenes na Assembleia e cóque & báfa na Rua 5 de Julho desta minha cidade. Tenho orgulho da geração pós independência que trabalhou na construção de um Estado que hoje pode erguer bem alto a sua bandeira e dizer sim senhor, valeu a pena! Tenho orgulho da geração de 90 que também ousou afirmar que era possível darmos mais um passo no nosso percurso colectivo e que poderíamos escolher os nossos governantes de forma livre e democrática!

E tenho um profundo orgulho também na nossa geração - nós, que temos a responsabilidade de termos nascido e/ou crescido num país livre, numa nação consolidada, num Estado independente e soberano. Temos a responsabilidade de continuar esta nossa caminhada de séculos, erguer bem alto novas bandeiras por que devemos continuar a lutar, como lutaram os nossos pais e os nossos avós pelas bandeiras sucessivas que foram fincando no chão crã destas ilhas. Temos a responsabilidade de lutar por um país mais justo e igualitário, com menos pobreza e crianças a andarem horas nos campos do Norte da minha ilha em busca de água, mais e melhor educação, mais e melhor saúde, mais e melhor bem-estar colectivo, mais e melhor cultura como elemento fundamental de afirmação da nossa condição humana - como diria o meu amigo Olavo. Sobretudo, um país com mais paz & amor, porque é com amor também que se constrói cidadania (já te tinha dito, minha preta...).

Tenho orgulho de ser CABOVERDEANO, dizia... E tu?


(... para o Crisanto Barros, Carlos Santos e Carlos Monteiro, depois da nossa gostosa conversa desta manhã em Quebra Canela.)
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sábado, 11 de junho de 2011

Notas soltas 1 (ficção)


Same mistake, disseste-me, com a tua mão pousada delicadamente no meu peito. Como na música do James Blunt que ainda parecia ecoar pelo espaço. O quarto cheirava a sexo. No chão o lençol amarrotado contorcia-se em figuras que me pareceram vales e montes. Vales e montes seguindo a curvatura do teu corpo. Pingos de suor escorriam ainda da minha fronte. Teu peito arfava levemente, os mamilos entumescidos acompanhando o movimento da tua respiração. Same mistake, repetiste num sussurro. E na tua voz quis adivinhar um tremor de pecado que tornava o ambiente ainda mais único. Clandestino. Deliciosamente íntimo.


São 14:28 e no café de um aeroporto algures lembro-me então do teu rosto naquele preciso instante que precede o adeus. Outra vez. O olhar distante que fitava um ponto qualquer na parede, na ressaca de um momento que – agora tenho certeza! – desejaria eterno. Outra vez, porra! A mesma saudade, o mesmo instinto animal de te ligar às onze da noite para te dizer desta saudade, o mesmo quarto de hotel na periferia, o mesmo arrancar de roupas em silêncio para que no chão atapetado se formem ilhas. De vales, de montes e também de pecados. Os mesmos gemidos, os mesmos gritos. E depois, há sempre a mesma angústia e o mesmo olhar num ponto qualquer da parede, na ressaca do tal momento que desejaria eterno.


Não há nenhum mistake, sabes disso. Apenas ficamos presos numa roda do tempo em que a saudade, o orgasmo a culpa e o adeus se repetem indefinidamente. Como se fosse uma maldição. Roteiro de um jogo que ultrapassa, se calhar, a nossa capacidade de compreensão. A vida, caramba!, às vezes tem dessas coisas, sabias?


(Foto de Nana Sousa Dias)

De um tempo em que tudo era mais simples

Tenho, às vezes, saudades do tempo em que tudo me parecia mais simples, Gilson. As horas eram certas – lembras-te? -, o Sol seguia um percurso pré-definido no firmamento, as gargalhadas eram honestas, os abraços eram sem contrapartidas e até as zangas escreviam-se com letras exactas no rosto das comadres da freguesia. Tenho saudades desta simplicidade, confesso. Do cronometrado tic-tac dos relógios no povoado, do silêncio que se repetia entre as moitas de bananeira no quintal de Nhá Júlia d´Ana ou do rumor simples das histórias das roças de São Tomé que nos contava Ti M´guel de Treza ao cair da noite ali em Terreiro…


Naquele tempo não sabíamos o que era esta angústia de casa de banho sem água . Aliás, sequer sabíamos o que era isso de casa de banho – qualquer coisa que nos mostraram depois ser muito mais confortável do que as covas no meio da horta de cana onde fazíamos o nosso pupú de todos os dias. Mas tínhamos os tanques de Fajã – Borrónque, Lima, Chã de Margaridinha, Boca de Fundo – onde de manhã à tardinha escrevíamos com os corpos molhados semi-nús, estórias de panhádas embaixo da água, “lizas”, mortais e saltos-de-anjo exibindo-se prá mocinha que queríamos seduzir. Não tínhamos esta angústia de falta de luz – a lua e as estrelas iluminavam-nos os pés em correria nos caminhos de Fajã, a brincar mã-gatchada, pliça e lodrõn, ó maleão maleão e casamento inglês. E antes de dormir, líamos Chiquinho e Chuva Braba sob a luz do candeeiro de petróleo, antes que do quartinho ao lado nos viesse a ordem de mamãe – êh bsôt, hora de durmi! Eram outras as luzes que enfeitavam nossas noites lá na ilha, lembras-te Gilson?


Até as brigas de comadre tinham um sabor mais simples, contornos quase que poéticos sob a luz parda dos desamparinhos na ilha: Didita versus Dinha Arcângela, Tunkninha versus Didita, Dinha Arcângela versus Tunkninha, Jóna de Rosa versus Mana Iria… E terminavam dias depois entre salamaleques e trocas de tijelinhas de cachupa e encomendinhas de meio quilo de tchuck com um quarto de toucinho de permeio. As coisas eram, deveras, mais simples, Gilson. Hoje as brigas se resolvem com boca bedju, catanas e putos de palmo-e-meio de peito escancarado julgando-se os donos do mundo nas esquinas da minha cidade…


Tenho saudades da simplicidade daqueles anos, confesso.


(Foto de PD)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Orgulho de ser africano

Quando leio notícias como esta, sinto orgulho de ser africano. Este sentir que há uma outra África em construção, de forma lenta mas firme, com avanços acentuados e por vezes recuos que, todavia, não nos impedem a caminhada, como diria o poeta. Há uma outra África - para lá das lentes da CNN - que se fortalece nas suas instituições, que pulsa, que cria, que inova, que reage, que acredita em si mesma, que olha para o futuro. Há uma África possível para além das mãos estendidas, como denunciada pela jovem economista zambiana Dambisa Moyo na sua magistral quanto polémica obra "Dead Aid".

Hoje, sinto-me imensamente orgulhoso desta minha África! Tenho uma profunda fé que a África é possível!


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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sobre violência policial - duas regrinhas à Sra. Ministra da Administração Interna!

1. Dizia há dias aqui que se trabalha em média 88 dias em Cabo Verde apenas para pagar imposto de renda ao Estado, para se poder ter "coisinhas" básicas como saúde, educação, infra-estrutura, SEGURANÇA, entre outras. A ausência da segurança (ou a sua insuficiência), portanto, já é em si uma violação grave do "contrato" entre o cidadão e o Estado, em que uma das contrapartidas exigidas àquele é precisamente o imposto que paga. Mas quando os próprios agentes que deveriam garantir a nossa segurança são os primeiros a violarem este nosso direito, então deixa de ser uma "mera" violação contratual para ser um crime, que deve ser denunciado, combatido, julgado.

2. Acabo de ter conhecimento de um caso alegadamente de violência policial e abuso de autoridade por parte de agentes da Polícia, contra o meu colega e grande amigo Marcos Furtado, fundador da empresa "Boca Doce", quando este procurava inteirar-se de uma tentativa de agressão contra a sua irmã e nossa amiga Jacqueline.

3. Primeiro veio o espanto: quem conhece o Marcos saberá logo porquê. Um indivíduo de finíssimo trato, muito humilde educado e gentil, gentleman à moda antiga, respeitador do próximo e incontestavelmente um dos líderes representativos de uma nova geração de empreendedores que começa a fazer escola (felizmente!) por estas bandas. Ainda na semana passada, exactamente pelo seu perfil e pelo exemplo, convidei o Marcos para proferir uma palestra aos meus alunos de um projecto sobre empreendedorismo e, mesmo já tendo conversado com ele em várias ocasiões, surpreendeu-me (e emocionou-nos) a sua história de vida, a sua humildade, o seu percurso profissional, o seu exemplo enquanto ser humano, jovem e empreendedor. No dia seguinte vários dos meus alunos dizia-me o quanto a sua mensagem positiva lhes tinha tocado e inspirado... Por isso o espanto. E a pergunta logo depois: Marcos?!

4. De seguida, a indignação. Agora não porque é o Marcos, mas porque trata-se de um ser humano, um cidadão num Estado dito de Direito. Mesmo que o Marcos (ou outro cidadão) tenha cometido alguma ilegalidade, justifica-se tal violência?! É esta a melhor forma de lidar com situações do tipo? Casta de sistema é este?! Onde estamos, porra??!

5. Por isso, enquanto cidadão e em nome dos meus 88 dias de suor para pagar os salários dos agentes de segurança que cometeram este excesso, venho por esta via solicitar à Sra. Ministra da Administração Interna o cabal esclarecimento deste caso. Quero ouvir a versão da Polícia (embora, digo logo que dificilmente irão me convencer da "bondade" de tal acto!). Enquanto cidadão, exijo que as responsabilidades sejam apuradas. Que os culpados sejam exemplarmente punidos e os excessos combatidos em toda a linha. Que o meu dinheiro (impostos!) seja efectivamente aplicado em prol do bem comum! Daqui deste cantinho, vou ficar à espera de notícias suas, Sra. Ministra! Aqui não há esta história de 100 dias de graça, inteirar-se de dossiers, conhecer a casa e tal! Aqui há necessidade de JUSTIÇA e defesa da legalidade! Imediatamente, Sra. Ministra!

6. Ao meu amigo Marcos, um grande abraço, em silêncio. Lembre-se do que nos disse semana passada sobre persistência. Este é um daqueles momentos em que desistir não é uma opção! À Jacquie também aquele abraço, estamos juntos. .

domingo, 3 de abril de 2011

Que lugar é este?

Ofereço um drop´s e um passeio até este lugar (em Agosto), para quem souber dizer que povoado é este e de onde a foto foi tirada:


(Foto de PD)

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quarta-feira, 23 de março de 2011

E por falar em declaração de IUR...

88 dias
ou
2,9 meses

foi o que tive de trabalhar em 2010 apenas para pagar imposto de renda ao Estado (IUR)... E nesta conta não entra ainda o IVA que pago sobre o pãezinho da padaria, o combustível do carro, a conta de luz, etc. Nem o imposto de selo sobre a prestação da casa, a taxa ecológica sobre a garrafinha de água...

Não sou contra pagar impostos, obviamente. Mas - porra! - quando me dirigir a um hospital público quero ter um tratamento decente (eu é que pago), quando precisar da Polícia quero que apareçam em tempo útil (eu é que pago), quando for a uma instituição pública gostaria de ao menos receber um sorrisinho de nada (eu é que pago), quando precisar de educação de qualidade para a minha filha quero tê-la (eu é que pago), quando tiver necessidade de ser atendido por um servidor público, gostaria de ser recebido com um mínimo de educação e humildade (eu é que pago)...

Façam as vossas contas também. Por uma cidadania mais activa!

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terça-feira, 22 de março de 2011

Uma perguntinha ao Dr. José Maria Neves

A história: Um cliente da nossa empresa PD Consult, investidor europeu, está interessado em desenvolver em parceria com um emigrante de origem caboverdeana (que quer aproveitar as políticas de estímulo ao investimento emigrante no país) um ambicioso projecto em São Vicente, com uma frota de 10 pequenos navios para pesca submarina desportiva e passeios turísticos, com o objectivo de explorar o potencial dos mares da região norte para este tipo de actividade turística. O projecto exigirá a contratação e formação de 50 trabalhadores que, por política da empresa, deverão ser maioritariamente nacionais para reduzir custos de expatriação. Igualmente, os nossos empresários querem discutir com o Governo uma parceria público-privada visando criar condições logísticas especiais de apoio à sua frota no Porto Grande, mas também a outros navios de recreio que demandem o arquipélago.

Agora, a perguntinha: poderá me dizer V. Excia. com quem devemos discutir este projecto no novo Governo?
a) Com o Ministro do Turismo, Indústria e Energia? (Envolve actividade turística)
b) Com o Ministro das Infraestruturas e Economia Marítima? (Envolve investimento no Porto Grande + actividade marítima)
c) Com o Secretário de Estado dos Recursos Marinhos? (Envolve pesca submarina)
d) Com a Ministra das Comunidades? (Envolve regresso de emigrante investidor)
e) Com o Ministro das Relações Exteriores? (Envolve relações económicas com a UE)
f) Com a Ministra do Ambiente? (Envolve actividade com impacto ambiental)
g) Com a Ministra do Emprego, Juventude e Desenvolvimento de Recursos Humanos? (Envolve emprego jovem e formação profissional especializado)


A história não é verídica. Mas vai acontecer muitas vezes (espero!), e temo ter dificuldades em orientar da melhor forma os passos dos nossos pobres investidores neste matagal. É que ainda estou um bocado confuso com a estrutura deste novo Governo, e perguntar não ofende, né...


(Foto copiada algures da internet)

quarta-feira, 16 de março de 2011

Eu e o gerador do vizinho: uma história de amor... (3)


Hoje o dia começou ma-ra-vi-lho-sa-mente, pessoal! Assim logo pela manhãzinha, e como que para dar mais poesia à minha relação amorosa com o gerador do vizinho, o meu quarto de dormir foi graciosamente inundado por um "delicioso" insenso. Um fdp... quer dizer, um cidadão qualquer resolveu queimar um monte de lixo atrás do meu prédio e o fumo... quer dizer, o incenso quase todo foi parar ao meu quarto. Ah!, como é bom este acordar na cidade, num bairro supostamente residencial, no coração de Palmarejo, com o fumo de lixo queimado a entrar-nos pelas narinas! Que perfume, meu Deus!!! Até fiquei ansiosamente à espera das 08h00 (que é quando ligam o gerador do vizinho, meu objecto de desejo) para saborear o quadro. Melhor dizer: o bacanal. Suruba das boas aqui neste Palmarejo nosso. Fxxxx-nos os ouvidos, fxxxx-nos as narinas, fxxxx-nos os olhos, fxxxx-nos o silêncio necessário. Assim, brutal, sem pedir licença, sem camisinha sequer, caramba! Enfim, quer mais o quê desta vida, moço?!

Claro está, não é a primeira vez. Nas vezes anteriores, quando ainda pensava inocentemente que ser portador de um BI de Cidadão Nacional e ser cumpridor dos meus deveres para com o Fisco e as Leis dava-me direito a alguma tranquilidade, ingenuamente chamei a Polícia (que não apareceu), chamei os Bombeiros (que não apareceram, ou se apareceram foi meia hora depois no mínimo, quando já deveria ter saído para catar os três-por-dia - afinal tenho que pagar impostos, sabem...), enfim, bradei a Deus / na noite escura e fria / e lá no Céu sem luz / (nem) Deus ouviu minha agonia... epá!, peraí que já vou com poesia de novo... Um fulano quando está enamorado fica assim todo romântico e sonhador eheheheheh.

O meu vizinho (o do gerador) não tem nada a ver com este meu outro concidadão (o do fumo de lixo queimado). Nem acredito que seja uma conspiração para me lixarem o sossego.... Também vou tomando nota, of course. Para não me esquecer de enviar um bilhetinho de agradecimento "a quem de direito" nas próximas eleições autárquicas, por me proporcionarem (ou permitirem) tão deliciosos momentos... Momentos tão românticos (música & incenso), momentos que me deixam arrebatadoramente cheios de te(n)são... Para não me esquecer, dizia.

Quem me convida o almoço hoje? É que fico tão emocionado com o cheiro a fumo... quer dizer, a incenso made in lixo, que imagino ir encontrar ainda lá em casa, que nem queria lá ir para não estragar o encanto...!


(Foto copiada algures na internet)

segunda-feira, 7 de março de 2011

Imagens sem palavras (1)

João Branco,
Empreste-me o teu refrão, para perguntar:


"Que legenda para esta imagem?"




("............" - foto de PD)


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